domingo, 8 de setembro de 2013

Os novos “progressistas” conservadores

Lá como cá...

8/9/2013, [*] Patrick Diamond, New Statesman
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

 Angela Merkel reviveu a duvidosa ciência da “economia monetarista”
Com eleições gerais à vista na Alemanha e na Noruega, é visível que a política de centro-direita passa por mudanças dramáticas em grande parte da Europa – e a esquerda ainda tem de andar muito para entender o significado dessas mudanças.

Erna Solberg
Esse chamado “conservadorismo progressista” evita o estilo 1980 da economia neoliberal, mas mostra renovada hostilidade contra o estado centralizado. Mais importante que isso, o “conservadorismo compassivo” abraça abertamente as liberdades sociais da geração pós-68, o que possibilita que os partidos conservadores disputem votos no centro. Tudo isso está pondo partidos de centro-direita, como a União Cristã Democrática [orig. CDU] de Angela Merkel, na Alemanha, e o Partido Conservador Norueguês, de Erna Solberg, a um passo de vitórias eleitorais.

A esquerda ainda não entendeu, ou só entendeu muito mal, essa mudança dramática na estratégia política dos conservadores. O adversário de Merkel, Peer Steinbrück, do Partido Social Democrata [orig. SPD] nada diz, além de repetir que o partido de Merkel “roubou” suas políticas, mas [alô, alô PETISTAS!] ter-se deixado roubar não é boa credencial para fazer-se atraente para os eleitores.

Peer Steinbrück

A tática mais convencional é a esquerda insistir que o centro-direita não passaria de “lobo em pele de cordeiro”, e que adota retórica só aparentemente moderada, para ocultar o objetivo das políticas neoliberais de reduzir o tamanho do Estado e de defender os tradicionais interesses conservadores para os ricos, para a finança e para o establishment. Pode até haver aí um grão de verdade: os Conservadores (especialmente Angela Merkel) adotaram uma forma de austeridade pós-crise que reviveu a duvidosa ciência da “economia monetarista”. Fizeram vastos cortes no gasto público, em nome da consolidação orçamentária, um passo arriscado diante da crescente contração da demanda global e dos sinais fracos de alguma recuperação na Eurozona.

Mesmo assim, os progressistas devem ter muito cuidado ao desqualificar só superficialmente o novo modelo da política de centro direita, como se não passasse de reles individualismo ao estilo do Tatcherismo dos anos 1980.

Depois da vitória histórica do Partido Conservador em 1979, a esquerda britânica não soube ver um dos potenciais consideráveis daquela direita: a capacidade do Tatcherismo para se projetar como se estivesse aliado às grandes mudanças que varriam a economia mundial e aliado também ao reconhecimento popular de um novo acordo entre o trabalho e o capital para conter o relativo declínio econômico da Grã-Bretanha.

Assim, hoje, os partidos de centro-direita estão redescobrindo meios para alcançar votos: estão ativamente atacando os setores centristas e buscando ali seus eleitores. A União Cristã Democrática alemã, de Angela Merkel, há muito tempo quer atrair a esquerda, e governou ao longo do primeiro mandato em coalizão com os sociais-democratas do SPD. A crise financeira reforçou a determinação dos políticos alemães para demarcarem um “modelo alemão”, diferente dos piores excessos do capitalismo anglo-americano e da globalização neoliberal.

A chanceler alemã parece decidida a derrotar seus adversários social-democratas atacando-os pela esquerda. O programa da União Cristã Democrática alemã inclui um salário mínimo federal, ação governamental para atacar o preço crescente dos aluguéis no setor de moradia e legislação a favor do casamento gay. A política de Merkel a favor de resgatar a Grécia e seus frequentes chamamentos à solidariedade europeia foram apoiados pelos progressistas, que não têm nada de melhor a acrescentar à posição de Merkel pró-Europa.

Sten Inge Jorgensen
Assim também, a centro-direita na Noruega (onde haverá eleições na próxima 2ª-feira, 9/9) declara apoio aberto aos sindicatos, e promete não interferir nas leis hoje vigentes para o mercado de trabalho, mantendo a licença para trabalhadores doentes e as leis para o trabalho temporário. Para Sten Inge Jorgensen, jornalista em Morgenbladt, a explicação é clara: “O sucesso do Partido Conservador é resultado de estratégia cuidadosamente planejada, para mostrar-se como partido popular”. Contra essa visível mudança da direita em direção do centro e o novo apelo retórico, os progressistas noruegueses só ofereceram promessas de “governo seguro” e “estabilidade” – o que é pouco e não inspira confiança.

