20/2/2012, Pepe Escobar (de Hong Kong), Al-Jazeera, Qatar
"Barack and Mitt do the dragon dance"
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Obama se reuniu com o provável próximo lider da China e coversou sobre o Oriente Médio, Direitos Humanos e desvalorização da moeda (dólar) |
Foi até bonitinho, em certo sentido, aquele encontro no
Valentine's Day, na Casa Branca, entre o presidente dos EUA Barack Obama e o
muito provavelmente próximo presidente da China, Xi Jinping.
Alto, simpático, autoconfiante, sempre pronto a sorrir, casado
(2º casamento) com uma estrela pop, Peng Liyuan, cantora do Exército da
Libertação do Povo [1], com uma filha que estuda em Harvard, e fã de
filmes de guerra feitos em Hollywood, Xi dificilmente poderia ser graficamente
mais diferente de Hu Jintao, que está de partida, e sempre parece o próprio
retrato congelado em cera, no museu de Madame Tussaud.
Mas, como diria uma Tina Turner remixed, o que o amor teria
aver com isso [2]? Não muito. Enquanto a imprensa chinesa estampava nas
primeiras páginas que "a águia e o dragão" devem empenhar-se para conquistar
"mútua confiança estratégica", Xi – como alguém que sai para um encontro às
cegas e já logo no aperitivo tem de ouvir reclamações – recebeu lições de Obama
contra a desvalorização do yuan, sobre direitos humanos e sobre o Oriente
Médio.
Em pouco mais de um ano, Xi Jinping será o novo presidente da
China – de fato, o primeiro entre pares no ultrafechado comitê político de nove
membros que comanda a China, em Pequim; quer dizer, comitê do povo, que aprovou
todas as políticas cruciais contidas no mais recente plano quinquenal chinês
vigente a partir de 2011.
Foi estrada longa e ventosa [3] desde que os EUA caíram
de amores pelo Pequeno Timoneiro, Deng Xiaoping, durante sua famosa viagem, em
1979, aos EUA [4]. Ao voltar para Pequim, Deng – inspirado em Cingapura,
mas também pelo que vira naquela viagem – deslanchou com alarido suas reformas,
"atravessar o rio, sentindo as pedras" [5], mas sempre de olho no
objetivo focado com precisão de laser: "Há glória em enriquecer" [6].
Pouco mais de três décadas adiante, os intelectuais do
presidente Mao forçados a viver como camponeses foram substituídos por
plutocratas turbo-capitalistas urbanos. A China é a segunda maior economia e a
fábrica do mundo, superpotência emergente e principal credor dos EUA. E Xi é o
homem com o qual ou Obama ou Mitt Romney – se não for atropelado na estrada,
cortesia de uma legião de direitistas irados – terá de negociar diretamente.
Mas... como?
Aí está o problema – porque as elites de Washington eternamente
obcecadas com a China, estão hoje, de fato e sobretudo, perplexas, ante o
dragão. Washington pede à China tudo e nada – e ninguém jamais entende o que
Washington está disposta a oferecer. É essa a parceria – a "mútua confiança
estratégica" que Pequim está buscando? Ou se trata só de absoluta competição
estratégica, abertamente confrontacional? Conseguirão modelar juntos um mundo
multipolar; ou já vivemos cercados pela névoa densa de uma Nova Guerra Fria?
Barack's blues
Desde o final do ano passado, a secretária de Estado dos EUA
Hillary Clinton anda falando sobre o Século Americano Pacífico. E no início de
janeiro – e no Pentágono, nada mais nada menos – Obama anunciou a nova
estratégia de defesa dos EUA [7], que foi imediatamente descartada pelo
Partido da Guerra, que a declarou "fracasso liderado pela retaguarda".
A nova estratégia de defesa dos EUA foi espertamente concebida
e está cheia de buracos negros. Pode ser facilmente interpretada como primeiro
esboço para uma Nova Guerra Fria que, dessa vez, seria guerreada na Ásia. Pequim
lê a coisa e só vê "cercamento", nada de mútua confiança. Abundam as "projeções
de poder" do Pentágono – do Golfo Persa ao Mar do Sul da China.
