6/1/2013, Teatro da Ópera, Damasco, Sana,
Síria [excerto]
Excerto escolhido e traduzido pelo
pessoal da Vila
Vudu
O presidente Bashar al-Assad, no
domingo 6/1/2013, fez um discurso na Opera House em Damasco em que ele
enfocou os mais recentes acontecimentos na Síria, no Oriente Médio e nos países
do Norte da África, onde propôs soluções para a crise, a qual afeta todo o mundo
árabe / muçulmano.
Senhor primeiro-ministro, senhores ministros,
Chefes,
membros do comando e representantes de organizações populares e sindicatos
Irmãs e
irmãos,
(...)
A Síria sempre foi, e continuará a ser, país livre e soberano, que não aceitará
submissão e tutela. Por isso, a Síria tem sido um estorvo para o ocidente; e por
isso o ocidente busca tirar vantagens de eventos internos para tentar
desencaminhar a Síria, extraí-la da equação política regional, livrar-se de um
problema, atacar o coração de nossa cultura de resistência e converter os sírios
em seus
subordinados. Mas o ocidente não é a comunidade internacional.
Há países – Rússia, China, Brasil, Índia, África do Sul, os países BRICS, e
muitos outros – que não aceitarão imiscuir-se nos assuntos internos de outros
países e desestabilizar toda a região, porque se manterão fiéis aos seus
princípios e interesses, e respeitam o direito que todos os povos têm de viver
em liberdade e determinar o próprio destino. Agradeço a esses países, em nome
dos sírios, mais diretamente à Rússia, China e Irã, e a todos os que permanecem
na defesa do direito dos sírios de traçarem o próprio destino.
À
luz desses princípios, não se pode falar de solução, se não se consideram todos
os fatores, no plano interno, regional e internacional. Medida alguma que não
considere esses fatores será jamais solução para problema algum e não terá
impacto real.
Comecemos
pelo front interno: se alguns tenderam a ver a desavença inicial como
discordância entre situação e oposição, essa desavença, em mundo civilizado,
deve visar a construir a pátria, não a destruí-la; deve visar ao desenvolvimento
da Síria, não a empurrar nosso país para décadas atrás. Quando parte do povo se
associa a potências estrangeiras, o conflito passa a ser entre a Síria, nós
mesmos, e aquelas potências; entre o inimigo e a independência nacional e nossa
hegemonia sobre nós mesmos; entre a Síria continuar a ser nação livre, ou
converter-se em terra politicamente ocupada. Nesse caso, a questão se transforma
e converte-se em luta de autodefesa, de defesa da pátria, como vemos hoje,
quando os sírios se unem contra os agressores externos, que se servem de algumas
ferramentas que encontram aqui mesmo.
(...)
Há quem diga, assistindo a tudo por que a Síria está passando, que não haveria
aqui com quem alguém pudesse dialogar. É erro.
Sempre
estaremos abertos, de mãos estendidas para o diálogo. Dialogaremos com todos que
não concordem conosco no campo político e com quem tenha posições diferentes das
nossas, desde que suas posições não visem a agredir os princípios nacionais
sírios básicos.
Dialogaremos
com indivíduos e partidos que não vendam a Síria a estrangeiros e com todos que
deponham armas. Seremos parceiros reais e honestos de todos os sírios que lutem
pelos interesses, pela segurança e pela estabilidade da Síria.
Adstritos
a nossos firmes propósitos e princípios, dentre os quais e acima de todos a
soberania do Estado sírio e a firme independência de sua posição; baseados nos
princípios e metas estabelecidos na Carta das Nações Unidas e nas leis
internacionais que garantem a soberania, a independência e a integridade
territorial dos países; e o direito de não sofrerem interferência em seus
assuntos internos; apoiados na nossa firme convicção de que é necessário que
todo o povo sírio seja convocado para um diálogo nacional amplo, que restaure a
atmosfera de segurança e estabilidade, a solução política que encaminharemos na
Síria é a seguinte:
Estágio
1:
1.1: Todos os países
envolvidos, da região e de fora dela, comprometem-se a suspender todas as ações
de financiamento, armamento, acobertamento e promoção de indivíduos e gangues
armadas. Decorrência disso, se espera que todos os elementos armados encerrem as
operações terroristas – o que permitirá que todos os sírios forçados ao
deslocamento possam voltar em segurança aos seus locais de residência.
Imediatamente
depois, as Forças Armadas da Síria suspenderão as operações militares; mas
preservam o direito de responder, no caso de a Síria, de cidadãos sírios ou de
prédios e instalações públicas ou privadas sírias serem atacados.
1.2:
Será construído um
mecanismo que assegure o cumprimento do decidido no item acima, sobretudo para
que se mantenha efetivo controle nas fronteiras.
