5/8/2011, Nick Turse, Asia Times Online
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu
Nick Turse é historiador e jornalista, editor associado de TomDispatch.com e novo editor sênior de Alternet.org.
Nesse instante, em algum ponto do planeta, um comando dos EUA está em ação. Repita a frase 70 vezes, e você terá mapeado a atividade dos SEALs [orig.Sea, Air and Land Forces, “Forças de Mar, Ar e Terra”] da Marinha dos EUA, num único dia. Sem que o povo norte-americano saiba, há uma força militar secreta dos EUA em ação num número imenso de países em todo o mundo. Essa nova elite do poder do Pentágono combate guerra global hoje, de cujos objetivo e dimensões a opinião pública norte-americana não tem conhecimento.
Mas, depois que uma equipe da força SEAL da Marinha dos EUA meteu uma bala no peito e outra na testa de Osama bin Laden, ao invadir a casa onde Osama morava no Paquistão, um dos braços clandestinos mais secretos das forças militares dos EUA surgiram, embora rapidamente, à vista da opinião pública. Foi atípico.
Embora se saiba que há forças de Operações Especiais em zonas de guerra no Afeganistão e no Iraque, e que surjam novas evidências a cada dia de que essas unidades operam também em zonas de conflito ainda mais nebulosas, como no Iêmen e na Somália, absolutamente não se conhece a extensão das suas operações em praticamente todo o planeta.
Ano passado, Karen DeYoung e Greg Jaffe do Washington Post noticiaram que havia forças de Operações Especiais dos EUA em ação em 75 países; no governo de George W Bush, eram 60. Ao final de 2011, o coronel Tim Nye, porta-voz do Comando das Operações Especiais dos EUA disse-me em entrevista que esse número já estará próximo de 120. “Viajamos muito, para muitos lugares, além de Afeganistão e Iraque” – disse recentemente o coronel Nye.
Essa presença global – em cerca de 60% das nações do mundo e muito mais vasta do que se sabia – é espantosa nova evidência de que a elite do poder do Pentágono está em guerra clandestina, saibam os países-alvo ou não, em praticamente todos os cantos do mundo.
O aumento do segredo militar dos militares
Nascido depois de um ataque fracassado, em 1980, para resgatar reféns norte-americanos no Irã, no qual morreram oito agentes norte-americanos, o Comando das Operações Especiais dos EUA [orig. US Special Operations Command (SOCOM)] foi criado em 1987. As forças especiais sobreviveram aos anos pós-Vietnã, desprestigiadas pelas forças militares regulares e com orçamento mínino; até que, repentinamente, ganharam sede própria, orçamento estável e um comandante com quatro estrelas.
Desde então, o SOCOM só fez crescer, até converter-se em força mista de proporções gigantescas. O SOCOM reúne unidades especiais de todas as armas: os “Boinas Verdes” [orig. Green Berets] e os Rangers do Exército; os SEALs da Marinha; e outras equipes de Operações Especiais da Marinha e Comandos da Força Aérea, além de tripulações especializadas em helicópteros e barcos, pessoal civil, paraquedistas de resgate e até controladores de tráfego aéreo e meteorologistas para regiões de combate. O SOCOM coordena a maioria das operações secretas e missões especializadas de guerra de todas as forças militares nos EUA.
Essas missões e operações incluem assassinatos predeterminados, ataques a terroristas, reconhecimento de longo alcance, análise de inteligência, treinamento de tropas estrangeiras e operações contra proliferação de armas de destruição em massa.
Um dos principais braços do SOCOM é o Comando Conjunto das Forças Especiais [orig. Joint Special Operations Command (JSOC)], subcomando clandestino cuja principal missão é rastrear e matar pessoas acusadas de terrorismo e de associação com terroristas. O JSOC – que reporta diretamente ao presidente dos EUA e age sob sua autoridade – mantém uma lista global de alvos, entre os quais há cidadãos norte-americanos. Esse comando conduziu uma campanha extra-legal de “matar/capturar”, que John Nagl, antigo conselheiro de contrainsurgência do general de quatro estrelas e recentemente nomeado diretor da CIA David Petraeus, descreve como “máquina de matar terroristas em escala industrial”.
Esse programa de assassinatos predeterminados está sendo implementado por unidades como os SEALs da Marinha e a Delta Force do Exército e também pelos ataques com aviões-robôs pilotados a distância (drones), como parte de guerras clandestinas nas quais também está envolvida a CIA, como na Somália, no Paquistão e no Iêmen. Além disso, o JSOC opera uma rede de prisões secretas, talvez 20 pontos negros, só no Afeganistão, usados para interrogar alvos considerados de alto valor.
