16/9/2012, Página12, Argentina (entrevista
concedida a Luciano Monteagudo)
Traduzida pelo pessoal da Vila Vudu
Angela Davis (2012) |
40
anos depois das graves acusações que a levara a ser julgada e presa nos EUA, em
processo eminentemente político que teve grande repercussão internacional,
Angela Davis analisa nesta entrevista aquela etapa difícil de sua vida. Ao
referir-se à atual situação dos negros nos EUA, Angela diz que “as coisas são
piores, hoje, com um negro na Casa Branca”.
“Acho
que meus princípios não mudaram em todos esses anos. Nem meu compromisso
político.” É o que diz Angela Davis, uma das mais famosas ativistas políticas
dos anos 1960 e 1970, figura icônica, não só pelo discurso fortemente
revolucionário e pela destacada militância nos “Panteras Negras”, mas também
pelo penteado “afro” que fez moda em todo o planeta entre as mulheres negras e
brancas.
Hoje, com 68 anos, intelectual e
professora universitária, formada na Universidade de Frankfurt onde estudou sob
orientação de Herbert Marcuse, Angela Davis chegou ao Festival Internacional de
Cinema de Toronto [Toronto International
Film Festival], para apoiar o lançamento do documentário Free Angela
& All Political Prisoners [Liberdade para Angela & Todos os
Prisioneiros Políticos]. [1]
Dirigida por Shola Lynch, o filme
narra os padecimentos de Davis há 42 anos, quando foi envolvida pelo FBI no
sequestro e morte do juiz Harold Haley, do condado de Marin, na
Califórnia
[2].
Angela acabou por ser absolvida, apesar da pressão que fez contra ela o
governador da California, Ronald Reagan, o qual, em 1969, conseguira expulsá-la
da Universidade da California (UCLA) pela declarada militância de Davis no
Partido Comunista.
Foragida da Justiça, na qual
evidentemente não confiava, Angela Davis chegou a integrar, aos 24 anos, a lista
dos 10 foragidos mais procurados do FBI, até afinal ser localizada e presa, em
outubro de 1970. Cresceu então uma campanha internacional por sua libertação,
que contou com a solidariedade até de John Lennon e Yoko Ono, que compuseram a
canção “Angela” para seu LP Some Time in New York City (1972 [3]), e
dos Rolling Stones, que gravaram um single, “Sweet Black Angel”, incluído em seguida
no álbum Exile on Main Street (1972 [4]).
Angela Davis(1970) |
“Nunca
procurei esse grau de exposição pública e foi muito difícil de aceitar, naquela
época” – lembra Miss Davis em entrevista exclusiva ao jornal Página/12, numa
suíte do Soho Metrotel de Toronto. “Minha aproximação original foi estritamente
política, e nem nos meus sonhos mais loucos pensei que seria empurrada nessa
direção. Mas, ao mesmo tempo, fui consciente de que era algo com que teria de
aprender a conviver. Portanto, decidi tratar de usar aquilo tudo, nem tanto em
meu nome, mas em nome de tanta gente que não tinha voz naquele momento”.
Página/12: A senhora refere-se a seus companheiros de
militância nos Panteras Negras?
Angela
Davis: Exatamente.
Porque a campanha nacional pela minha libertação começou sob a bandeira de
“Libertem Angela Davis”, mas decidi que teria de ser “Libertem Angela Davis e
todos os presos políticos” – a frase que Shola Lynch escolheu para título do seu
documentário.
P/12: No
filme, a senhora diz que a tripla pena de morte que os promotores pediram, no
seu caso, não se dirigia pessoalmente à senhora, mas a toda a construção que a
senhora encarnava. Pode falar um pouco mais sobre isso?
Angela
Davis: Logo
percebi que todo aquela fúria contra mim excedia minha pessoa e a minha situação
pessoal. Em primeiro lugar, porque não conseguiriam me executar três vezes
[5].
Percebi também do que se tratava ali. Estavam decididos a matar um inimigo
imaginário que estava sendo construído. E eu era a encarnação perfeita do
inimigo que eles começavam a construir: negra, mulher e comunista. Quando o FBI
começou a me perseguir, aproveitaram prender centenas de mulheres negras e
jovens como eu. Aproveitaram a situação para tentar espalhar o medo em toda a
comunidade negra nos EUA.
P/12: Desde então, o que mudou?
Angela
Davis: Acho
que muitas coisas mudaram. E penso que mudaram, em grande medida, por causa da
luta que fizemos. Quando cheguei à universidade, eram raríssimas as negras em
cursos superiores nos EUA. Hoje, são milhões, embora ainda haja enorme
desproporção entre negros e brancos nos cursos superiores. Hoje o que me
angustia muito é que, naquele tempo, quando lutávamos pela libertação de todos
os presos políticos em especial e contra a instituição carcerária em geral,
surpreendeu-nos muito a quantidade de gente presa nos EUA. Mas hoje, esse número
é muitas vezes maior. Hoje, em meu país, há 2,5 milhões de pessoas encarceradas.