1.3:
O
atual governo da Síria iniciará imediatamente o processo intensivo de fazer
contato com todos os ramos em todo o espectro político da sociedade síria, com
todos os partidos e corpos, para construir e construir a discussão nacional,
abrindo o caminho para uma conferência-diálogo nacional, na qual se reúnam todas
as forças que buscam uma solução na Síria, seja dentro, seja fora do país.
Estágio
2:
2.1: O atual governo
sírio convocará uma conferência nacional ampla, para que o país formule um pacto
de defesa da soberania, da unidade e integridade territorial da Síria, o qual,
simultaneamente, rejeitará qualquer interferência em nossos negócios e
descartará o terrorismo e a violência, em todas as suas modalidades e formatos.
O
governo convoca todos os partidos e grupos, em todo o espectro da sociedade,
para definir os critérios para aquela conferência, a ser realizada adiante.
Quanto
ao pacto a ser firmado na conferência nacional, ali se traçará o futuro político
da Síria. O pacto proporá os traços gerais do sistema constitucional e judicial,
e as características políticas e econômicas; o pacto incluirá também o acordo
sobre nova legislação partidária, sobre eleições, sobre a administração pública
e outros detalhes.
2.2: O pacto será
submetido a referendo.
2.3: Formar-se-á um
governo expandido no qual estarão representados todos os componentes da
sociedade síria, que terá a tarefa de implementar as provisões do pacto
nacional.
2.4: A nova
constituição será submetida a referendo e, depois de aprovada, o governo
expandido adotará as leis discutidas e aprovadas na conferência nacional,
inclusive a legislação que regerão as eleições. Depois disso, se realizarão
eleições parlamentares.
Deve-se
acrescentar a palavra ‘se’ em tudo que se relacione à nova constituição e novas
leis, porque são detalhes que dependem de acordo a ser construído no
diálogo-conferência; esse acordo será tornado público pelo governo sírio, tão
logo esteja construído e tenha obtido o acordo de todos.
Estágio
3:
3.1: Constituir-se-á um
novo governo, nos termos da nova Constituição que, então, já estará aprovada e
vigente.
3.2: Organizar-se-á uma
conferência geral para reconciliação nacional e para que sejam anistiados todos
os presos durante os eventos dos meses recentes; todos os direitos civis de
todos serão preservados.
3.3: Trabalhar-se-á
para a reabilitação e reconstrução da infraestrutura, compensando-se todos os
afetados pelos eventos.
Quanto
à anistia, os direitos civis dos reclamantes serão preservados, considerada a
evidência de que o Estado pode considerar a possibilidade de abrir mão de
direitos seus, mas não pode dispor igualmente dos direitos de todos os
reclamantes.
Creio
firmemente que, quando tivermos chegado a esse momento desse estágio, a anistia
será assegurada não só pelo Estado, mas também por outros que tenham direitos.
Atingiremos assim praticamente a reconciliação nacional, quando todos perdoarão
todos.
Esses
traços centrais da solução política como a apresentamos são títulos, que
precisam ainda ser detalhados. O governo encarregar-se-á de dar encaminhamento
ao processo, detalhar e expandir esses itens, preparando o caminho para que, nos
próximos dias, apresentemos iniciativa já planejada, que seguirá os passos e
itens gerais acima listados.
Cuidemos
de deixar tudo bem claro e em contexto próprio, porque vivemos tempos de
falsificações e interpretações viciosas. Não se trata aqui de como o governo vê
o futuro imediato, nem de nossa exclusiva interpretação. Hoje, não se trata de o
governo interpretar ou interpretar erradamente os eventos, nem de interpretá-los
em sentido contrário ao que realmente significam. Cuidemos, pois de esclarecer
completamente as ideias e termos que usamos, pondo-os em seus respectivos
contextos.
Em primeiro
lugar, no que tenha a
ver com o que aqui apresentamos, haverá quem se preocupe e veja, nesse esquema,
um retrocesso em termos de segurança. Asseguro que no que tenha a ver com
combater o terrorismo, nada nos deterá e não pararemos de lutar, enquanto
houver, na Síria, um único terrorista. O que começamos a fazer, continuaremos a
fazer. Façamos o que fizermos nessa iniciativa, nada jamais significará que
tenhamos negligenciado combate contra o terrorismo. Ao contrário, quanto mais
avançarmos no combate ao terrorismo, mais possibilidade de sucesso terá o plano
que aqui expusemos.
Em segundo
lugar, o que aqui
apresentamos – chamemos de “iniciativa”, ou “visão” ou de “nossas ideias”,
dirige-se a todos os que desejem dialogar e a todos que desejam dar solução
política, na Síria, em futuro próximo.
