Franklin Lamb |
26-28/9/2011, Franklin Lamb, de Trípoli, Counterpunch
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Boatos e mais boatos ricocheteiam como cartuchos nas paredes de concreto essa manhã e, conforme e que cada um prefira acreditar, o Coronel Gaddafi está são e salvo na Argélia; em sua cidade natal, Sirte; em algum ponto do vasto deserto do sul da Líbia; em aposentos escavados no subsolo do complexo onde vivia “Bab al Azzia” (“portal esplêndido”); ou num apartamento na zona sul de Trípoli com os filhos.
No momento, os que sabem não falam, mas a OTAN considera autorizar seus representantes “rebeldes” a oferecer pela cabeça de Gaddafi recompensa equivalente à de um Saddam Hussein, de um Osama bin Laden, na esperança de que alguém o traia.
O porta-voz do regime, o articuladíssimo Musa Ibrahim, reapareceu hoje pela manhã, via telefone, para dizer que a resistência “aos agressores da OTAN, colonialistas e infiéis” está começando, e para dar à OTAN mais uma chance para o cessar-fogo e o diálogo, como tentativa para evitar-se um banho de sangue; ameaçou com uma guerra civil interminável.
Novamente hoje cedo, como todos os dias desde 19/3/2011, a OTAN e sua equipe de prepostos no Conselho Nacional de Transição rejeitaram o oferecimento de cessar-fogo. Na opinião dos jornalistas e diplomatas que permanecem em Trípoli, nem a OTAN nem o Conselho Nacional de Transição jamais aceitarão qualquer proposta de paz e só operam com um único objetivo: encontrar Gaddafi e seus filhos e, de preferência, bem mortos.
O Conselho Nacional de Transição convocou uma conferência de imprensa ontem à noite, mas nada ofereceram. Só fizeram pedir a imediata liberação do dinheiro líbio congelado em bancos do ocidente. E falaram em transferir a sede do governo para Trípoli, tão logo haja condições de segurança que considerem aceitáveis.
Por falar em dinheiro, fala-se muito sobre arquivos do governo líbio (que têm de ser traduzidos do árabe) com os quais trabalhava um pesquisador norte-americano, que estava mapeando os desvios de dinheiro público, ao longo de vários anos, por vários dos hoje líderes ‘rebeldes’ do Conselho Nacional de Transição. Os mesmos arquivos comprovariam também que vários ‘rebeldes’ têm as mãos sujas de sangue líbio.
A África do Sul condicionou seu voto a favor da liberação dos fundos líbios congelados em bancos de países membros da OTAN, à devolução, ao Tesouro da Líbia, do dinheiro comprovadamente desviado.
Quanto ao ex-ministro da Justiça Abdel Jalil, hoje figura central do Conselho Nacional de Transição, está sendo acusado de ter assinado inúmeras sentenças de morte contra opositores do governo ao longo de sua carreira como ministro da Justiça, Jalil teria dito que estava disposto a apresentar-se para julgamento, o que seria excelente exemplo a ser seguido por outros líderes do Conselho Nacional de Transição na Líbia. Jalil, quando ministro da Justiça de Gaddafi (2007-2011), foi indiciado pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU como responsável pela “intransigência” da Corte de Apelação da Líbia, da qual era o principal juiz, e que confirmou a sentença de morte das “enfermeiras búlgaras” no “caso HIV”. Ao ser-lhe requerido que ordenasse investigações sobre mortes ocorridas entre 2007 e 2011 e não investigadas, Abdel Jalil, então ministro da Justiça, recusou-se, argumentando que não tinha competência para mandar investigar abusos cometidos por agentes da Segurança Interna, que teriam “imunidade estatal”.
Em outro desenvolvimento recente, um advogado norte-americano foi procurado por membros da família Gaddafi, para que reunisse uma equipe internacional de advogados, que deveriam estar a postos para o caso de a Corte Internacional expedir mandados de prisão; se isso acontecer, os advogados devem estar preparados para requerer imediatamente que os acusados sejam levados em segurança para Haia. Há grande preocupação entre pessoas que trabalharam no, e apoiaram o governo Gaddafi, de que, se os julgamentos forem realizados na Líbia, resultem em execução sumária, como na “corte canguru” – simulacro de julgamento – que executou Saddam Hussein.
