quinta-feira, 26 de abril de 2012

As cotas para negros nas universidades



Publicado em 26/04/2012 por *Urariano Motta

Recife (PE) - Enquanto escrevo, ainda não acabou o julgamento, pelo STF, das cotas para negros na Universidade de Brasília. Às 10 e 15 do Recife numa quinta-feira, o Supremo Tribunal ainda vai se pronunciar sobre uma ação contra as cotas movida pelo DEM, que atende pelo nome de Democratas, e tudo sem ironia. A realidade é que já passou do limite do deboche.

A dar corpo à sua defesa democrática, sem ironia, entendam, o DEM argumenta que o negro sistema transgride, viola diversos preceitos fundamentais fixados pela Constituição de 1988, a saber: a dignidade da pessoa humana, o combate ao preconceito de cor e à discriminação, o que afetaria o próprio combate ao racismo. Mas tudo sem ironia, se conseguem entender. E de tanto usar a observação, a partir de agora usarei apenas TSI, que vem a significar “tudo sem ironia!”. 

Dizem os democratas, TSI, que o sistema de cotas fere o princípio meritocrático. Melhor seria dizer, sem TSI, que o DEM reafirma o meritocrático como um mentirocrático, porque torna absoluto o mérito, o mérito que sempre houve para os de sempre, a saber: tudo para os filhos dos bem postos na sociedade de exclusão, os seus vizinhos, sobrinhos, esposa, mãe, os mais próximos enfim, que, é um diabo, todos têm mérito e são filhos de Deus. Mas indo além da defesa do próprio mérito, defendem os democratas TSI que o sistema ofende dispositivos do direito universal para a educação. Você leram bem: cota-para-os-negros-fere-direito-universal-da-educação. TSI! TSI! TSI! ao infinito.  

Notem que as cotas para negros se confundem com as cotas para estudantes de escolas públicas onde, não por acaso, se encontram os pobres, negros e mestiços do Brasil. E por falar em mérito, um estudo da Universidade de Campinas já demonstrou que os alunos oriundos de escolas estaduais, menos de 30% do corpo discente da Unicamp, possuíam durante o curso médias 5% superiores aos demais - apesar de enfrentarem maiores dificuldades materiais ao longo da permanência na universidade. Mas esse mérito dos que lutam pela educação como uma tábua de sobrevivência, não serve aos Democratas.

Para quem não sabe, as cotas fazem uma compensação às injustiças de renda, família e oportunidades na vida. Nelas, por elas, brasileiros podem entrar em uma universidade, apesar da pobreza, apesar da discriminação geral, apesar dos pais, alguns até inexistentes, mas todos portadores da ignorância e infelicidade recebidos há gerações.

Os novos senhores de engenho do DEM e assemelhados dizem que no Brasil não há negros, pois de tal maneira estamos misturados, que difícil é saber o branco que não tenha uma fração de sangue da senzala. Difícil seria, quando não impossível saber quem é negro. Que queixão, que questão. Ora, todo queimadinho de sol sabe que todos sabem quem é quem, quando lotam as prisões, quando são preteridos para uma chance de vida nos hospitais, quando uma bala perdida sempre vai para a sua pele, ou destino preferencial, digamos, sem TSI.

As cotas são um acordo enquanto no mundo não há justiça. A obra da escravidão é uma longa, angustiosa e interminável história. “Não basta acabar com a escravidão. É preciso destruir sua obra”, dizia Joaquim Nabuco, há dois séculos. E até hoje continuamos no débito. Somos o último país do mundo a terminar a escravidão legal, enquanto discutimos se os negros brasileiros merecem o tratamento de uma discriminação positiva.

Talvez os iluminados da nossa democracia racial não saibam que os nossos jovens de alma branca são sempre os suspeitos, são eles sempre os primeiros a sofrer o vestibular de assassinatos.

Esta é a nossa democracia, que escapa à inteligência do DEM: no Brasil, todo negro é alvo para a polícia.


Em tempo: Leia AGORA: Com 10 votos a 0, STF aprova cotas raciais em universidades

*Urariano Motta é natural de Água Fria, subúrbio da zona norte do Recife. Escritor e jornalista, publicou contos em Movimento, Opinião, Escrita, Ficção e outros periódicos de oposição à ditadura. Atualmente, é colunista do Direto da Redação e colaborador do Observatório da Imprensa. As revistas Carta Capital, Fórum e Continente também já veicularam seus textos. Autor de Soledad no Recife (Boitempo, 2009) sobre a passagem da militante paraguaia Soledad Barret pelo Recife, em 1973, e Os corações futuristas (Recife, Bagaço, 1997).

Enviado por Direto da Redação

Um comentário:

  1. (comentário enviado por e-mail e postado por Castor)

    Muito bem, Urariano. É de esperar-se que, além dos negros, sejam também contempladas outras categorias, de qualquer origem que não as de preponderância europeia, inclusive de estrangeiros residentes no País.

    Abraços do
    ArnaC

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