Um, de cada 37 adultos vive no sistema penitenciário. É porcentagem altíssima.
Os EUA somos o país de maior população encarcerada no mundo.
P/12: E a que a senhora atribui isso?
Angela
Davis: Há a
miséria, sem dúvida. A maioria dos homens negros jovens nos EUA estão hoje
desempregados. Há aí o problema político, mas há também o racismo. É verdade que
os livros escolares já não manifestam abertamente o racismo, como antes, e que
já não há segregação racial oficial, mas em muitos sentidos a situação é hoje
pior que antes, há meio século.
P/12: Apesar do presidente afroamericano, Barack
Obama?
Angela
Davis: Sim, é
triste dizer, mas as coisas são piores com um presidente afroamericano na Casa
Branca. Essa é a ironia. Porque há meio século era impensável que um negro
chegasse, algum dia à presidência dos EUA. Hoje, é possível. Mas também é
preciso dizer que ninguém, na Casa Branca, hoje, está preocupado com o fato de
que há um milhão de negros nas prisões norte-americanas. E isso tem relação
direta com o desmantelamento completo do sistema de bem-estar social e com a
desindustrialização pela qual os EUA estão passando, e a consequente perda de
postos de trabalho. Antes, a população negra tinha onde trabalhar, na indústria
siderúrgica, na indústria automobilística, em tantas outras indústrias que já
deixaram os EUA e mudaram-se para outros países onde a mão de obra é muito mais
barata. Eu nasci e fui criada em Birmingham, Alabama , e
ali a indústria siderúrgica era a principal fonte de trabalho. Ainda é, mas com
muito menos postos de trabalho que antes. E se se soma a isso a falta de
assistência social, a falta de educação, a falta de sistema eficiente de
assistência pública à saúde, as prisões viram uma espécie de solução ao avesso,
para todos os problemas sociais que não recebem qualquer atenção política.
P/12: Já que falamos de prisões... Por que, na
sua avaliação, Obama não cumpriu a promessa de fechar a prisão de
Guantánamo?
Angela
Davis:
Deveria tê-la fechado no primeiro momento. Deveria ter sido seu primeiro ato
oficial. Em vários sentidos, a chamada “guerra ao terrorismo” atropelou Obama.
Mas também é verdade que a principal razão pela qual Obama não fechou Guantánamo
foi que não saímos às ruas para exigir que fechasse. Em várias instâncias, os
eleitores que elegeram Obama não se mantiveram mobilizados e em alerta. Teria
sido preciso criar um movimento para fechar Guantánamo, um movimento que
pressionasse, até Guantánamo ser fechada. Também para criar melhor sistema de
saúde pública, de educação etc. São coisas que ainda temos de fazer.
P/12: Para as próximas eleições?
Angela
Davis: Claro.
Já. Imediatamente. Temos de sair e ocupar os espaços, construir para nós uma
dimensão do que é necessário e possível fazer.
Notas
dos tradutores
[1] Assista trailer a seguir:
[2] Dia 7/8/1970, militantes dos “Soledad brothers”, grupo
militante muito ativo na luta pela reforma da legislação carcerária nos EUA,
tentou uma fuga durante uma sessão do tribunal que os julgava. A ação resultou
na morte do Juiz Harold Haley, de um jurado, de um advogado de acusação e de
três negros. As investigações logo revelaram que as armas usadas na tentativa de
fuga haviam sido compradas por Davis, e, para piorar, encontraram-se cartas de
amor que ela teria enviado a George Jackson, um dos envolvidos na tentativa de
fuga. Davis fugiu antes de ser presa [Com informações de: “TIFF
Review: ‘Free Angela & All Political Prisoners’ A Fascinating Chronicle Of
Justice & Strength”].
[3]
Pode ser ouvido a seguir:
[4]
Pode ser ouvido a seguir:
[5] Angela Davis foi acusada de
prática de conspiração, assassinato e sequestro; nas três acusações a promotoria
pediu a pena de morte [Com informações de: “TIFF
Review: ‘Free Angela & All Political Prisoners’ A Fascinating Chronicle Of
Justice & Strength”].
(comentário enviado por e-mail e postado por Castor)
ResponderExcluirUm Obama, filho de pai e mãe muçulmanos, na presidência...Se deve muito à Angela Davis e ao movimento das Panteras Negras e seus heróis e heroínas, em fins dos anos-60 e ao longo de quase toda a década seguinte.
Abraços do
ArnaC