Ouvem-se rumores também, nos últimos dois dias, sobre o destino do Imã libanês xiita Musa Sadr, desaparecido há 33 anos quando visitava a Líbia e participava de uma cerimônia de aniversário, dia 1/9, da Grande Revolução Fatah. Dois indivíduos que dizem ter presenciado, falam do assassinato de Musa Sadr; um deles ofereceu-se para indicar o túmulo onde teria sido enterrado, com dois companheiros, Sheikh Mohammed Yacoub e o jornalista Abbas Badreddine! Amigo de infância de Gaddafi e, durante muito tempo, o ‘número 2’ do governo líbio Abdel Salem Jalloud, segundo um de seus parentes que permanecem em Trípoli, diz que os três foram enterrados no deserto ao sul da Líbia (a inteligência iraniana diz que foram lançados ao mar, em blocos de cimento).
Também há muitos boatos sobre o motivo pelo qual Musa Sadr teria sido assassinado. Um alto funcionário do governo líbio, que representou a Líbia em vários países ao longo de um quarto de século, diz que, quando vier à tona a verdade sobre quem eliminou Musa Sadr – clérigo xiita carismático e extremamente popular entre a população xiita – o mais provável é que apareçam nomes de funcionários do governo do Líbano, do Irã e do Iraque. Todos esses, segundo a mesma fonte, viam como ameaça o prestígio popular de Musa Sadr que, para eles seria “politicamente e religiosamente pouco confiável”. É possível que, dado o interesse que o desaparecimento de Musa Sadr e seus companheiros na viagem à Líbia ainda desperta, e o número de pessoas que, hoje, dizem saber o que aconteceu, alguma verdade sobre o caso venha, afinal, à tona, depois de tanto tempo.
Oficial graduado da Brigada de Trípoli que, segundo ele, foi treinada em março e abril por forças especiais dos EUA nas montanhas a sudoeste de Trípoli, com quem falei hoje pela manhã, disse que algumas das unidades que estavam em Trípoli “queimaram a partida” ao atacar o complexo de Gaddafi em Trípoli, sábado passado. Por isso a Brigada de Trípoli teve de correr para ajudar os que atacaram em Trípoli horas antes de a OTAN autorizar o ataque. Segundo oficial dessa Brigada, a OTAN acredita que Gaddafi os atraiu para Trípoli, onde teria soldados escondidos no sul da cidade, e, agora, prepara-se para sangrar as milícias, com guerrilha urbana. Também se diz que a OTAN acredita – como muita gente, por aqui – que Gaddafi está tentando atrair os ‘rebeldes’ para dentro do território da tribo Warfalla, onde a maioria das 54 subtribos e clãs mantém-se fiéis a Gaddafi.
A tribo Warfalla é a maior da Líbia e teve papel destacado na expulsão dos colonizadores italianos, depois de, no início da luta, ter-se mantido neutra.
Diz-se também que a desorganização e a falta de homogeneidade das milícias “rebeldes” preocupam a OTAN. Os “rebeldes” são milícias praticamente incontroláveis, muitos só se engajaram nos últimos dias, na invasão a algumas áreas – por exemplo, na área do porto, próxima de meu hotel –, e exclusivamente para usar a “adesão” como moeda de barganha política nos próximos dias, em termos de “OK, nós controlamos essa área. O que nos dão em troca dela, politicamente?” A mesma fonte, que tem função de ligação com a OTAN, diz que a OTAN estima que Gaddafi tenha meios para resistir por muitos meses e que, hoje, é irrastreável e inencontrável. A OTAN tenta freneticamente localizá-lo e matá-lo; o Conselho Nacional de Transição diz que quer levá-lo a julgamento.
Enquanto isso, a Embaixada Russa uniu-se à Cruz Vermelha Internacional e ao ministério de Relações Exteriores de Malta aqui em Trípoli e anunciou, há uma hora, que haverá barcos para evacuar os que desejem deixar a Líbia, desde hoje à tarde até amanhã. Como todas as informações que circulam por aqui, são rumores. Mas a violência e os tiroteios continuam bem reais.
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