3/12/2012, Paul R.
Pillar*, Consortium
News
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Mohamed Mursi |
O
palco parece preparado, no Egito para mais um surto de tensão política e muito
drama nos próximos dias, depois que o presidente Mohamed Mursi definiu a data de
15/12/2012 para um referendo sobre a nova Constituição que acaba de ser
redigida.
O
resultado do referendo será, sem dúvida, visto como teste de força entre a
Fraternidade Muçulmana de Mursi e a oposição secular, deva ou não ser assim
definida.
O
documento será visto como obra da Fraternidade, uma vez que os cristãos e os
liberais secularistas boicotaram a Assembleia Constituinte, e Mursi reclama
poderes especiais para impedir que o Judiciário boicote o trabalho da
Constituinte, na qual a Fraternidade tem maioria de votos [obtidos em eleições].
A
pressa com que se concluiu a minuta da Constituição e com que agora está sendo
posta em votação dá a muitos egípcios a impressão de que algo estaria sendo
atropelado no processo. O recente pronunciamento de Mursi, que a muitos lembrou
os pronunciamentos de Mubarak, com referências a ameaças de “conspirações”,
pouco ajudou a desanuviar a atmosfera.
A
minuta de texto constitucional, redigida às pressas, tem algo para desagradar
cada grupo que hoje se confronta aos demais no Egito, mas a democracia egípcia
não corre risco de vida ou morte dependente, exclusivamente, do resultado do
referendo. Nem o equilíbrio do poder entre islamistas ou secularistas depende só
disso.
A
oposição a Mursi bem faria se suspendesse a resistência e deixasse andar o
processo, até o país ter, novamente vigente, alguma Constituição.
Em
certo sentido, essa via de ação esvaziaria o movimento autoritário de Mursi: os
poderes que reclamou para si, à custa do Judiciário, deixariam de existir; e o
presidente, na vigência da nova Constituição, terá menos poderes que os que
Mursi invocou para si em tempos de nenhuma Constituição. E, como o próprio Mursi
já disse, a Constituição sempre poderá ser emendada.
Os
secularistas talvez se consolem, ao ver que os salafistas estão tão
insatisfeitos com a Constituição que já anunciaram boicote ao referendo. Os
salafistas reclamam de que o documento investe o povo – não Deus – de soberania
plena.
O
Egito carece desesperadamente de algum tipo de estrutura constitucional, para
que se possam travar novos debates sobre os rumos do país, e para que haja
debates ordeiros, não como parte de um jogo cujas regras tenham de ser definidas
já com a disputa em andamento.
Sistemas
representativos têm de começar com algum tipo de regra, que tem de ser criada
por alguém que, necessariamente, age sem qualquer autoridade previamente
reconhecida; o que não podem é perpetuar-se sem qualquer legitimidade
reconhecida.
É
claro que Mursi não pode virar-se contra qualquer autoridade amplamente
reconhecida e exigir para si o poder de baixar o decreto que baixou há alguns
dias, mas os demais atores, no jogo político egípcio, tampouco tem melhor base
legal para fazerem o que estão fazendo.
Qualquer
funcionário dos EUA ou outros norte-americanos que se apresentem como
conselheiros dos egípcios durante esse interessante momento político bem poderão
lembrar a experiência dos EUA, no momento de estabelecer uma primeira ordem
constitucional, quando a nação engatinhava. Os homens que redigiram a
Constituição dos EUA com certeza exorbitaram a autoridade que tinham quando, em
vez de apenas emendar os “Articles of
Confederation”, criaram documento completamente novo e original e decidiram
que aquele documento seria vigente, apesar de não ter recebido a aprovação
unânime de todos os estados.
Nem
todos os estados participaram da redação daquela Constituição. Rhode Island nem enviou representante;
os delegados de New Hampshire
chegaram atrasados; a maioria dos delegados do estado de New York partiram antes do fim da
reunião; e vários dos que ficaram até a conclusão dos trabalhos recusaram-se a
assinar o documento ali produzido. Persistiu por bom tempo uma oposição
significativa ao documento, e o clamor por emendas foi forte o bastante, a ponto
de a missão de redigir as dez primeiras emendas ter sido a primeira tarefa do
primeiro Congresso.
A lição a extrair disso é que o
sucesso de uma Constituição e o respeito que venha a merecer é função de hábitos
políticos e de atitudes que se desenvolvem com o tempo – e absolutamente nada
têm a ver com a base legal sobre a qual a Constituição tenha sido inicialmente
redigida; nem dependem de quem estava no poder ou de quem se deu ou não se deu
por plenamente satisfeito com a Constituição, quando a leu pela primeira
vez
__________________________
Paul R. Pillar*, com experiência de 28 anos na Agência Central de
Inteligência (CIA), passou a ser um dos seus principais analistas. Atualmente também é
professor visitante na Georgetown
University para estudos de segurança. (Este artigo apareceu pela primeira vez
como um post de blog no
site The National Interest na
Internet. Aqui reproduzido com a permissão do
autor).
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