O crescimento da indústria
De força com cerca de 37 mil agentes no início dos anos 1990s, o Comando de Operações Especiais, SOCOM, cresceu muito; tem hoje quase 60 mil agentes, um terço dos quais, são membros de carreira do SOCOM; os demais são especialistas de outras áreas ocupacionais militares, que circulam periodicamente pelo Comando.
Depois de 11/9/2001, o crescimento foi exponencial: o orçamento básico do SOCOM quase triplicou, de $2,3 bilhões, para $6,3 bilhões. Se se soma o investimento para as guerras no Iraque e no Afeganistão, em três anos o orçamento mais que quadruplicou e chega hoje a $9,8 bilhões. Não surpreendentemente, o número de agentes ativos no exterior é hoje quatro vezes maior. E estão em estudo novos aumentos, com expansão das operações em curso.
O tenente-general Dennis Hejlik, ex-comandante do Comando de Operações Especiais da Marinha – o último ramo de serviços que foi incorporado aoSOCOM, em 2006 – indicou, por exemplo, que prevê a duplicação da unidade de 2.600 que comandou: “Vejo-os como força de cerca de 5 mil unidades ativas, aproximadamente o número de SEALs que temos no campo de combate. Entre 5 e 6 mil”, disse Hejlik em café da manhã com jornalistas que cobrem a Defesa, em Washington, em junho. Planos de longo prazo exigem que a força seja aumentada imediatamente em mais 1.000 unidades ativas.
Em recente depoimento ao Senado, depois de ter sido indicado para presidir o SOCOM, o vice-almirante William McRaven da Marinha, que acabava de deixar o comando do JSOC (que ainda comandava no ataque que matou bin Laden) defendeu crescimento continuado do contingente ao ritmo de 3-5% ao ano; e pediu mais recursos, inclusive novos aviões-robôs tripulados à distância (drones) e a construção de várias novas instalações para operações especiais.
Ex-agente SEAL que ainda várias vezes acompanha as ações de campo, McRaven disse acreditar que, com a retirada das forças convencionais do Afeganistão, os agentes das forças especiais terão de desempenhar papel mais amplo do que atualmente. O Iraque, disse ele, muito terá a ganhar se agentes das forças especiais dos EUA continuarem ativas lá, mesmo depois de esgotado o prazo final para total retirada, em dezembro de 2011. E garantiu à Comissão das Forças Armadas do Senado que “como ex-comandante do JSOC, posso dizer que também estamos examinando com atenção os casos do Iêmen e da Somália”.
Em discurso à Associação Nacional da Indústria de Defesa, no simpósio anual sobre Operações Especiais e Conflitos de Baixa Intensidade, no início de 2011, o almirante da Marinha Eric Olson, às vésperas de deixar o posto de Comandante do Comando de Operações Especiais, exibiu uma imagem noturna do planeta, feita de fotos feitas por satélites. Antes de 11/9/2001, a parte ‘iluminada’ do planeta – nações industrializadas do norte do globo – era definida como a área chave. “Mas o mundo mudou”, disse o almirante Olson. “Nosso foco estratégico e a ação da comunidade de operações especiais olham hoje sobretudo para o sul (...); temos de lidar com ameaças que vêm de áreas não iluminadas”.
Para essa finalidade, Olson lançou o “Projeto Lawrence” – esforço para ampliar as competências culturais dos agentes – estudos avançados de idiomas e melhor conhecimento da história e costumes locais, com vistas a preparar os agentes para operações em outras terras. O programa recebeu o nome do oficial britânico Thomas Edward Lawrence (“Lawrence da Arábia”), que se aliou a combatentes árabes numa luta de guerrilhas no Oriente Médio, durante a I Guerra Mundial. Falando sobre Afeganistão, Paquistão, Mali e Indonésia, Olson disse que o SOCOM precisa contar agora com “Lawrences de seja onde for”.
Olson falou de apenas 51 países como principais pontos de preocupação para o SOCOM; Nye disse-me em entrevista que, em termos gerais, há forças de Operações Especiais ativas hoje em aproximadamente 70 países em todo o mundo. E todas, apressou-se a esclarecer, a pedido dos respectivos governos locais.