O
que aqui apresentamos não se dirige aos que não querem diálogo. Sabemos, todos
aqui sabem muito bem, que hoje ouviremos muitas vozes de rejeição; vocês também
sabem quem são e de onde vêm. A esses nos dirigimos agora, antecipadamente: por
que tanto se empenham em rejeitar uma ideia, uma iniciativa ou uma proposta que
não se dirige prioritariamente a vocês? Não percam tempo com rejeições!
Em terceiro
lugar, qualquer
iniciativa, venha de onde vier, partido, figura ou país, deve considerar a visão
síria. Isso significa que nenhuma iniciativa substituirá a visão local, que
temos hoje, de uma via para solucionar a crise síria.
Dito
em termos mais claros: novas ideias e sugestões podem-se acrescentar ao que aqui
fica posto, se ajudarem a fazer o que os sírios farão; mas nenhuma iniciativa
substituirá o que aqui fica posto. Tendo, como fez, apresentado o plano do que
será feito na Síria, o governo sírio não considerará quaisquer outras ideias ou
iniciativas que, vindas do exterior, não contribuam para o mesmo objetivo e não
se baseiem diretamente no que aqui fica exposto nem venham para facilitar a
execução do que aqui fica exposto. Mais uma vez: que ninguém perca tempo, seu ou
de outros, para inventar iniciativas que nos desviem da trilha e do contexto que
definimos.
Ao
mesmo tempo, para que possamos avaliar as iniciativas que venham de fora, para
determinar se ajudam ou prejudicam a Síria, indico aqui dois eixos: o eixo do
trabalho político e o eixo do contraterrorismo.
No
primeiro eixo, os sírios não precisamos de ajuda alguma e somos perfeitamente
capazes de conduzir um processo político integrado. Quem deseje ajudar a Síria,
de modo honesto, limpo e objetivo, que se dedique a conter efetivamente a
entrada na Síria, de pistoleiros, armas e dinheiro para pagar mercenários. Essa
é a mensagem para todos que vivam no exterior e que desejem ajudar a Síria.
Não
precisamos de ninguém que apareça por aqui pretendendo nos ensinar como se
conduz um processo político. País com história de milhares de anos sabe
perfeitamente como conduzir ao sucesso os próprios negócios.
Em quarto
lugar, apoiar
iniciativas estrangeiras que nos pareçam úteis não significa, não, de modo
algum, que aceitemos a respectiva interpretação dos fatos, se diferir do modo
como os sírios vemos as coisas. Nenhuma interpretação de qualquer iniciativa
pode ser dada por aceita, se não for orientada para o objetivo de servir melhor
aos interesses dos sírios.
Nesse
quadro, falo especificamente sobre a Iniciativa de Genebra, que a Síria apoiou,
mas incluiu um artigo capcioso e ambíguo, sobre um dito “estágio de transição”.
É
claro que esse artigo não foi explicado, nem jamais seria explicado com clareza,
por uma simples razão: porque, se se fala em “estágio de transição”, é preciso
declarar o que estará ‘em transição, de onde para onde; ou do quê, para o quê.
Talvez se trate da ‘transição’ de país livre e independente, para país sob
ocupação? Ou de “transição” de país que tem Estado organizado, para país sem
Estado e estado de caos total? Ou tratar-se-á de “transição” de uma Síria com
instrumentos para tomar decisões independentes, para país que delegaria todos
seus instrumentos a forças estrangeiras? Nossos inimigos e opositores querem ver
tudo isso, simultaneamente.
A
nós só interessam iniciativas que promovam transição clara, da instabilidade
para a estabilidade. Sem esse esclarecimento, nenhuma ‘transição’ vaga será
jamais aceitável. Em circunstâncias sem crise, transição óbvia sempre seria, de
estado, para estado aprimorado. É parte do processo de desenvolvimento. Em
estado de direito, não há “transição” se não for feita pelas regras, pelas vias
e para os objetivos definidos pela Constituição: exatamente o que, a partir de
agora, estaremos fazendo na Síria.
Do
ponto de vista da Síria, entramos agora em “estágio de transição”. Mas é
transição comandada pelos sírios, por desejo dos sírios.
Em quinto
lugar, qualquer
iniciativa que venhamos a aceitar, terá sido aceita porque se baseava no
princípio da soberania e da decisão popular. De fato, as iniciativas que nos
foram apresentadas e que examinamos já partem desse ponto e não se afastam dele.
Daqui em diante, tudo quando se decida, dentro ou fora da Síria, terá de ser
decisão decidida pelo povo sírio e só será vigente se aprovada pelo povo sírio.
Nem
o pacto nacional que venha a ser firmado na conferência do diálogo nacional será
considerado vigente, antes de aprovado em referendo. Significa que talvez
tenhamos de ter referendo popular sobre várias questões, sobretudo nas difíceis
condições em que vivemos hoje.