Em toda a Europa, o conservadorismo “progressista” está aparecendo, sob diferentes formas, adaptadas a diferentes tradições políticas, imperativos eleitorais e condições sociais. Mas o argumento ideológico que as unifica é a disposição para distanciar-se do individualismo, marca dominante do pensamento Conservador durante os anos 1980s [no Brasil, é o papo da “ética” moralista udenista, que os petistas abraçaram]; e para combinar aquela disposição e um renovado ceticismo contra o papel do Estado centralizado e contra a eficiência e eficácia do setor público. Essa agenda conservadora ‘progressista’ repousa sobre quatro pilares:

Primeiro, manter a dominância da economia: os conservadores muito lutaram pela bandeira da competência econômica, pintando os progressistas como “negadores do déficit” incapazes de encontrar paliativo para a catástrofe do crash das finanças. Os partidos de centro-esquerda pareceram complacentes na questão da escala das dívidas públicas, pouco interessados a fazer as ‘'escolhas duras'’ entre aumentar impostos e cortar gastos públicos, necessárias para manter algum equilíbrio fiscal sustentável. E o centro-direita conseguiu redefinir a narrativa da crise como se fosse questão de “endividamento público”, não de “falibilidade dos mercados”. Hoje, já nenhum partido no mundo industrializado se manterá, como candidato com possibilidade de chegar ao governo, se não puder apresentar-se como gerente confiável da economia.

Segundo, redefinir o campo “centrista”: os Conservadores “progressistas” combinam ceticismo quanto ao setor público e renovado compromisso com os valores da comunidade e do bem público. Na Noruega e na Alemanha, o centro-direita está conseguindo roubar da esquerda a bandeira da reforma progressista. Já abraçaram o compromisso de incluir os mais pobres e vulneráveis, criando um novo papel para as organizações caritativas, ONGs e todo o terceiro setor [isso é a caaaara escarrada de Marina Silva, a insuportável: ARREEEDE, Marina. Xô!]. Ao mesmo tempo, políticos de centro-direita cuidam atentamente de reformar direitos, como a assistência pública à saúde, aposentadorias e pensões, apelando diretamente aos eleitores que não confiam na seguridade pública.

Terceiro, renovar “valores tradicionais” numa sociedade moderna: outra característica do apelo Conservador é promover as virtudes da “autenticidade”, da moralidade e da família, sem alienar os eleitores jovens, prósperos e educados [isso também é a caaaara escarrada de Marina Silva, a insuportável: ARREEEDE, Marina. Xô!]. Isso significa reforçar modos de vida tradicionais, protegendo simultaneamente as comunidades contra as forças impessoais da modernidade e da mudança social. O centro-direita aprendeu a fazer isso de tal modo que quase sempre evita o conflito social sobre o papel da mulher (como faz Merkel, que oferece bolsa de 100 euros a mães que permaneçam em casa), reconhecendo direitos individuais à não discriminação e tratamento igual às minorias. Os conservadores, assim, conseguiram romper a filiação tradicional aos partidos progressistas.

Konrad Adenauer
Por fim, adotar posição internacional pragmática: Os partidos conservadores em larga medida abandonaram seus instintos nacionalistas e protecionistas, a favor de cooperação internacional seletiva na União Europeia e nas instituições globais. Resultado disso, os partidos conservadores de centro-direita na Europa são hoje mais elegíveis que no passado, tendo já alcançado os grupos de renda baixa e média, porque governam “pela lei” e “com competência”, não por dogma ideológico. Assim conseguiram recuperar-se dos danos que lhe causaram o núcleo duro da tradição conservadora que influenciava partidos de centro-direito na Europa, durante os anos 1950s e 1960s, encarnado na Democracia Cristã de Adenauer, e o conservadorismo da “Uma Nação” de MacMillan e Butler.

Claro que seria erro grave concluir que a agenda dos conservadores “progressistas” teria poucas contradições. A questão da imigração, por exemplo, é um fio da navalha sobre o qual a centro-direita mal se equilibra, cada vez mais forçada a escolher entre seduzir (I) eleitores na “tradicional classe trabalhadora”, que estão abandonando a direita moderada e trocando-a pela extrema direita e (II) eleitores liberais metropolitanos que abraçaram a globalização e o cosmopolitismo. É a escolha que David Cameron terá de fazer: por enquanto, flerta com a política de Lynton Crosby, o que talvez atraia apoiadores do Partido Independente do Reino Unido [orig. UK Independence Party, uma espécie de Tea Party não racista (NTs)], mas expõe-se ao risco de reviver lembranças dos Conservadores britânicos como o “partido sujo”. Seja como for, contudo, a nova política dos conservadores “progressistas” já está impondo grave desafio à política de centro-esquerda.