Quanto à muito elogiada "deriva" [orig. pivoting], do Oriente
Médio em direção à Ásia, implica de fato escala de longa duração no Sudoeste da
Ásia – no Irã, por exemplo. Os três principais mantras dos EUA para o Oriente
Médio permanecem inalterados: apoio incondicional às monarquias/emirados do
Conselho de Cooperação do Golfo (esqueçam Primaveras Árabes no Golfo); "defesa
da segurança de Israel"; e, sobretudo, "conter" o Irã.
Pode-se, sim, identificar uma "deriva" na ênfase especial
dedicada a impedir que o Irã – e a China – ganhem assimetria no campo da
eletrônica e da cyberguerra, e que desenvolvam mísseis balísticos e cruzadores
top-class e defesas aéreas sofisticadas.
O que o Pentágono chama de "reequilibramento" [orig.
rebalancing] " na direção do Pacífico Asiático – às vezes descrito como
"reposicionamento" [orig. repositioning] – é centrado em manipulação monstro de
emoções complexas, sobretudo na Índia e no Japão, e do outro lado do Mar do Sul
da China, sobre o espetacular crescimento chinês.
A China é descrita como "assertiva" e também como "revanchista"
– e nos dois casos implica ameaça. O cenário está posto para que Washington
apareça como salvadora – posando como potência benigna, de fora, para garantir a
segurança regional.
Em muitas partes da Ásia, dificilmente essa ideia será levada a
sério. Não com a dívida interna dos EUA (que agora já é maior que toda a
economia dos EUA) já acima de $5 trilhões, e aumentando. E não com o Japão, a
Coreia do Sul, Taiwan e os países da Associação de Nações do Sudeste Asiático
[ing. ASEAN] sendo progressivamente integrados à economia da China.
Acima de tudo, Pequim é extremamente flexível: é sua política
oficial criar situações de "ganha-ganha" no comércio e nos negócios por todo o
Pacífico Asiático, como o grupo "10+1" (países membros da ASEAN mais a China) no
Sudeste da Ásia.
Como comentou um grupo de banqueiros expatriados em Hong Kong,
meio de brincadeira meio a sério, a impressão geral que se tem é que os impérios
não decaem e morrem; eles "derivam" de um quintal dominado (o Oriente Médio),
para outro (o leste da Ásia).
A ópera buffa de Mitt
Consideremos agora uma possível presidência de Mitt Romney.
Mitt é amplamente visto como candidato do crème de la crème do 1%; seus
apoiadores megamilionários incluem os executivos de Bain Capital (sua
ex-empresa), banqueiros de Goldman Sachs e magnatas de fundos hedge.
Incluídos em sua equipe de política exterior [8], os
encarregados de construir a política para o Pacífico Asiático, estão Evan
Feigenbaum, um ex-vice secretário de Estado assistente para a Ásia Central e do
Sul, do segundo governo Bush; Aaron Friedberg, ex-vice assistente para assuntos
de segurança nacional e diretor de planejamento de políticas do gabinete de Dick
Cheney; e Kent Lucken, diretor de administração do Citigroup Private Bank em
Boston.
O principal documento da política exterior de Romney leva o
título de An American Century [Um século americano] [9]. À parte o
fato de que repete exatamente a retórica de Obama/Hillary, é uma obra prima do
pensamento neoconservador. Não surpreende que seja: reproduz, quase palavra a
palavra, a agenda dos neoconservadores do defunto Project for the New
American Century (PNAC) – a bíblia daquele grupo de adoradores da guerra que
nos deram a invasão e a ocupação do Iraque.
O principal autor do documento de Romney é ninguém menos que
Eliot Cohen, atualmente professor de estudos estratégicos na Escola de Estudos
Internacionais Avançados [ing. SAIS] na universidade Johns Hopkins – a mais
completa escola de treinamento de neoconservadores.
Cohen, protegido do infame Paul Wolfowitz, é um dos criadores
do PNAC, em 1997. Imediatamente depois do 11/9, sabe-se que introduziu o
conhecido conceito de "IV Guerra Mundial", em que conectava Saddam Hussein ao
11/9 e apresentava o Iraque [10] como "o grande prêmio".