Temos
dito a todos com quem nos reunimos, que qualquer ideia, qualquer proposta,
qualquer visão que nos chegue, de fora da Síria ou de dentro da Síria, terá de
passar por referendo; não terá de passar pelo presidente, pelo governo, pelo
diálogo, nada disso.
Assim
se obtém uma espécie de garantia de que só se tomarão medidas que realmente
manifestem o consenso popular e o interesse nacional. Se se compreendem bem
claramente essas palavras simples, todos os que venham para a Síria e todos que
saiam daqui, saibam que a Síria aceita conselhos, assessoramento e ajuda; mas
não aceita ordens. Aceitamos ajuda; mas não aceitamos tirania.
Baseados
nisso, o que quer que tenham ouvido dizer ou ouviram no passado sobre ideias,
opiniões, iniciativas, declarações, que lhes cheguem pela imprensa ocidental ou
de funcionários, nada tem a ver com a Síria, nem nos diz respeito. Se tiver algo
a ver com “primavera”, nada tem ou jamais terá a ver com a Síria. São bolhas de
sabão, como a própria “primavera”, que também é uma bolha de sabão que logo
sumirá no ar.
Qualquer
interpretação sobre qualquer questão, que não considere a soberania da Síria, é
delírio, é sonho. Claro que todos têm direito de sonhar e há quem creia que tem
direito também de fingir que vive, em sua bolha de fantasia. Mas, no mundo real,
jamais subjugarão a Síria. E, de nossa parte, nada faremos que não esteja
firmemente ancorado na realidade síria e no interesse e nos desejos do povo
sírio. (...)
Irmãs
e irmãos,
Sei,
como vocês todos sabem, que a pátria passa por dores e dificuldades, e sinto a
dor que dói em todo o povo sírio, pelos entes queridos que perdemos e pelo
martírio de filhos e parentes e amigos, porque o fogo da guerra já atinge todos.
Não há casa em que não tenha havido pelo menos uma mortalha purificada pelos
mártires. Estou com vocês, que os sírios somos todos um mesmo povo. Vim do povo
e assim vivo. Cargos de estado e de governo passam. Só a pátria perdura para
sempre. As lágrimas da mães trarão refrigério às almas puras dos que se foram e
farão arder de sofrimento os criminosos que roubam o riso de nossas crianças e
aí estão, tentando roubar-lhe a vida futura em país seguro, forte e estável.
A
Síria continuará forte como é, e retornará mais forte, se Deus quiser. Não se
cogita de ceder direitos ou afrouxar princípios. Erram os que apostem no
enfraquecimento da Síria, para que Golan fique esquecido para sempre, como terra
ocupada. Golan é terra síria e a causa da Palestina é causa nossa, à qual
oferecemos nossos bens mais preciosos, nosso sangue e nossos mártires.
Continuaremos a apoiar a Resistência contra nosso único inimigo. Resistência é
uma cultura, não são indivíduos. Resistir é resistir em pensamento e em prática,
sem concessões, avaliando cada oportunidade e colhendo, de cada uma, o melhor.
O
povo e o estado sírios que sempre se postaram ao lado do povo palestino na luta
por sua causa justa, durante décadas, apesar dos desafios e do muito que cada
cidadão sírio pagou, em termos materiais e emocionais, enfrentando pressões e
ameaças, estão onde sempre estiveram e sempre estarão: com os palestinos.
Qualquer
tentativa de implicar palestinos nos eventos sírios visa a desviar a atenção que
tem de permanecer concertada no inimigo principal. Os palestinos na Síria fazem
o que é dever deles, na defesa de sua segunda pátria, como qualquer sírio. Todos
somos responsáveis – como estado sírio e como povo sírio – por cumprir o dever
que temos com os palestinos, os mesmos que temos com qualquer cidadão sírio.
Saúdo os palestinos honestos que valorizam as posições sírias e não veem a Síria
como hotel de passagem, que podem trocar por melhor, se as condições endurecem.
Irmãs
e irmãos,
Apesar
de tudo quanto se planejou contra a Síria, de tudo que tem sido feito contra a
Síria, por quem vive próximo de nós, antes do que fizeram os que vivem longe de
nós, nada nos fará mudar. Para os sírios, nada há, mais precioso que a Síria.
Nossa
resistência, uma luta que está próxima de completar dois anos, diz ao mundo que
a Síria não é fácil de matar. Que o povo sírio não se deixa humilhar. A Síria
não cairá. Resistir é coisa que aprendemos ao longo de gerações e geração. Somos
o que somos e continuaremos a ser o que somos. Vamos de mãos dadas, apesar das
feridas, levando a Síria rumo a futuro melhor, mais forte, mais brilhante.
Continuaremos. Não nos assustam com suas armas, nem nos intimidam com seu ódio,
porque o direito está do nosso lado. E Deus jamais abandona os que andem ao lado
do direito.
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