[*] Patrick Diamond é vice-diretor de Policy Network e co-editor de Progressive Politics after the Crash: Governing from the Left [Política progressista depois do crash: governar pela esquerda]. Filiado ao Partido Trabalhista do Reino Unido e especializado nos temas: “Futuro da Social-Democracia”, “Partidos Europeus de Centro-Esquerda”, “Reforma do Serviço Público”, “Política Social”, “Mutualismo” e “Cooperativas”; é também professor-assistente na Cátedra Gwilym Gibbon no Nuffield CollegeOxford, e professor visitante no Departamento de Política da Universidade de Oxford. Membro eleito do Conselho de Southwark e ex-Chefe de Planejamento de Políticas Públicas em 10 Downing Street além de Conselheiro Sênior do Primeiro Ministro britânico.

4 comentários:

  1. Atualmente tenho comigo que a Alemanha não passa de uma máscara. Um país tido e dito como a 4ª maior economia do mundo e que admite em seu país mais de 200 bases militares estadunidenses perdeu sua soberania faz muito tempo. Perdeu e não consegue achar nem o rumo. O que querem é cada vez mais mão de obra baratinha. Recentemente visitei 3 cidades alemãs. Em Munique por ex., os empregados do hotel eram de Portugal, da Bulgária, da Turquia, da Grécia e por aí vai. Em Berlim eram todos muito jovens e nem todos alemães.

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    1. A Alemanha perdeu a soberania em 1945 com a rendição na 2ª Guerra Mundial, mas o povo alemão, via Plano Marshall recuperou-se economicamente. Nos últimos anos dedicou-se, junto com a França, a subcolonizar o restante da Eurozona. O "mandato de subcolonização" foi estabelecido pelos EUA para vencer a crise de 2008 desde que os "subcolonizados" adotassem a "austeridade" preconizada pela "troika".
      Como informação adicional saiba que os EMPREGOS na Alemenha são quase totalmente precarizados e SEM maiores garantias sociais. Daí tantos jovens, locais e estrangeiros, exercerem funções subalternas...

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    2. O Plano Marshall pode ter ajudado na recuperação, mas paralelamente arranjaram uma dívida enorme. Só com trabalho ninguém fica rico. Isso vale para países tb. E a Alemanha já vinha com uma situação econômica difícil desde a 1 GM.

      Outro detalhe: essa subcolonização na verdade, no caso da França, foi para atender os grandes patrões, que para fugir dos encargos sociais e pagar salários menores, deram início a uma deslocalização das indústrias, para esses países menores.

      O que ocorre em realidade é que está se patrocinando um desmonte total da Europa. Essa tal Comunidade Europeia é a maior falácia. Aje como se fora um país, não democrático porque seus representantes não são eleitos pelo povo, seus estados membros, isto é, os países que a compõem perdem pouco a pouco sua soberania. E essa derrocada europeia também foi devidamente planejada pelos EUA. Os salários na Alemanha são bastante baixos, bem inferiores que os da França, onde ainda os direitos sociais estão sendo mantidos (mas com tentativas de abate).

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    3. Regina,

      Há uma imprecisão grave na sua análise. A partir de 1923 (fim da super desvalorização do marco e a escolha, em 1933, de Hitler como Chanceler) até 1940 a Alemanha tornou-se, embora com algumas deficiências graves, a maior potência econômica, industrial e bélica da Eurásia.

      No pós guerra e SEM o Plano Marshall a Alemanha teria extrema dificuldade em se recuperar...

      Na Europa de hoje houve pouca deslocalização industrial. Muito menos que nos EUA, p. ex..

      O aviltamento dos salários na periferia europeia deu-se mais pela quase unificação (deterioração?) das políticas sociais que por deslocalização.

      A unificação da moeda trouxe também graves prejuízos para os países periféricos (Portugal, Espanha, Itália, Grécia, etc.) que tiveram que se submeter ao controle do BCE e suas políticas de endividamento e controle; abdicaram assim de sua independência econômica.

      O problema não foi a criação da Comunidade Europeia, mas a criação da moeda única, o que só poderia prejudicar os financeiramente mais fracos... e fortalecer ainda mais os mais fortes. É o que está acontecendo.

      Castor

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