domingo, 1 de setembro de 2013

Síria: Putin lança as pombas da paz

1/9/2013, [*] MK Bhadrakumar, Indian Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Vladimir Putin durante sua fala de hoje, 1/9/2013 em Vladivostok
O Kremlin acaba de distribuir o texto oficial da fala do presidente Vladimir Putin sobre a crise síria. Chama a atenção que Putin falou mais demoradamente e disse muito mais do que sugerem as matérias que os jornais estão distribuindo no ocidente; e, também, que falou sobre praticamente cada um dos muitos aspectos dessa situação explosiva.

Já não há dúvidas de que Putin soube colocar-se metro e meio acima de qualquer outro governante mundial, ao assumir resolutamente uma posição de princípios morais, dado o envolvimento da Rússia na Síria, dado o vasto conhecimento que os russos têm sobre a Síria e o Oriente Médio e dado o papel que a diplomacia russa assumiu, ao insistir em salvar as conversações de Genebra-2, apesar de todas as improbabilidades.

Barack Obama
Prêmio Nobel da Paz
A questão é saber até que ponto o presidente Obama foi influenciado pelo que disse Putin, no gesto de adiar sua decisão de lançar “ataque limitado” contra a Síria – adiamento que já se vê bem claro, no movimento de requerer aprovação do Congresso dos EUA, antes de atacar.

Fato interessante é que Putin falou de Vladivostok – quase um dia inteiro “antes” do horário de Washington.

Muita coisa depende dessa questão, porque o adiamento dificultou muito, para Obama, lançar o ataque. Antes de o Congresso dos EUA reunir-se, dia 9/9/2013, acontecerá a reunião do G-20, no qual os líderes mundiais discutirão, sem dúvida alguma, a crise síria.

A partir das indicações que se têm, os EUA estão muito isolados na opinião mundial, e Obama perceberá isso pessoalmente, no G-20. De fato, apesar da petulância de Obama ao não consultar Putin, o presidente russo revelou que discutirá a questão síria com Obama, quando se virem, em São Petersburgo, na próxima 5ª-feira [a menos, claro, que Obama se dedique a fugir de Putin, até na hora da fotografia (NTs)].

Vejamos o que Putin disse, nesse pronunciamento histórico, de Vladivostok:

A) Foi colhido de surpresa pela onda de recusa, na Europa, a aceitar tudo e qualquer coisa “de acordo com os desejos e as políticas” dos EUA. “Não esperava. Fui, de fato, colhido de surpresa por aquela reação dos europeus.” Putin observou que até a Grã-Bretanha “aliada geopolítica” dos EUA foi guiada por “interesses nacionais e senso comum” e considerações sobre a própria “soberania”. A Europa, afinal, começou a “analisar os eventos, extrair conclusões e agir de acordo com as próprias conclusões”.

B) Putin rejeitou cabalmente, como “absoluta sandice” a alegação de que o governo sírio seria responsável pelo ataque com armas químicas perto de Damasco, porque os ‘'rebeldes'’ já estavam sob pressão militar e não havia razão concebível pela qual o governo sírio ofereceria “um trunfo a quem está sempre clamando por intervenção militar estrangeira”.

C) Putin diz que a crise inteira é “uma provocação armada pelos que querem arrastar outros países para dentro do conflito sírio e querem o apoio de membros poderosos da comunidade internacional, especialmente o apoio dos EUA”. Deixou implícito que estados da região – Arábia Saudita e Turquia, em particular – tentaram arrastar os EUA para uma intervenção direta na Síria, o que o governo Obama recusou-se a fazer até agora, para grande tristeza dos “interessados”.

D) Putin pôs em dúvida a veracidade do que os EUA têm dito – e questionou a intenção por trás disso – que teriam “provas” da culpa do regime sírio. Desafiou o governo Obama a apresentar “provas”, e a deixar de recorrer ao álibi de que seria informação secreta.

E) Putin destacou que os EUA não têm “qualquer base a partir da qual possam tomar decisão tão fundamental”, de atacar a Síria.

F) Em variação notável, em homem cuja marca registrada é manter a política afastada das emoções, Putin dirigiu-se pessoalmente a Obama, para que corresponda às esperanças do mundo de que ele seja homem da paz – “Antes de tudo e principalmente, dirijo-me ao Sr. Obama não como meu colega, não como presidente e chefe de Estado, mas como homem que recebeu a honra de um Prêmio Nobel da Paz”.