Dick Cheney ajudou-o a conseguir um emprego de conselheiro da
então secretária de Estado Condoleezza Rice em 2007. Confirmando mais uma vez
que Washington é o eterno presente que sempre vem, Cohen é agora um dos
principais conselheiros de Romney.
Fácil de prever que o documento de Cohen – o mapa do caminho da
política exterior de Mitt – é uma orgia do mais puro neoimperialismo. Podem
chamá-lo de Governo Bush III. Pois, para que se tenha uma ideia da loucura que
grassa atualmente entre os Republicanos, aquele documento ainda não parece
suficientemente linha dura, para os adoradores de guerras que pontificam nas
páginas de editoriais do Washington Post e do Wall Street Journal.
Eis um exemplo da pegada média da política exterior de Mitt
Romney. Cohen, o ventríloquo, fez Mitt destacar que "os EUA aplicarão todo o
espectro de poder hard e soft para influenciar os eventos antes de que os
conflitos irrompam" (que soa como música para os adoradores da doutrina de
Dominação de Pleno Espectro do Pentágono).
E, copiando a nova doutrina de Obama para a China: "os EUA
devem manter e expandir a presença naval no Pacífico Ocidental" e devem "fechar
todas as alternativas para que a China expanda sua influência por coerção".
A cereja do bolo, claro, é "um robusto sistema de defesa
nacional, de vários estágios de mísseis balísticos, para deter e prevenir
ataques nucleares contra o território pátrio e contra nossos aliados". Não faz
lembrar "Marte Ataca!" de Tim Burton [11]?
Pelo menos até agora, na campanha, Romney ainda não antagonizou
a China, como fizeram os outros pré-candidatos Republicanos. Mas não há como
duvidar: eleito presidente, Romney imediatamente atacará o Irã – porque Eliot
Cohen disse. Claro que não fala disso a eleitores que nem desconfiam que guerra
contra o Irã é guerra contra a China – com todo o cataclismo de consequências
imprevisíveis incluído.
Na vida real, geopoliticamente, já está emergindo uma versão
remixed do clássico equilíbrio de poderes entre um grupo de nações, num arco de
leste a oeste. O unilateralismo pode estar acabado – mas continua bem vivo e
ativado nas plataformas oficiais de governo de ambos, de Obama e de Romney. Com
Xi Jinping começando a atravessar o rio sentindo as pedras, o que ele menos vê
naquelas águas lodosas é "mútua confiança estratégica".
Notas dos tradutores
[1] Ver 17/1/2012, The Daily Beast,
[2] Foi o segundo single gravado por Tina
Turner, em 1984. Quem queira, pode ouvi-la em:
[3] Orig. "A long and winding road"; é título
e verso de canção de Paul McCartney, dos Beatles, do filme Let it be, de
1970. Pode ser ouvida (com orquestração do filme, como se lê nos comentários com
os previsíveis protestos) em http://www.youtube.com/watch?v=-cUaO1P2mfo
.
[5] Moshe shitou guo He, "atravessar
o rio, sentindo as pedras", é expressão muito repetida entre os chineses. Deng
Xiaoping usou a expressão em outubro de 1984, num fórum de cooperação econômica
entre chineses e representantes estrangeiros. "Quis dizer que, ao levar adiante
as reformas e políticas de "porta aberta", na construção do socialismo com
características chinesas, não havia modelo a seguir, e o povo teria de avançar
passo a passo, analisando cada situação a partir da própria experiência,
positiva e negativa. Mao governara o país a partir de um conjunto de doutrinas,
mas Deng entendia que a prática é o único critério para testar a verdade. Essa é
considerada a mais importante contribuição do governante que foi chamado
"arquiteto geral" das reformas, na China." (HE, Henry Yuhuai, Dictionary of the
political thought of the People’s Republic of China, p. 287, Google Books).
[6] Não foi possível confirmar, de fonte
respeitável, em toda a internet, que Deng Xiaoping algum dia tenha dito essa
frase [NTs].
[7] Em http://www.militarytimes.com/static/projects/pages/defense-department-strategic-guidance-010512.pdf
[11] Sobre o filme, de 1996, ver http://rarosdanet.blogspot.com/2011/01/marte-ataca-tim-burton-legendado.html
.
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