9/9/2013, [*] Ray
McGovern, Info. Clearing House e Consortium News
Traduzido
pelo pessoal da Vila
Vudu
Denis McDonough e Barack Obama |
Se
o Chefe de Gabinete da Casa Branca, Denis McDonough, não estivesse trabalhando a
favor de mais uma guerra baseada no que muito parecem ser novas mentiras, seria
o caso de ter pena dele, depois de suas várias aparições na televisão ao longo
de todo o domingo, argumentando a favor de um ataque militar à Síria. O serviço
pouco invejável acabou recaindo sobre McDonough, forçado a substituir as duas
escolhas mais naturais para promover o plano do governo Obama de guerra
“limitada” contra a Síria.
Susan Rice |
Uma
das escolhas óbvias teria sido a Conselheira para Assuntos de Segurança, Susan
Rice, mas sua reputação e confiabilidade ficaram gravemente arranhadas, depois
que ela passou outro domingo, dia 16/9/2012 falando pela TV, e só fez dizer
mentiras sobre o ataque contra a “missão” dos EUA em Benghazi, Líbia.
Um
segundo candidato natural teria sido o Diretor da Inteligência Nacional, James
Clapper, mas esse já admitiu que disse coisas “claramente erradas” em depoimento
sob juramento ao Congresso, sobre a captura de dados telefônicos de cidadãos
norte-americanos.
James Clapper |
Clapper
também ficaria exposto a ter de responder perguntas embaraçosas sobre por que o
documento “Avaliação do Governo dos EUA sobre o Uso de Armas Químicas pelo
Governo da Síria, dia 21/8/2013” [orig. “Government Assessment of the Syrian
Government’s Use of Chemical Weapons on August 21, 2013”] foi distribuído
pela Casa Branca, não pelo Departamento de Inteligência Nacional – o que sugere
fortemente que o documento não tem o aval de toda a comunidade de inteligência
dos EUA.
Comentando
a curiosa origem da “Avaliação”, Gareth Porter diz que o
documento parece ser produto político da Casa Branca, não uma avaliação
profissional produzida por agências de inteligência. E, tentando fazer crer que
o documento teria o imprimatur da comunidade de inteligência dos EUA, a
Casa Branca usou-o para afastar preventivamente qualquer pergunta do Congresso
sobre quem, afinal, de fato, foi realmente responsável pelo incidente químico de
21/8 num subúrbio de Damasco.
Como
Porter escreveu:
Gareth Porter |
Induzir
os membros do Congresso a crer que o documento seria avaliação redigida pela
comunidade de inteligência e que representaria, portanto, quadro confiável do
que os EUA sabem sobre o ataque químico de 21/8, foi elemento crucial, para dar
base ao que o governo Obama dizia a favor de guerra contra a Síria.
Se
você estivesse na Casa Branca, você também não quereria que Clapper tivesse de
responder a qualquer pergunta sobre quantos analistas de inteligência dos EUA
não estão convencidos de que o presidente sírio teria lançado ataque intencional
com armas químicas, nem de que o presidente Bashar al-Assad teria sido
responsável pelo ataque. É claro que não.
A
mídia repete a versão
Candy Crowley |
Diga-se
a favor dele, que o simpático McDonough não perdeu a elegância, enquanto lutava
para fazer o que gente como Candy Crowley da CNN estava ali para ajudá-lo a
fazer. De fato, repetiu o mantra decorado melhor que Sócrates, o sofista, em
pessoa, dedicado a fazer “o pior argumento soar como se fosse o melhor”. Mas o
que disse nada tinha a ver, nem com a lógica, nem com a verdade. Por exemplo,
McDonough declarou que:
Ninguém
discute a inteligência que temos, o que torna claro – e temos plena confiança
nessa informação – que em agosto o regime Assad usou armas químicas contra seu
próprio povo. Um ex-presidente do Irã já sugeriu que acredita nisso. O mundo
inteiro acredita nisso. Estamos conversando com o Congresso sobre isso, nesse
momento. Assim o Congresso (...)
tem uma oportunidade, essa semana, de
responder uma pergunta simples: deve haver alguma consequência contra Assad, por
ter usado aquele material?
François Hollande |
Fácil
detectar a hipérbole na premissa maior (“o mundo inteiro acredita nisso”),
quando todos sabem que o mundo inteiro não acredita nisso. A menos que McDonough
já tenha varrido do mundo real muitos congressistas, milhões de norte-americanos
médios e significativo número de líderes mundiais. Até o presidente François
Hollande, da França, principal parceiro dos planos de guerra dos EUA, quer
esperar para saber o que concluirão os inspetores da ONU.
