sábado, 7 de setembro de 2013

O grande momento de Putin no cenário mundial

7/9/2013, [*] MK Bhadrakumar, Strategic Culture
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Putin na conferência de imprensa sobre a Síria durante o G20 de S. Petersburgo
Os EUA acabaram gravemente isolados na reunião do G20 em São Petersburgo, no que tenha a ver com a questão síria. O melhor que os norte-americanos conseguiram dizer foi que o grupo dividiu-se ao meio – cinquenta a cinquenta – mas a fria realidade é que só Turquia, Canadá, Arábia Saudita e França aliaram-se à proposta dos EUA de atacar a Síria.

Como fica, então, o presidente Barack Obama, nos terríveis dias ou semanas à frente?

A conferência de imprensa de Obama no G20, ontem, oferece alguns sinais. Obama falou em tom sombrio, sem as afirmações calorosas, nem o pensamento assertivo que lhe são frequentes como político e intelectual dotado. Basta dizer que Obama continua preso às suas armas, insistindo no caminho já gasto, sobre as questões discutidas. Pareceu, mesmo assim, mais introspectivo, procurando as ideias, como se elas lhe escapassem ao falar.

O tom em relação à Rússia foi notavelmente conciliatório, o que refletiu a aguda consciência de que, na questão da Síria, é Moscou quem está exercendo liderança mais convincente, não Washington… Obama, deve-se supor, já sabia da conferência de imprensa do presidente Vladimir Putin, antes, na tarde da 6ª-feira, na qual o presidente russo disse palavras que não se ouviam na história da diplomacia moderna desde a Revolução Bolchevique, há um século: “segundo várias pesquisas de opinião, a maioria das populações [ocidentais] estão do nosso lado [dos russos] e contra a ampliação de hostilidades”.

Barack Obama ficou incrivelmente isolado durante o G20
De fato, Putin deixou bem claro que a Rússia não se deixará ficar à margem, só olhando dolentemente a Síria ser agredida – “A Rússia ajudará a Síria? Sim. Ajudaremos. Já estamos ajudando. Estamos fornecendo armamento e em pleno processo de cooperação econômica. Espero que, no futuro, expandiremos ainda mais a cooperação humanitária, inclusive mais ajuda humanitária e apoio à população civil”. Impossível falar mais claramente.

É verdade que não se tratava exclusivamente da Síria. Putin dizia, à plateia mundial, que nos cinco anos ou quase isso desde que declarou, em frase que ganhou fama, que o colapso da União Soviética foi um “desastre geopolítico”, a Rússia, sim, ascendeu à posição de grande potência. Sem dúvida, a reunião do G20 em São Petersburgo é evento de importância máxima no funcionamento do sistema mundial. Vinte anos de política mundial estão sendo quebrados, e com essa quebra se esvai o mundo “unipolar”, filho do pensamento ocidental triunfalista.

Ora, a conferência de imprensa de Obama mostrou que o presidente parece compreender isso, porque enfatizou que os EUA teriam de agir na Síria, em nome de sua “credibilidade”. 

Obama não explicou por que um ataque militar contra a Síria melhoraria, fosse como fosse, a terrível situação naquele país. Certamente, porque os EUA não têm sequer alguma mínima ideia sobre isso. Só via os EUA, e seu único foco era o risco de o poder norte-americano sobre o mundo ser erodido. Foi posição ditada mais por preocupações sobre a reputação dos EUA e menos por algo que os EUA realmente esperem obter. Obama argumentou grosseiramente, sem qualquer sofisticação, a favor de uma política exterior apoiada no uso de força letal; mais sobre a identidade dos EUA, sua imagem no mundo e em relação a pressões internas ou externas.

Franklin Roosevelt
O único argumento estimulante que lhe ocorreu foi que a liderança envolve tomar decisões, mesmo quando sejam impopulares. Citou a decisão de Franklin Roosevelt, de participar na 2ª Guerra Mundial, e a de Bill Clinton, no Kosovo. É pensamento controverso.

Nem o Vietnã ou o Afeganistão ou o Iraque eram guerras “impopulares”, quando começaram. Claro que guerras sempre mudam muito. Em segundo lugar, a analogia com a 2ª Guerra Mundial ou o Kosovo é descabida, porque o mais desconcertante, hoje, na questão síria é, como disse o respeitado diplomata norte-americano Ryan Crocker (que também foi embaixador na Síria, Líbano, Iraque e Afeganistão), “o nosso [dos EUA] maior problema é a ignorância: somos muito ignorantes sobre a Síria”.

Além do mais, acontece também de uma das qualidades da liderança ser a capacidade de dizer “não” a guerras, por mais populares que pareçam ser.

Adiante, excerto de coluna publicada no Washington Post no início da semana, assinada por general do exército aposentado e ex-comandante da Academia Militar dos EUA, Robert H. Scales:

Robert H. Scales
Nosso mais respeitado presidente soldado, Dwight Eisenhower, teve a “gravitas” e a coragem de dizer não à guerra oito vezes durante sua presidência. Pôs fim à Guerra da Coreia e recusou-se a ajudar a França na Indochina; disse não aos seus antigos aliados de guerra Grã-Bretanha e França, quando pediram que os EUA participassem da captura do Canal de Suez. E resistiu contra os liberais democratas que queriam ajudar na formação do recém criado Vietnã do Sul. Todos sabemos o que aconteceu, depois que seu sucessor ignorou o conselho de Eisenhower.

O principal problema de Obama é que passou a ser pressionado pela Direita Republicana como presidente “fraco”, e sente a necessidade política de demonstrar que não é o caso. Por outro lado, enfrenta a dificuldade de que alguns desses mesmos detratores mudaram de lado e, hoje, se identificam com a opinião popular.