G) Deixando de lado as polêmicas, Putin disse que atacar a Síria não é ato que sirva, sequer, a autointeresses dos EUA, porque esse ataque “agride todo o sistema internacional de segurança e viola os fundamentos da lei internacional”.

H) Putin conclamou Obama a pensar muito “antes de tomar decisões” e a “não ter pressa nessas coisas que podem gerar resultados completamente indesejados”.

I) Putin disse que vê o G20 como “uma boa plataforma” para discutir a crise síria, embora o grupo não seja “autoridade formal” ou “plataforma substituta” do Conselho de Segurança da ONU. Disse que espera discutir a Síria “num formato expandido”, com Obama, no G20, na próxima semana.

Reunião preparatória para Genebra-2 entre ONU-EUA-Rússia em 25/6/2013
Bem visivelmente, Putin ignorou todo o contexto do esfriamento nas relações EUA-Rússia e não mostrou ânimo de “aproveitar-se” do momento para “marcar pontos”.

Mas, é claro, Putin tem plena consciência de que é ele quem está em sincronia com a opinião mundial – incluída a opinião ocidental – sobre a questão síria, não Obama.

De fato, esse pronunciamento de Putin marca uma grande iniciativa diplomática do Kremlin, virtualmente às vésperas da reunião do G20, um importante apelo à razão e à contenção ante a situação na Síria. 

Evidentemente, Putin tem esperança de influenciar o cálculo de Obama e de conseguir mudar a tendência de seguir a via militar; e de, talvez, ressuscitar o processo de Genebra-2. É aposta muito ambiciosa, mas se alguém pode conseguir tudo isso, hoje, no cenário mundial, é Putin, e só ele. [1]

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Nota dos tradutores
[1] Leia também a transcrição completa da fala de Putin (em inglês).
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[*] MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Irã, Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu,Asia Times Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala

2 comentários:

  1. Em um estado livre e democrático a maioria é a que tem suas reivindicações atendidas pelo governo, SEMPRE respeitando os direitos civis da minoria. Já a minoria, se for realmente livre e democrática, entende que é minoria e, mesmo não sendo o que deseja, acata a decisão da maioria. O que está ocorrendo de fato dentro da Síria hoje(décadas) é isso ? Existe livre arbítrio lá ? Existe um governo que ouve as reivindicações vindas de sua gente ? Ou o Sr. herdeiro do governo apenas impõem sua vontade garganta abaixo de seu povo ? Porque tem tanta gente síria brigando com tanta gente síria ? Não está ai uma clara demonstração de insatisfação popular ? Em vez de dar tiros o herdeiro do trono sírio deveria, se fosse amante da liberdade e da democracia, convocar e realizar honestamente eleições LIVRES e ai sim todos saberiam quem é a maioria e quem é a minoria e com isso ficaria muito mais simples até para as outras nações opinarem. Na Síria de ontem e de hoje não se sabe realmente quem é que esta com razão. Talvez, na visão do sr Putin o melhor seja que o Bashar se mantenha no poder. Ha interesse Russo por trás disso ? Ha interesse Americano ? Ninguém sabe ao certo, só se sabe é que os sírios estão se matando entre eles mesmo. Tem gente que acha que a melhor solução é fechar os olhos e deixar que se liquidem, outros preferem agir do que ser omisso.

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    1. Prezado Nalfold
      Longe deste blog defender este ou aquele governante de país estrangeiro. O que defendemos é a NÃO INTERVENÇÃO, armada ou não, nos assuntos de outros países. A Síria, por razões geopolíticas, vem sendo atacada por seus vizinhos (nomeadamente Qatar, Arábia Saudita e Turquia, além de outras petromonarquias do Golfo Pérsico), apoiados por seus "patrões" ocidentais (EUA,UK e França e demais aliados da OTAN) que armaram grupos terroristas (al-Qaeda, al-Nusra principalmente) para desestabilizar política e militarmente a Síria.
      Daí nossa defesa da integridade da Síria, jamais este ou aquele governo que se implante por lá. Isso é um problema que somente o povo sírio pode/deve resolver.
      Abraço
      Castor

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