quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Esclarecedor WIKItelegrama assinado pelo (então) vice-embaixador Chris Stevens em 2/5/2008, Trípoli


(em inglês em: WikiLeaks Cablegate o8TRIPOLI374)
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

OBS. Esse telegrama também foi publicado no jornal britânico The Telegraph, dia 31/1/2011

____________________

TELEGRAMA
08TRIPOLI374
Assunto
O Conselho de Segurança Nacional da Líbia (orig. NSC) consulta EUA sobre colaboração nuclear civil & compra de equipamento militar letal [1]
Origem
Embaixada dos EUA em Trípoli (Líbia)
Hora do tel.
8/5/2008, 14h TUC [ing. UTC] [2]
Classificação
SECRETO/VEDADO A ESTRANGEIROS (S/VE)
Fonte
Tels. Citados
Ref A: 08TRIPOLI340, Ref B: 08TRIPOLI372
Citado em
_________________


[outros detalhes do cabeçalho aqui omitidos]

(S/VE)  Resumo: Alto funcionário do Conselho de Segurança Nacional da Líbia perguntou o que pensa o Governo dos EUA [orig.USG] sobre a possibilidade de cooperação nuclear civil EUA-Líbia e vendas de equipamento militar letal à Líbia. Construir um reator nuclear para usos pacíficos, principalmente como gerador de energia e para dessalinização de água, é prioridade chave do Governo da Líbia [orig. Governo da Líbia] e a Líbia prefere que uma empresa dos EUA ou o Governo dos EUA forneçam orientação técnica e/ou assumam os esforços de construção. O funcionário destacou que o Governo da Líbia está ansioso para resolver fatores políticos bilaterais irritantes consideráveis (acusações relacionadas a terrorismo em tribunais dos EUA e a “Lei Lautenberg” [orig. Lautenberg Amendment  [3]], antes do fim do mandato do atual governo dos EUA  [4], para assegurar maior cooperação e mais atividade comercial dos EUA na Líbia. Não se sabe com certeza se a consulta ao Governo dos EUA sobre cooperação nuclear civil e venda de equipamento militar letal ao Governo da Líbia foi plenamente coordenada com outros elementos do Governo da Líbia. Atenção ao parágrafo 8, em que essa embaixada solicita orientação. FIM DO RESUMO.

GOVERNO DA LÍBIA QUER REATOR NUCLEAR PARA FINALIDADES CIVIS

2. (S/VE)  Em reunião com o vice-embaixador [STEVENS [5]] dia 7/5, XXX, da unidade de Relações Exteriores e Cooperação Internacional no Conselho de Segurança Nacional da Líbia [orig. Foreign Liaison and International Cooperation at Líbia’s National Security Council (NSC)], perguntou o que pensa o Governo dos EUA sobre a possibilidade de cooperação civil nuclear entre EUA e Líbia. XXX  disse que construir um reator nuclear para usos pacíficos, para aumentar a geração de energia e para dessalinização de água é prioridade do Governo da Líbia. Segundo XXX , o Governo da Líbia prefere fortemente que empresas dos EUA, de comum acordo com o Governo dos EUA, forneçam orientação técnica e/ou assumam a construção. Se empresas dos EUA e/ou o Governo dos EUA não estiverem interessados diretamente nesse projeto, o Governo da Líbia deseja obter garantias de que o Governo dos EUA aprovará que a Líbia abra concorrência internacional para outros países, para a construção de um reator civil.

AFIRMAM QUE A COOPERAÇÃO NUCLEAR COM EUA NÃO CONTRADIZ ESFORÇOS PARALELOS COM FRANÇA E RÚSSIA

3. (S/VE) O vice-embaixador [orig. CDA] observou que há notícias na imprensa de que o Governo da Líbia já assinou acordos de cooperação nuclear civil com a França, quando da visita do presidente Sarkozy a Trípoli, em julho de 2007, e com a Rússia, durante visita do presidente Putin em abril. (Atenção: Como já informamos [ref A], por insistência do Governo da Líbia e Rússia assinaram um memorando de entendimento em que se comprometem a finalizar um acordo formal de cooperação nuclear para usos civis, até o final de 2008. O Governo da Líbia esperava firmar o acordo formal durante a visita de Putin, mas nada estava oficialmente redigido antes da visita, e a Rússia recusou-se a assinar qualquer documento sem mais consultas. Contatos russos disseram que o acordo formal – se tivesse sido assinado – só estabeleceria um quadro geral para cooperação futura e não visaria/não visa a qualquer projeto específico. Fim da nota.) XXX garantiu que a cooperação nuclear civil EUA-Líbia complementaria, não contrariaria, esforços paralelos de França e Líbia. Concedeu que não está plenamente informada sobre as aspirações nucleares da Líbia; não sabe quantos reatores o Governo da Líbia prevê construir. Mas reiterou que a dessalinização é objetivo primário.

PEDE A POSIÇÃO DO GOVERNO DOS EUA SOBRE VENDA DE EQUIPAMENTO MILITAR LETAL

4. (S/VE) Na sequência, XXX levantou a possibilidade de vendas de equipamentos militares letais pelos EUA. Observando que a questão já havia sido levantada durante a visita do secretário-assistente do setor Oriente Próximo [orig. Near Eastern Affairs, NEA, órgão do Departamento de Estado] David Welch em agosto de 2007, XXX destacou que “o tempo é curto”, do ponto de vista do Governo da Líbia. A Líbia entendeu que ainda há questões bilaterais difíceis, como os graves processos relacionados a terrorismo em tribunais dos EUA, e sabe que construir confiança exigiu tempo; mas, se “houver outras questões políticas” que impeçam que os EUA vendam equipamento militar letal para a Líbia, o Governo da Líbia preferiria saber agora, para seguir outras opções.