Mesmo
assim, desde que John Kerry, dia 30/8, pôs-se a fazer propaganda da “Avaliação”,
o governo Obama não faz outra coisa além de exigir que todos aceitem a tal
“avaliação” como se fosse verdade revelada, e passem imediatamente a discutir as
“consequências” contra o mal feito.
De
fato, alguma alma honesta que participou da redação daquele texto, insistiu em
inserir ali uma réstia de dúvida: “Confiamos que nossa avaliação é a afirmação
mais sólida que a Comunidade de Inteligência dos EUA pode ter à guisa de confirmação” (negritos
meus). Esse palavreado é conhecido como “saída de emergência”, expressão usada
por analistas que já prevejam que ainda podem surgir novas evidências que
contradigam a conclusão.
Mas
a humilde escapatória não compromete o objetivo superior da “Avaliação” – varrer
quaisquer dúvidas sobre a precária e insuficiente inteligência reunida, e ao
mesmo tempo manter em segredo todas as supostas provas que haja, impedindo
qualquer exame direto de qualquer prova.
Porém
– surpresa! Surpresa! – essa velha tática mostrou-se muito efetiva com grande
número de jornalistas da imprensa-empresa nos EUA, como se viu na resposta que a
âncora Candy Crowley imediatamente acrescentou ao que McDonough acabava de
dizer: “Porque todo mundo acredita”.
Vamos
com calma! Devagar com o andor!
A
“prova” empírica que McDonough tinha a oferecer no domingo nada era além do que
ele chamou de “senso comum”, “porque” Assad tem de ser responsável pelos
ataques! McDonough disse a Crowley que:
Se
temos provas, acima de qualquer dúvida razoável? Ora! Não estamos num tribunal,
e a inteligência não funciona assim!
É
como se estivéssemos de volta aos dias de Cheney/Bush, de “inteligência baseada
em fé”, quando “a ausência de prova não é prova de ausência”. Antigamente, a
análise de inteligência confiava, primeiro, em dados empíricos. O “senso comum”,
sobretudo quando deformado sob intensas pressões políticas, nunca deu conta do
serviço.
Ali A. Rafsanjani |
Nem
os analistas de inteligência alinham-se e aceitam algum indício como verdadeiro,
só porque muita gente creia que seja verdadeiro – sequer quando alguma opinião
aparece confirmada por “um ex-presidente iraniano”. McDonough referia-se a uma
frase muito controversa, atribuída a Akbar Hashemi
Rafsanjani: pode ter sido a primeira vez na história, que um
representante do governo dos EUA usou, como fonte de informação confiável, sobre
qualquer coisa, palavras de um ex-presidente... do Irã!
Mas
agora, com o governo dos EUA decidido a ir à guerra, já recorrem a qualquer
coisa para “provar” o que dizem, por frágil e movediça que seja a “informação”.
Como
McDonough sabe muito bem, a formidável tarefa do governo Obama nos próximos dias
é convencer membros do Congresso de que têm de aceitar essa “sabedoria
convencional” que o governo está invocando, ou ficarão contra algo em que “todo
mundo acredita”. Mas, dessa vez, “todo mundo” que assistiu aos programas de
entrevistas de TV no domingo à noite já está vendo que, como vão as coisas, o
argumento não funcionará.
O
carnaval de briefings ao Congresso começou dia 31/8, quando o presidente
Barack Obama, que pedira ao Congresso autorização para ataque militar contra a
Síria, percebeu que a operação não estava obtendo a adesão de qualquer maioria
sólida e, de fato, parecia ter sido contraproducente.
Mike Rogers |
O
presidente da Comissão de Inteligência da Câmara de Representantes, Mike Rogers,
R-Michigan, forte apoiador de ação militar contra a Síria, disse que via “muito
claramente” que o presidente perdera apoio durante a última semana (quando os
Congressistas começaram a voltar à capital, muitos deles com a cabeça cheia do
que ouviram diretamente de seus eleitores durante as férias, e congressistas de
todos os partidos, de eleitores que se opõem a mais uma guerra).
Simultaneamente,
o próprio caso contra o presidente Bashar al-Assad da Síria parece estar
rebentando em todas as costuras, como se vê em comentário do presidente da
Comissão de Serviços Armados da Câmara, Buck McKeon, R-Califórnia, e que nunca
promoveu paz alguma, em toda a sua vida:
Eles
ainda não conseguiram ligar [qualquer prova de ter usado agente químico]
diretamente a Assad. É minha opinião.
