10/8/2012, Sami Ramadani - The Real News Network,
TRNN
Entrevista traduzida pelo pessoal da Vila Vudu
Sami
Ramadani é conferencista de
Sociologia da London Metropolitan
University
PAUL JAY (Jay), EDITOR CHEFE, TRNN:
Bem-vindos à The
Real News Network. Sou Paul Jay, falando de Baltimore.
Continuamos
aqui nossa série de entrevistas, para entender melhor as forças em disputa na Síria.
Hoje , recebemos Sami Ramadani, professor Livre Docente de
Sociologia da London Metropolitan
University. Ramadani foi refugiado político do regime de Saddam, no Iraque.
Hoje, fala conosco, de Londres. Obrigado por nos receber, Sami.
SAMI
RAMADANI: Você é muito bem-vindo.
JAY:
Os telespectadores que não assistiram às primeiras entrevistas, assistam, porque
aqui prosseguimos na discussão. Por que a Rússia está tão empenhada
em defender a
Síria , mesmo sabendo que defender a Síria implica confrontar-se
diretamente com os EUA?
RAMADANI:
Há várias questões que envolvem a Rússia. Acho que, depois da Líbia, os russos
acordaram para o fato de que só restava a Síria, em todo o mundo árabe, com
ligações importantes com a Rússia. Rússia e Síria têm ligações importantes há
décadas. Os russos armam o exército sírio, no confronto com Israel, há cerca de
50 anos. Têm uma base militar em Tartus: a única base militar russa no
Mediterrâneo. Sim, é uma base pequena, nada que se compare ao que os EUA têm na
região, mas é uma base na qual os navios russos podem, no mínimo, ser
reabastecidos. É uma presença russa importante, no Mediterrâneo.
Além
disso, os russos entendem o jogo regional exatamente como os norte-americanos o
entendem: se a Síria cair, o alvo seguinte será o Irã. E o Irã, obviamente, está
à porta da Rússia, os dois países têm fronteiras comuns; e o Irá é aliado
estratégico muito importante para a Rússia, em termos da geopolítica mundial,
não só regional. Quero dizer: combine Síria e Irã, e é fácil ver que a Rússia
sente-se diretamente ameaçada.
JAY:
Até que ponto a Rússia levará tudo isso? Quero dizer: se os países ocidentais,
particularmente esses dos quais temos falado, Turquia, Arábia Saudita, Qatar,
EUA e alguns europeus pularem nesse barco, quero dizer, se decidirem intervir
mesmo sem resolução da ONU, — e não sei se o farão, mas talvez... — até que
ponto irá a Rússia, no sentido de... continuarão a apoiar a Síria em conflito
armado direto contra o ocidente? E a que isso levará?
RAMADANI: Bem... Sou pessimista. Entendo que
em cinco, dez anos, essa coisa toda pode levar a uma guerra mundial, porque, se
o Irã for atacado nessa conflagração, nada garante que a Rússia, ou, quem sabe,
a China, não intervirão? Infelizmente, Paul, estamos falando de um mundo
extremamente perigoso.
Uma
das razões pelas quais digo isso é que nós estamos também numa crise mundial da
economia capitalista. A economia capitalista mundial, inclusive a economia dos
EUA, está em crise
profunda. E se se estuda a história, sempre aconteceu: crises
econômicas profundas sempre levam a guerra. É tendência quase espontânea. Não
exige longo planejamento, porque o complexo industrial militar é massivo. É
provavelmente o segmento mais importante da economia, e tem considerável peso
político. E se guerra significa que o complexo militar industrial ficará mais
satisfeito, a guerra é inevitável. Sinto que nessa muito perigosa linha de
contato em que se aproximam Síria, Líbano, Irã, Iraque, sempre se fala de um
enorme potencial de conflito.
JAY:
Seu argumento não é só de que a intervenção estrangeira interferirá na natureza
do conflito na Síria e será desastre para o povo sírio, mas também, como você
escreveu num de seus artigos, será um desastre para todo o planeta.
RAMADANI: É exatamente o que penso, por causa
dos problemas regionais circundantes e a situação econômica mundial, e o fato de
que a Rússia está recobrando parte do poder militar que perdeu. A situação
econômica melhorou, na Rússia, nos últimos dez anos. Isso, porque, depois do
colapso da União Soviética, a Rússia passou por período de desestabilização, nos
anos 60s e 70s, muito pobre, economicamente. E já recuperou, pelo menos em
parte, o que perdeu.
A
China, sim avançou muito, economicamente e militarmente. Não acho que estejam em
posição que obrigue esses dois países a aceitar um mundo totalmente monopolar,
com os EUA na posição dominantes, nem, sequer, a OTAN.
Estamos
falando também de outros países emergentes, e eles podem pular no barco com
China e Rússia. Não sei da Índia, que ainda está oscilante. Será que os indianos
se sentirão ameaçados nessa marcha rumo à guerra? Ou jogarão seu peso com a OTAN
e, talvez, ganhem o Paquistão, como recompensa, e o fim da disputa pela
Cachemira? Todos esses problemas são interconectados.