O GOVERNO DA LÍBIA ESTÁ ANSIOSO PARA RESOLVER IMPORTANTES QUESTÕES POLÍTICAS, ANTES DO FINAL DO ANO

5. (S/VE) Traçando uma linha de separação entre preocupações sobre potencial nuclear e cooperação militar, de um lado, e, de outro, qualquer esforço para chegar a acordo amplo nos processos relacionados a terrorismo nos tribunais dos EUA, XXX destacou a importância de resolver questões políticas antes do fim do mandato do atual governo dos EUA, para facilitar maior cooperação bilateral. Reiterando pontos que já ouvimos antes, XXX  observou que empresas europeias e outras estão pesadamente envolvidas na Líbia; o Governo da Líbia gostaria de ver mais empresas dos EUA ativas aqui. A Seção 1.083 da Lei de Defesa Nacional de 2008 (a chamada “Lei Lautenberg”) complicou muito o ambiente de negócios para empresas dos EUA na Líbia, que enfrentam hoje risco potencial de encampação.

Manifestando preocupação com o risco de o próximo governo dos EUA ter posições e ideias diferente4s sobre o reengajamento com a Líbia, XXX  reafirmou a necessidade de pressa nos esforços para resolver os processos em curso nos EUA e isentar empresas líbias e norte-americanas de qualquer aplicação da Lei Lautenberg. XXX solicitou que o vice-chefe da Missão expressasse sua opinião sobre o Grupo Livingston [6], organização lobbyista contratada para promover a reputação da Líbia em Washington; e consultou sobre o status das negociações propostas nos principais processos.

6. (S/VE) No campo da cooperação, XXX propôs continuar e ampliar a troca de visitantes de renome, ao mesmo tempo em que prosseguem os esforços para resolver as dificuldades da Lei Lautenberg. Enfatizando nosso acordo com essa abordagem, o Vice-chefe da Missão [orig. CDA] comentou as dificuldades que a embaixada encontrara na tentativa de trazer visitantes dos EUA para programas educacionais e culturais, referindo-se a comentários feitos por funcionários do Ministério de Relações Exteriores, que declararam essas visitas pouco recomendáveis porque as relações entre EUA e Líbia não estavam “plenamente normalizadas” (ref B).

Expressando surpresa, XXX concordou com informar o Conselheiro de Segurança Nacional, Muatassim al-Gaddafi, para ver se o Conselho de Segurança Nacional pode ajudar a aliviar essas dificuldades.

7. (S/VE) COMENTÁRIO: Embora XXX estivesse claramente em missão para seu patrão, Muatassim al-Gaddafi, do Conselho de Segurança Nacional, chamou-nos a atenção que a consulta sobre ideias do Governo dos EUA sobre cooperação nuclear civil e venda de equipamentos militares letais não tivesse sido mais plenamente coordenada com outros elementos do Governo da Líbia (os equivalentes do Ministério da Defesa e de Relações Exteriores, por exemplo) que normalmente são ouvidos sobre essas questões. Desconfiamos que Muatassim possa estar querendo explorar os parâmetros de áreas que possa forçar mais para uma cooperação bilateral expandida. A consulta, mesmo assim, comprova que há expectativa em alguns setores do Governo da Líbia de que a cooperação bilateral se expandirá muito rapidamente – inclusive em áreas sensíveis – se se puder chegar a um acordo amplo para os vários casos de processos relacionados a terrorismo nos tribunais dos EUA e a Lei Lautenberg. Se se tem em mente o desapontamento do Governo da Líbia, que esperava que o engajamento fosse aprofundado imediatamente depois de sua decisão, em dezembro de 2003, de renunciar ao terrorismo e desistir das Armas de Destruição em Massa, nós teremos de controlar as expectativas líbias atuais e coordenar cuidadosamente nossa resposta a pedidos de expansão e cooperação em áreas sensíveis. Fim do comentário.

8. (S/VE) PEDIDO DE ORIENTAÇÃO: Solicitamos orientação sobre se e como essa embaixada deve responder a consultas sobre ideias do Governo dos EUA sobre possível cooperação nuclear civil e vendas de equipamentos militares letais. FIM. [assina] STEVENS.



Notas dos tradutores

[1]  Orig. Libya's NSC Solicits U.S. Views On Civilian Nuclear Cooperation & Lethal Military Equipment Sales.
[3] Domestic Violence Offender Gun Ban é a lei que, na origem, proíbe que pessoas condenadas por prática de violência doméstica recebam porte de arma. Foi aprovada em 1996; é conhecida como “emenda (ou lei) Lautenberg”, por ter sido encaminhada e defendida pelo senador Frank Lautenberg (D-NJ) e sempre enfrentou furiosa resistência das empresas produtoras de armas em geral e de suas organizações. Adiante, a mesma lei foi usada para tentar impedir qualquer venda de armas a condenados por terrorismo (que é o que se considera nessa referência, nesse telegrama.
[4]  Em maio de 2008, o presidente era Bush; Secretária de Estado, Condoleeza Rice. Obama tomou posse dia 20/1/2009.
[5]  Stevens foi vice-embaixador dos EUA em Trípoli, de 2007 a 2009. Obama nomeou-o embaixador, dia 23/1/2009.
[6]  Orig. Livingston Group

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.