Justin Amash |
Outro
Republicano, Justin Amash, Michigan, acrescentou:
A
prova não é tão forte como andam dizendo o presidente e o governo. Há coisas
maquiadas nas declarações oficiais (...). Tantos briefings
só fizeram aumentar as minhas dúvidas.
Olhar
incrédulo
Mesmo
alguns Democratas que inicialmente haviam optado por cega devoção ao presidente
– para escapar às chicotadas da Líder da Minoria da Câmara, Nancy Pelosi e seus
aderentes – parecem estar repensando posições.
Nancy Pelosi |
Em
discussão que tive com um congressista “progressista” da Virgínia do Norte, no
sábado à noite, já estava bem claro que ele pode vir a arrepender-se de ter
aceitado beber da fonte da Casa Branca, viesse o que viesse. Recebi olhar
incrédulo, quando disse a ele que a “inteligência”, mais uma vez, estava sendo
“ajeitada para caber na política”.
Verdade
é que, segundo a Associated Press,
muitos funcionários dos EUA declararam que a inteligência que ligaria Assad
diretamente aos ataques de 21/8, “não é uma enterrada” – referência, ao
contrário, ao que disse o então diretor da CIA, George Tenet, em 2002, que a
“inteligência” dos EUA seria “uma enterrada” e provaria convincentemente que,
sim, o Iraque tinha armas de destruição em massa.
Os
que não se deixaram ainda convencer pelo caso construído pelo governo Obama
citam não só a falta de provas que liguem Assad diretamente ao incidente do dia
21/8, mas, também, inúmeras questões ainda não explicadas sobre o próprio
ataque, em si, de armas químicas.
John Kerry |
Confrontado,
em Londres, nessa 2ª-feira, com uma pergunta sobre a responsabilidade pessoal de
Assad, no caso de forças do governo terem lançado aquele ataque, o secretário de
Estado, John Kerry pareceu reconhecer, implicitamente, que não há prova alguma
contra Assad. “O regime Assad é o regime Assad” – ele protestou; e acrescentou
que [Kerry] sabe que informações sobre os resultados do ataque químico foram
passadas “diretamente a Assad”.
A
lógica de Kerry não é lógica: é um buraco. O fato de Assad ter sido informado
sobre o incidente, depois de acontecido, não significa que ele, ou alguma
autoridade militar próxima a ele, tenha ordenado o ataque. Se aconteceu alguma
liberação acidental de agentes químicos, ou se foi ação intencional de
provocação dos “rebeldes” abastecidos pelos sauditas, evidentemente Assad teria
de ser informado sobre o ocorrido.
Outra questão complexa levantada
pela Associated Press, é a revelação
de que a inteligência dos EUA perdeu o rastro de um carregamento de armas
químicas na Síria e já não sabe com segurança quem controla os arsenais
químicos; [1] assim se abre a real possibilidade
de que os “rebeldes” tenham obtido substâncias letais, roubadas dos arsenais do
governo.
Uma
escapatória para Obama
Alan Grayson |
Assim,
ao contrário da certeza de Denis McDonough e Candy Crowley de que “todo mundo
acredita” na acuidade do caso que o governo dos EUA construiu contra o regime de
Assad, há, isso sim, membros do Congresso, cidadãos norte-americanos médios e
muita gente em todo o mundo que não comprou o que o governo Obama anda
oferecendo, como liquidação.
Congressistas,
como o deputado Alan Grayson, D-Flórida, e o presidente da Rússia Vladimir Putin
e o presidente sírio Bashar al-Assad, estão exigindo que a Casa Branca divulgue
qualquer prova aproveitável que associe Assad e seu governo aos ataques químicos
de agosto perto de Damasco.
O
governo Obama tem citado “fontes e métodos” como desculpa para não divulgar suas
provas, mas já várias vezes no passado presidentes dos EUA reconheceram a
necessidade de deixar de lado o sigilo, para explicar ação militar.
Como
disse o veterano analista sênior da CIA, Milton Bearden, há ocasiões em que se
causa mais dano à segurança nacional dos EUA por “proteger” fontes e métodos, do
que por revelá-los. Por exemplo, Bearden lembra que Ronald Reagan divulgou
inteligência sensível, para convencer o mundo sobre a importância de os EUA
atacarem a Líbia, em retaliação contra o atentado, dia 5/4/1986, da discoteca La Belle Disco em Berlin Ocidental, no
qual morreram dois norte-americanos e uma mulher turca, e houve 200 feridos,
entre os quais 79 soldados norte-americanos.