Segundo depoimento que Olson prestou à Comissão de Forças Armadas da Câmara de Deputados no início desse ano, cerca de 85% dos agentes de operações especiais estão ativos em 20 países da área de operação do CENTCOM no Grande Oriente Médio: Afeganistão, Bahrain, Egito, Irã, Iraque, Jordânia, Cazaquistão, Kuwait, Quirguistão, Líbano, Omã, Paquistão, Qatar, Arábia Saudita, Síria, Tadjiquistão, Turcomenistão, Emirados Árabes Unidos. Uzbequistão e Iêmen. Os demais estão distribuídos pelo planeta, da América do Sul ao Sudeste da Ásia, em alguns casos em pequenos números, em outros, com grandes contingentes.
O Comando de Operações Especiais não diz em que países operam seus agentes. “Evidentemente há casos em que não nos interessa divulgar a nossa presença”, diz Nye. Nem todos os países querem divulgar essa colaboração por razões deles, internas ou regionais.”
Mas se é segredo, é segredo mal guardado. Muitos sabem que os agentes ‘de uniformes pretos’ das operações especiais, como os SEALs e a Força Delta, estão engajados em ações de “matar/prender” no Afeganistão, Iraque, Paquistão e Iêmen; e que os agentes ‘de uniformes caquis’, como os Boinas Verdes e os Rangers treinam parceiros locais, como parte da guerra planetária contra a al-Qaeda e outros grupos militantes.
Nas Filipinas, por exemplo, os EUA gastam 50 milhões de dólares por ano com um contingente de 600 agentes de forças das Operações Especiais, SEALs da Marinha, operadores especiais da Força Aérea e outros, que trabalham em operações de contraterrorismo com aliados filipinos, contra grupos insurgentes como Jemaah Islamiyah e Abu Sayyaf.
Ano passado, como mostram análises de documentos do SOCOM, informações divulgadas pelo Pentágono e um banco de dados de missões das Operações Especiais reunido pela jornalista investigativa Tara McKelvey (para a Iniciativa “Jornalismo e Segurança Nacional” da Medill School of Journalism), as principais ações das tropas especiais dos EUA foram exercícios conjuntos no Belize, Brasil, Bulgária, Burkina Faso, Alemanha, Indonésia, Mali, Noruega, Panamá e Polônia.
Até agora, em 2011, missões similares de treinamento foram realizadas na República Dominicana, Jordânia, Romênia, Senegal, Coreia do Sul e Tailândia, dentre outros países. Nye disse-me que, de fato, há ações de treinamento em praticamente todas as nações para as quais se enviam agentes das Forças Especiais. “Dos 120 países que visitaremos até o final do ano, posso dizer que haverá operações de treinamento, de um modo ou de outro. São classificados como exercícios de treinamento.”
A elite do poder do Pentágono
Inicialmente vistas como filhas bastardas do establishment militar, as forças de Operações Especiais cresceram exponencialmente não só em tamanho e orçamento, mas também em poder e influência. Desde 2002, o SOCOM foi autorizado a criar suas próprias Força-tarefas Conjuntas – como a Força-tarefa Filipinas, do JSOC –, prerrogativa que, antes, era privilégio de comandos maiores, como o CENTCOM. Esse ano, sem qualquer alarde, o SOCOM criou também sua própria Força-tarefa de Aquisições, quadro de especialistas em design e aquisição de equipamentos.
Com autonomia sobre orçamento, treinamento e equipamento de suas forças, poderes que antes eram exclusivos de departamentos (como o Departamento do Exército ou o Departamento da Marinha), com dólares ‘carimbados’ em todos os orçamentos do Departamento da Defesa e com defensores influentes no Congresso, o SOCOM é hoje ator excepcionalmente poderoso no Pentágono.
Com esse efetivo poder, pode vencer batalhas burocráticas, comprar tecnologia de ponta e fazer pesquisa reservada no campo das comunicações ou das tecnologias ‘de invisibilidade’, como a dos aviões stealth invisíveis aos radares. Desde 2001, sextuplicou o número de contratos entre o SOCOM e pequenas empresas – produtoras, quase sempre, de equipamento bélico e armas.
O SOCOM tem quartel-general na base aérea de MacDill na Florida, mas opera em teatros de comando espalhados pelo planeta (com bases no Havaí, na Alemanha e na Coreia do Sul); ativo hoje na maioria dos países do planeta, o Comando de Operações Especiais já é força praticamente independente.
Como disse o comandante Olson, pouco antes de deixar o comando do SOCOM no início de 2011, o SOCOM “é um microcosmo do Departamento de Defesa, com forças de terra, mar e ar, presença global e autoridade e responsabilidade correspondentes ao dos Departamentos e Serviços militares e das agências da Defesa”.