JAY:
Por isso mesmo, eu disse, na entrevista anterior, que as coisas estão
semelhantes, em vários sentidos, ao mundo de antes da Ia. Guerra Mundial, embora,
se se considera a depressão, já parecem mais, também, com o período
imediatamente antes da IIa. Guerra Mundial. Mas, seja como for, é situação
extremamente perigosa. Voltemos à Síria. Prossiga, por favor.
RAMADANI: Só há mais um ponto a acrescentar,
Paul. Uma das razões pelas quais a Rússia está-se tornando cada dia mais
intransigente na questão da Síria, também como já escrevi, ao analisar a
oposição síria, é a oposição democrática, cada vez mais intimamente ligada à
Arábia Saudita e aos EUA. Se esses laços não fossem tão estreitos, a Rússia não
teria de envolver-se tão profundamente, porque a Rússia não é aliada diretamente
de Assad. A Rússia tem interesses na Síria, ou, pode-se dizer, numa Síria que
não seja aliada absoluta dos EUA e da Arábia Saudita. A Rússia pode tolerar uma
mudança de regime, mas não pode tolerar mudança de regime que resulte na tomada
do poder por grupos armados por sauditas, qataris, turcos e norte-americanos.
JAY:
OK. Nesse caso, como se sai disso tudo? Sei que nada do que se diga nessa
entrevista mudará o mundo. Mas em termos do destino do que você chama de forças
mais democráticas dentro da Síria... O que querem esses grupos? O que querem
hoje? E o que é possível?
RAMADANI: Pelo que tenho lido deles, todos
estão deprimidos. Mas não mudaram de linha. E que outra linha haveria para eles?
Afinal, estão oferecendo respostas às demandas do povo sírio. Querem democracia.
Querem melhores condições de vida. Mas, de fato, também já estão dizendo:
Calma... Se esse conflito armado continuar, a própria Síria estará sendo
ameaçada, a sociedade síria não resistirá a esse tipo de ataque, teremos aqui
situação semelhante à do Iraque, talvez ainda pior. De fato... que mais poderiam
dizer?
JAY:
É, é o que também tenho ouvido dos sírios com quem converso, amigos – e são
pessoas que não, de modo algum, foram ou são favoráveis à intervenção: são
pessoas que não são favoráveis ao ocidente, desse modo. O que querem é uma Síria
independente, país soberano. São simpáticos ao que você chamou de oposição
democrática. São contra a militarização da oposição. Mas dizem que a única
saída, agora, é que a família Assad deixe o governo – pelo menos, o próprio
Assad. Que essa seria condição indispensável para iniciar negociações, porque
enquanto Assad permanecer no poder, prosseguirá a militarização do regime e das
disputas. Dizem também... As forças pró-militarização talvez não pensem assim,
mas a sociedade síria tem meios para fazer valer sua ideia de que, agora, a luta
tem de parar. Depois de Assad deixar o governo, mais ou menos como aconteceu no
Egito... Não pode haver mubarakismo
sem Mubarak. De qualquer modo, a situação não é semelhante à no Egito. Que lhe
parece? Você acha que os sírios melhor fariam se exigissem simultaneamente o fim
da intervenção e o fim do governo de Assad?
RAMADANI: Minha opinião... Bem... O caso é
que eu não acho que o problema seja Assad. Assad é um símbolo. O que está
acontecendo é que, porque a oposição armada deseja o fim do governo de Assad, o
povo e as elites em torno do regime não deixarão que Assad deixe o governo,
mesmo que decida renunciar. O que quero dizer é que... Aquela elite síria e boa
parte do povo sírio já sabe que a atual oposição armada não é a legítima
oposição síria. Se fosse, seria possível negociar. Seria possível negociar com
qualquer tipo de oposição democrática. Se houvesse oposição democrática, seria
possível, até, negociar a partida de Assad.
JAY:
Tenho conversado com jornalistas que estiveram lá, e, sim, viram apenas uma
mínima parte do que está acontecendo, mas falaram com membros da oposição,
inclusive com grupos envolvidos na luta armada, e dizem que muitos combatentes
não são islamistas hardcore e que não é só o Exército Sírio Livre
associado aos sauditas, que há muitos combatentes, locais, de lá mesmo, que
lutam legitimamente pelo fim da ditadura de Assad. Não se pode dizer que não
sejam legitimamente sírios.
RAMADANI: Não, não. Você tem toda a razão.
Não se discute. Falei da principal força militar, do pessoal que está recebendo
os rifles com visão noturna e mira telescópica, do pessoal da OTAN, dos grupos
que estão recebendo foguetes antitanques.
JAY:
E há boatos hoje de que estão recebendo agora mísseis equivalentes aos Stingers. Parece que receberam 20, 30
mísseis capazes de derrubar helicópteros.
RAMADANI: Perfeitamente. Foi exatamente o que
os EUA fizeram no Afeganistão, com os mujahideen contra as forças
soviéticas, se você lembrar.
JAY:
Porque é importante distinguir, porque nem todos os combatentes envolvidos na
luta armada são essa gente de que você fala aqui.