Escombros da LaBelle Disco Club em 5/4/1986/ |
Mensagens
interceptadas entre Trípoli e espiões na Europa não deixavam qualquer dúvida de
que a Líbia era responsável pelo atentado. (...) No ataque norte-americano a
Trípoli e Benghazi, morreu uma menina de 15 meses, filha adotiva de Gaddafi,
além de 15 civis.
Milton Bearden |
Há
trinta anos, ainda havia algum sentimento de vergonha nos EUA pela morte de uma
menina, de fato, ainda um bebê. O horror mundial cresceu contra os ataques
norte-americanos, e Reagan teve de mostrar as mensagens capturadas pelos espiões
em Berlim, que comprovavam que o governo líbio era, sim, responsável pelo
atentado à discoteca (...).
Embora nem todos se tenham seduzido pelo argumento
para justificar retaliação, muitos, sim, acabaram por aceitar que teria havido,
pelo menos, alguma causa para tanta violência.
Hoje,
também, o governo dos EUA enfrenta o ceticismo internacional, que absolutamente
não acredita no que diz o governo Obama sobre a Síria – sobretudo depois da
amarga experiência da invasão do Iraque baseada em inteligência forjada. O
governo Obama pode continuar a fingir que não há ceticismo, mas é evidentemente
um subterfúgio, uma falsidade, que mina ainda mais a credibilidade dos EUA.
Se
há prova conclusiva da cumplicidade de Assad, como o governo Obama diz que há, a
única via respeitável é distribuir a informação real, o que muito ajudaria a
reduzir a preocupação de que os EUA acabem por bombardear o lado errado.
Porém,
se o governo insistir na estratégia em defender a guerra, sem provas, no
Congresso, a Casa Branca só fará alimentar as desconfianças, no Congresso e por
toda a parte, de que as “provas” contra Assad ou não existem ou são fracas
demais.
Jim McGovern |
Se,
por alguma razão, o governo Obama não quiser mostrar suas cartas reais, pode
pelo menos ouvir o conselho que lhe deu o deputado Jim McGovern,
D-Massachusetts, no domingo, pela CNN:
Se
eu fosse presidente, eu retiraria imediatamente o pedido para autorização para a
guerra. Não acho que o Congresso apoiará o presidente. As pessoas veem a guerra
como um último recurso. Não acho que alguém pense que estamos sem alternativas.
Eu... eu retrocederia. Há muitas questões mais importantes para discutir com o
Congresso, domésticas e internacionais.
Nota
dos tradutores
[1]
Funcionários da inteligência dizem que não conhecem a exata localização dos
arsenais de armas químicas; que o Exército Sírio pode tê-las transferido, com a
escalada no tom da retórica dos EUA. Essa falta de informação implica que, no
caso de os EUA atacarem com mísseis Cruiser, podem acidentalmente destruir
depósito de gases letais, provocando, os EUA, um evento químico mortal.
Ø Ao
longo dos últimos seis meses, com as frentes de combate sempre em movimento, e a
rarefeita inteligência que EUA e aliados têm conseguido extrair da Síria,
perderam o controle sobre vários dos arsenais químicos do país – disseram à Associated Press dois funcionários de
inteligência e dois outros membros do governo Obama.
Ø Satélites
norte-americanos capturaram imagens de soldados sírios movimentando caminhões e
removendo materiais em áreas de armazenamento de material militar, mas os
analistas norte-americanos não sabem com certeza o que viram, que podem ser
forças do Exército Sírio em operação para retirar armas químicas de áreas
atacadas por “rebeldes”. (Associated
Press).
______________________________________
[*]
Ray McGovern
nasceu no Bronx em Nova York em
25 agosto de 1939 e cresceu lá. Formou-se com honras Universidade Fordham
e serviu no Exército dos EUA 1962-1964. Foi funcionário federal na área de
inteligência sob sete presidentes por mais de 27 anos, apresentando os informes
matinais para muitos deles. Casado com Rita Kennedy há 50 anos. Juntos, eles têm
cinco filhos e oito netos.
Criticou
publicamente o presidente George W. Bush pelo mau uso dos serviços de
inteligência no período que antecedeu a guerra no Iraque. Em 2003, juntamente com
outros ex-funcionários da CIA, McGovern fundou os Veteran
Intelligence Professionals for Sanity
ou
VIPS.
Organização que se dedica a analisar e criticar o uso da inteligência,
especificamente relacionadas com guerras. Em janeiro de 2006, McGovern começou a falar
em nome do grupo anti-guerra Not
in Our Name. Atualmente escreve para
muitos jornais e sítios como Counterpunch, Consortium News, Strategic Culture, Information Clearing House e
outros.
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