Mehdi Hasan |
1/8/2011, Mehdi Hasan, The New Statesman, UK
Traduzido pelo coletivo da Vila Vudu
O “acordo” de Obama não é acordo: é capitulação. E havia alternativas.
“Conseguimos 98% do que queríamos” – disse o Republicano John “o lado escuro da força” Boehner, presidente da Câmara de Deputados, sobre o acordo da dívida firmado entre Obama e os Democratas e Republicanos do Congresso.
No resumo feito pela BBC [1], o acordo inclui:
* Cortes de 900 bilhões nos gastos do governo, divididos entre gastos da Defesa e outros gastos;
* Criação de um “supercomitê” bipartidário no Congresso, para recomendar outros 1,5 trilhões de dólares de gastos a serem cortados ao longo de 10 anos, contados a partir de novembro; e
* Cortes em áreas chaves, entre as quais, defesa e educação, a serem implantados automaticamente, se o supercomitê não conseguir construir acordo.
Barack Obama |
É difícil não concordar com Boehner. Obama começou por pedir aumento “limpo” no teto de $14,2 trilhões para o endividamento; depois, passou a pedir que houvesse cortes correspondentes nos impostos e nos gastos. Nada conseguiu. Sequer conseguiu que os doidos do Tea Party aceitassem abolir a isenção de impostos sobre jatos privados! [2]
O déficit no orçamento dos EUA será pago pelos mais pobres. Eis o que se lia na página Hedgefund.net [3]:
“Administradores e gerentes de empresas de hedge e derivativos, como muitos outros no mundo dos investimentos, respiraram aliviados quando o presidente Barack Obama anunciou no domingo à noite, um acordo provisório para elevar o teto do endividamento dos EUA”.
Os defensores de Obama reagiram contra críticas ao presidente, perguntando sem parar “e que alternativa havia?” “Qual seria a SUA alternativa?”
Ora, ora... Para início de conversa, como diria Jack o Estripador, “Eu não teria começado por aí.”
Paul Krugman dá alguns detalhes [4]:
“O presidente, dessa vez, tinha alternativas? Sim.
Primeiro, podia e devia ter exigido o aumento no teto de endividamento em dezembro. Perguntado sobre por que não o fez, respondeu que tinha certeza de que os Republicanos agiriam responsavelmente. Grande ideia!
E mesmo depois, o governo Obama poderia ter recorrido à manobra legal de desconsiderar o teto de endividamento, usando qualquer de várias opções. Em circunstâncias ordinárias, teria sido passo extremo. Mas ante a realidade do que já estava acontecendo, a saber: a declarada chantagem, praticada por um partido que, afinal de contas, só controla a Câmara e não controla o Senado, teria sido perfeitamente justificável.
No mínimo, o presidente Obama poderia recorrer a qualquer de várias manobras legais para fortalecer sua posição. Fez? Não. Desde o início o presidente descartou todas essas possibilidades.”
Como escreveu Robert Reich [5], professor e ex-secretário do Trabalho dos EUA (governo Bill Clinton):
“Mas outra parte da resposta está com o presidente – e sua incapacidade para, ou nenhuma vontade de, usar a tribuna para informar os norte-americanos sobre a verdade e mobilizá-los para fazer o que tem de ser feito.
Barack Obama é dos homens mais eloquentes e mais inteligentes que jamais habitou a Casa Branca, o que torna ainda mais intrigante e frustrante para nós o seu fracasso, ao escolher não contar aos eleitores a história de nossa geração. Muitos dos que votamos nele em 2008 (inclusive eu) fomos seduzidos pelo poder de suas palavras e de sua visão de América – seu discurso na convenção dos Democratas em 2004, sua autobiografia e, depois, seu livro de política, o que disse sobre racismo e outros temas decisivos durante a campanha.
Todos nos entusiasmamos à perspectiva de um presidente educador – um “educador-em-chefe” que usaria a tribuna para explicar o que aconteceu nos EUA nas últimas décadas, para onde temos de andar e por quê.
Mas o homem que ocupa o Salão Oval desde janeiro de 2009 é alguém completamente diferente – é homem que parece navegar sem bússola, não se entende para onde; tático que um dia anda numa direção, dia seguinte volta atrás, um dia para a esquerda, dia seguinte para a direita, fazedor de ‘acertos’ dentro dos círculos do poder, que jamais explica seus compromissos à rua nem, jamais, fala de seus objetivos maiores.
No discurso de posse, Obama alertou que “a nação não prosperará enquanto só favorecer os prósperos”. Privadamente, diz entender que a crescente concentração de renda e riqueza no ponto mais alto da pirâmide roubou da classe média o poder de compra de que precisaria para manter ativa a economia. E que isso distorceu a política norte-americana.
Sabe perfeitamente bem que a Grande Recessão fez desaparecer $7,8 trilhões no valor das moradias, esmagou os ovos no ninho, eliminando a poupança que permitiria que a classe média continuasse a consumir apesar da queda real no valor dos salários. – E que a quebra no consumo é diretamente responsável pela anêmica ‘recuperação’ que se vê.
Mas, em vez de explicar isso ao povo norte-americano, Obama une-se à ala mais reacionária dos Republicanos para oferecer ao povo uma farsa, uma falsa redução do déficit público, e envolve-se numa patética encenação de penas arrepiadas com os Republicanos... deixando crescer o suspense e a angústia nacional, sobre se o teto do endividamento seria ou não aumentado.
Obama sequer se deu o cuidado de explicar aos cidadãos por que a redução do déficit, de repente, se converteu em prioridade econômica de seu governo. Aos cidadãos, só restou concluir que os Republicanos devem ter razão... e que reduzir o déficit poderá (só deus sabe como!) reviver o crescimento da economia e criar empregos.”
E então surge Bill Clinton [6], Bubba em pessoa, hoje cedo, para dizer o que teria feito se ainda estivesse na Casa Branca:
“O ex-presidente Bill Clinton diz que, fosse ele, teria invocado a chamada opção constitucional para elevar o teto do endividamento “sem hesitar; e teria obrigado as cortes a me processarem”, para impedir o calote, no caso de Congresso e Presidente não chegarem a algum acordo antes do prazo final de 2 de agosto”.
Mas Obama fugiu de usar a 14ª Emenda [7]. Talvez, como Reich sugere, porque:
“Obama simplesmente não tem coragem de contar a verdade. Quer ser visto mais como adulto responsável, do que como resistente. Por isso acaba sempre se deixando prender nas situações – a mais recente, o imbróglio do teto de endividamento – às quais teria de responder. E nunca é o líder que modela as situações, desde o primeiro passo.
Obama não consegue mobilizar os EUA, em outras palavras, porque sempre tenta adaptar-se à ideia dominante. Isso não é presidir.”
Referências
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