RAMADANI: Minha opinião é que os que estão na
ofensiva são, principalmente, os que recebem apoio de fora. Mas há combatentes
que defendem sua família, e que estão em posição mais defensiva. E há as forças
democráticas na Síria, cuja literatura andei lendo. Eles referem-se a esse
‘outro povo’. Eles falam muito dessas pessoas. Dizem que conhecem os que andam
armados, e que estão armados para proteger as respectivas casas e vizinhança, ou
a própria família. Esses, absolutamente, não empreendem ofensivas; não
desencadeiam operações repentinas em Damasco ou Aleppo. É
preciso demarcar esse tipo de diferença.
Essas
forças, que estarão na ofensiva, tentando ocupar vizinhanças e cidades.
Conseguiram ocupar Aleppo, porque está a poucas milhas da fronteira turca –
muito próxima, e controlam as linhas de suprimento que vêm da Turquia. Criarão
ali uma situação semelhante à que criaram em Benghazi na Líbia , de modo
que o armamento mais pesado possa entrar na Síria e estejam armados para iniciar
guerra frontal em
território sírio. Mas essa agenda é agenda estrangeira.Não é
agenda do povo sírio.
JAY:
De fato, se houver intervenção armada, a força de intervenção mais provável será
turca? Não vejo outra. Quero dizer, sim, os americanos, mas é difícil que, em
ano eleitoral, Obama inicie mais uma guerra ali. Quero dizer... Talvez alguma
coisa aérea. Mas, se a guerra acontecer no solo, terão de ser os turcos? Talvez
os sauditas?
RAMADANI: Os turcos, sim, sem dúvida. Mas
isso não significa que seja o exército turco. Há ali muitos árabes que falam
turco. E há sírios que vivem na Turquia, há sauditas, qataris, líbios, os quais,
por falar deles, chegaram às centenas à Turquia e já se infiltraram na Síria.
Hoje, combatentes de todo o planeta estão sendo convocados para luta guerra
jihad na Síria. Há também mercenários, como escreveu o conhecido
jornalista egípcio Mohamed Hassanein Heikal, contratados pela empresa Blackwater. São 6 mil mercenários
treinados nos Emirados, que falam árabe e que já entraram na Síria. Estamos, de
fato, falando de ampla e complexa campanha de desestabilização.
Acho
que os EUA estão em situação semelhante à do Iraque: se não conseguirem
controlar a situação, melhor que o país seja destruído. Sei que é terrível dizer
isso. Mas foi ideia de um político dos EUA, terrível, que sugeriu que, se você
não consegue obter o controle, melhor que o local seja destruído. Horrível que
seja, é o que acontecerá na Síria. Se não conseguirem impor lá um governo que
agrade a eles, destruirão completamente a sociedade síria. É solução que também
se encaixa bem na agenda israelense.
JAY:
Seja como for, o que você acha que a sociedade internacional, gente de fora,
deveria exigir agora?
RAMADANI: A primeira demanda teria de ser o
fim dos combates. Que o regime sírio retire os soldados. A oposição armada teria
de parar de lutar, abrir espaço para um cessar-fogo. Mas o movimento teria de
vir também da Arábia Saudita, Qatar e Turquia e EUA, que não querem o fim dos
combates.
JAY:
Tenho de concordar que o único modo de acontecer o fim dos combates seria se
sauditas, qataris, turcos e norte-americanos cortassem o fluxo de armas que
continuam a entrar na Síria. Mas nada, absolutamente nada, sugere que lhes
interesse essa via de ação. Estão operando na direção absolutamente oposta a
essa.
RAMADANI: Sim. Acho que se não cortarem o
fluxo de armas e dinheiro, e se não acertarem algum legítimo cessar-fogo, haverá
terrível guerra civil na Síria. E não só as minorias sofrerão – 40% da população
da Síria é constituída de grupos étnicos e religiosos minoritários.
JAY:
Mas meus amigos sírios querem o contrário disso, querem maior pressão
internacional para por fim ao governo de Assad e para que se crie espaço para
negociações.
RAMADANI: Entendo que a posição de Assad
ficará muito, muito precária, se a oposição armada depuser armas. Não haverá
mais qualquer explicação para a permanência de Assad no poder. E as elites na
Síria dirão... Ei! Aqui há uma janela! A oposição armada parou porque sauditas,
qataris, turcos e norte-americanos cortaram o suprimento de armas; então,
podemos retirar nossos tanques. E é hora de nos livrarmos de Assad.
Essa
coisa é dinâmica e a dinâmica nesse momento é que a agenda externa não está
dizendo apenas “derrubem Assad”; está dizendo também, além de “derrubem Assad”,
que “aceitem um regime pró EUA, pró sauditas, em Damasco”. Se essa agenda não for
alterada, o regime de Assad lutará até o último homem e as elites locais lutarão
com ele e por ele. Nem as minorias farão oposição a Assad.
JAY:
Entendido. Muito obrigado pela entrevista, Sami.
RAMADANI: Você é sempre
bem-vindo.
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