Em resumo, a Síria é problema da política norte-americana doméstica. [1] Obama disse, dentre outras coisas, que “pode haver alguns membros do Congresso que dizem que temos de fazer até mais, ou que já me criticaram antes por não ter atacado [o presidente Bashar] Assad, e que agora estão dizendo que vão votar “não”. Vocês têm de perguntar a eles exatamente como eles explicam isso”.

Seja como for, Obama recusou-se a revelar se dará prosseguimento à operação militar contra a Síria, no caso de resposta negativa do Congresso. Prefere mostrar-se como se estivesse em movimento, às vésperas de receber apoio robusto dos Congressistas e preparando-se para falar em rede nacional de televisão ao país na 3ª-feira.

A grande questão é: e o que vem pela frente? O que acontecerá se vier um NÃO do Congresso? É onde duas coisas que Obama disse ganham significado. Uma, o modo suave, quase doce, como referiu-se à conversa com Putin: “uma conversa sincera e construtiva”; e o tom amigável que usou ao falar do presidente russo chama a atenção e foi muito evidente.
Obama deixou de lado todas as flagrantes diferenças de posição entre Rússia e EUA sobre a Síria, e disse que:

(...) nós dois concordamos que o conflito subjacente pode ser resolvido por uma transição política prevista no processe de Genebra I e Genebra II. Assim sendo, precisamos nos mover juntos... ainda é importante trabalharmos juntos para conseguir que as partes em conflito tentem resolvê-lo.

De certo modo, estava também falando a Putin (tanto quanto ao povo dos EUA) todas as vezes que repetiu suas garantias sobre:

(...) ataque limitado, proporcional (...). Nada de Iraque, nada de coturnos em solo; nada de coisa longa, arrastada (...).

Assim também, Obama disse que:

(...) meus militares garantiram que podemos agir hoje, amanhã, daqui a um mês...

É onde Obama ter admitido que ainda mantém a cabeça “aberta” merece atenção cuidadosa. Perguntado diretamente, ao final da conferência de imprensa, se consideraria novas ideias que pudessem “reforçar o sentimento internacional de segurança para a Síria, mas adiassem qualquer ação militar”, Obama respondeu o seguinte:

Estou ouvindo todas as ideias. E algumas delas são construtivas. E estou ouvindo as ideias do Congresso, e estou ouvindo ideias aqui. Mas quero repetir: meu objetivo é manter a norma internacional que baniu armas químicas. Quero que o banimento seja real. Quero que seja sério.

Se houver ferramentas que nós possamos usar para conseguir isso, obviamente minha preferência será, outra vez, agir internacionalmente de modo sério e garantir que o Sr. Assad entenda o recado. Não estou ‘babando’ por ação militar (...) Tenho a bem merecida reputação de encarar muito a sério, muito sobriamente, a ideia do engajamento militar. Claro que olharemos outras ideias. Até aqui, pelo menos, ainda não vi apresentadas ideias que eu ache que, de modo prático, que fariam o serviço...

Mas quero enfatizar que nós continuaremos as consultas com nossos parceiros internacionais. Estou ouvindo o Congresso... E se houver boas ideias que valham a pena perseguir, estarei aberto a elas.

Verdade é que Putin fez valiosíssima, profunda contribuição para a paz mundial e a segurança internacional, quando, com muita habilidade, fez o barco do G-20 navegar para momento decisivo, atraindo a atenção internacional para a Síria, movimento que, ao que parece, forçou Obama a abrir a cabeça a novas ideias que podem atender às preocupações dos EUA sobre os estoques de armas químicas na Síria, sem que, por isso, soltem lá todos os seus cães de guerra.

Putin revelou que ele e Obama “concordamos sobre alguns cenários possíveis que podem resolver pacificamente essa crise” e os dois ministros de relações exteriores “permanecerão em contato no futuro próximo, para discutir essa questão extremamente sensível”.

Claro, não há qualquer garantia de que se possa impedir um ataque militar liderado pelos EUA nos próximos dias ou semanas. De fato, Obama está sob imensas pressões de seus aliados do Golfo Pérsico e da Turquia. Mas o pêndulo pode ter dado sinais de estar começando a oscilar – o que talvez ainda não esteja muito claro e pode ser movimento ainda invisível a olho nu – na direção do diálogo e das negociações.

Se essa dinâmica incipiente ganhar momentum – e a probabilidade de que aconteça não pode ser descartada – então, sem dúvida, essa virá a ser universalmente reconhecida como a melhor hora de Putin, nessa sua contribuição de estadista no cenário mundial.
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Nota dos tradutores
[1] Talvez não seja bem assim. Sobre isso, ver 6/9/2013, Robert Parry, Obama’s Syrian “Doomsday Machine”Consortium News, em: “Ao pôr em marcha um plano provavelmente catastrófico para bombardear a Síria, o presidente Obama criou o que se pode chamar de “uma máquina de apocalipse” que, se não for desarmada por conversações políticas, pode detonar o apocalipse. Obama está apostando que intimidará a oposição saudita e conseguirá neutralizá-la a tempo” (em tradução).

O artigo é interessante. No mínimo, ali se encontram argumentos e raciocínios mais verossímeis que o bobajol da “credibilidade” e os demais, que se leem nos jornais e ouvem-se dos “especialistas” tipo Demétrio Magnolli e William Waack (só rindo!), que só fazem copiar o bobajol da futrica “jornalística” dos jornalões da imprensa-empresa norte-americana.
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[*] MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Irã, Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu,Asia Times Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.

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