Com a tarefa de coordenar todo o planejamento do Pentágono contra as redes globais de terrorismo e, como resultado disso, intimamente conectado a outras agências do governo dos EUA; a militares estrangeiros e a serviços de inteligência, e armado com enorme arsenal de helicópteros ‘invisíveis’, mísseis teleguiados, aviões-robôs (drones) pesadamente armados, barcos de alta velocidade armados e equipados com tecnologia ultrassofisticada, veículos Humvees especializados e veículos camuflados blindados à prova de minas [orig. Mine Resistant Ambush Protected vehicles (MRAPs)]; além de uma parafernália de equipamentos de tecnologias de última geração, com mais inovações já em planejamento e produção, o SOCOM representa algo completamente novo no campo militar.
O falecido especialista em militarismo Chalmers Johnson costumava referir-se à CIA como “o exército privado do presidente”. Hoje, esse papel cabe aoJSOC. Esse Comando Associado de Operações Especiais atua como esquadrão da morte privado do chefe do executivo nos EUA; e seu parente próximo, o Comando de Operações Especiais, SOCOM, funciona como uma elite superarmada do Pentágono – um exército secreto dentro do exército, com poder doméstico e alcance global.
Em 120 países em todo o globo, agentes do Comando de Operações Especiais fazem sua guerra secreta de assassinatos predeterminados pontuais de suspeitos ‘importantes’; ou de assassinatos ‘a granel’ de suspeitos menos ‘importantes’; operações de captura/sequestro; operações noturnas de derrubar portas de casas habitadas e explodir paredes; e missões de treinamento com parceiros ‘locais’ – ações de uma guerra clandestina sobre a qual os cidadãos norte-americanos nada sabem. Forças que já foram consideradas “especiais” por serem pequenas, ágeis e auxiliares no corpo do exército, são hoje “especiais”, pelo extraordinário poder que concentram, pelo acesso sem qualquer restrição a qualquer ponto de qualquer lugar do planeta, pela influência e pela “aura”.
Essa “aura” cresce hoje, por efeito de uma incansável campanha de propaganda e publicidade, que divulga nos EUA e no exterior imagens de agentes sobre-humanos, como se fossem super-heróis, apesar de aqueles agentes, hoje, trabalharem cada vez mais escondidos na clandestinidade, exatamente o contrário do que fazem os heróis de televisão e histórias em quadrinho. Exemplar dessa visão de propaganda com que se querem travestir, foi a frase do almirante Olson: “Estou convencido de que as Forças [Especiais] são os parceiros mais culturalmente bem afinados, os caçadores-matadores mais eficientes, os assessores e instrutores mais empenhados, ágeis, criativos, inovadores, os mais eficientes solucionadores de problemas e guerreiros intrépidos que qualquer nação do mundo pode hoje oferecer”. Dão a impressão de que estão à venda, como numa feira de rua.
Recentemente, no Fórum de Segurança do Instituto Aspen, Olson repetiu esses comentários de propaganda, além de informação falsa, ao dizer que as Forças Especiais dos EUA estariam operando em apenas 65 países e engajadas em combate em apenas dois. Perguntado sobre os ataques com aviões-robôs não tripulados (drones) em território do Paquistão, Olson, segundo os jornais, respondeu: “Vocês estão falando daquelas explosões sem causa conhecida?”
Mas há outras coisas reveladoras, no que disse. Olson observou, por exemplo, que operações “de uniformes pretos”, como a ‘missão bin Laden’, de agentes em helicópteros em ataque noturno, tornaram-se extremamente comuns. “Uma dúzia dessas missões, ou quase isso, acontecem por noite” – disse ele. Talvez ainda mais reveladora seja uma observação que fez sobre o tamanho do SOCOM. Hoje, disse Olson, as forças de Operações Especiais dos EUA têm números equivalentes a todo o exército canadense hoje em serviço ativo. As forças especiais dos EUA são, de fato, maiores que os exércitos regulares de muitas nações nas quais operam hoje. E esses números continuam a aumentar.
Os cidadãos norte-americanos têm de enfrentar o significado de o país manter força “especial” tão gigantesca, tão ativa e tão secreta – o que jamais conseguirão fazer até que haja mais e melhor informação. Não é discussão que se possa esperar que Olson ou seus soldados proponham. “Nosso acesso [aos países estrangeiros] depende de nossa capacidade de não falar sobre o que fazemos” – disse Olson em resposta a perguntas sobre o segredo que cerca o SOCOM. Os soldados secretos reclamam, quando as missões são divulgadas e expostas, como aconteceu no assassinato de bin Laden. E concluiu: os exércitos secretos sempre querem voltar às sombras, “para fazer o que sabem fazer”.
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