segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Presidente Bashar al-Assad: “Passos para a paz na Síria”

6/1/2013, Teatro da Ópera, Damasco, Sana, Síria [excerto]
Excerto escolhido e traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

O presidente Bashar al-Assad, no domingo 6/1/2013, fez um discurso na Opera House em Damasco em que ele enfocou os mais recentes acontecimentos na Síria, no Oriente Médio e nos países do Norte da África, onde propôs soluções para a crise, a qual afeta todo o mundo árabe / muçulmano.


Senhor primeiro-ministro, senhores ministros,

Chefes, membros do comando e representantes de organizações populares e sindicatos

Irmãs e irmãos,

(...) A Síria sempre foi, e continuará a ser, país livre e soberano, que não aceitará submissão e tutela. Por isso, a Síria tem sido um estorvo para o ocidente; e por isso o ocidente busca tirar vantagens de eventos internos para tentar desencaminhar a Síria, extraí-la da equação política regional, livrar-se de um problema, atacar o coração de nossa cultura de resistência e converter os sírios em seus subordinados. Mas o ocidente não é a comunidade internacional. Há países – Rússia, China, Brasil, Índia, África do Sul, os países BRICS, e muitos outros – que não aceitarão imiscuir-se nos assuntos internos de outros países e desestabilizar toda a região, porque se manterão fiéis aos seus princípios e interesses, e respeitam o direito que todos os povos têm de viver em liberdade e determinar o próprio destino. Agradeço a esses países, em nome dos sírios, mais diretamente à Rússia, China e Irã, e a todos os que permanecem na defesa do direito dos sírios de traçarem o próprio destino.

À luz desses princípios, não se pode falar de solução, se não se consideram todos os fatores, no plano interno, regional e internacional. Medida alguma que não considere esses fatores será jamais solução para problema algum e não terá impacto real.

Comecemos pelo front interno: se alguns tenderam a ver a desavença inicial como discordância entre situação e oposição, essa desavença, em mundo civilizado, deve visar a construir a pátria, não a destruí-la; deve visar ao desenvolvimento da Síria, não a empurrar nosso país para décadas atrás. Quando parte do povo se associa a potências estrangeiras, o conflito passa a ser entre a Síria, nós mesmos, e aquelas potências; entre o inimigo e a independência nacional e nossa hegemonia sobre nós mesmos; entre a Síria continuar a ser nação livre, ou converter-se em terra politicamente ocupada. Nesse caso, a questão se transforma e converte-se em luta de autodefesa, de defesa da pátria, como vemos hoje, quando os sírios se unem contra os agressores externos, que se servem de algumas ferramentas que encontram aqui mesmo.

(...) Há quem diga, assistindo a tudo por que a Síria está passando, que não haveria aqui com quem alguém pudesse dialogar. É erro.

Sempre estaremos abertos, de mãos estendidas para o diálogo. Dialogaremos com todos que não concordem conosco no campo político e com quem tenha posições diferentes das nossas, desde que suas posições não visem a agredir os princípios nacionais sírios básicos.

Dialogaremos com indivíduos e partidos que não vendam a Síria a estrangeiros e com todos que deponham armas. Seremos parceiros reais e honestos de todos os sírios que lutem pelos interesses, pela segurança e pela estabilidade da Síria.

Adstritos a nossos firmes propósitos e princípios, dentre os quais e acima de todos a soberania do Estado sírio e a firme independência de sua posição; baseados nos princípios e metas estabelecidos na Carta das Nações Unidas e nas leis internacionais que garantem a soberania, a independência e a integridade territorial dos países; e o direito de não sofrerem interferência em seus assuntos internos; apoiados na nossa firme convicção de que é necessário que todo o povo sírio seja convocado para um diálogo nacional amplo, que restaure a atmosfera de segurança e estabilidade, a solução política que encaminharemos na Síria é a seguinte:

Estágio 1:

1.1: Todos os países envolvidos, da região e de fora dela, comprometem-se a suspender todas as ações de financiamento, armamento, acobertamento e promoção de indivíduos e gangues armadas. Decorrência disso, se espera que todos os elementos armados encerrem as operações terroristas – o que permitirá que todos os sírios forçados ao deslocamento possam voltar em segurança aos seus locais de residência.

Imediatamente depois, as Forças Armadas da Síria suspenderão as operações militares; mas preservam o direito de responder, no caso de a Síria, de cidadãos sírios ou de prédios e instalações públicas ou privadas sírias serem atacados.

1.2: Será construído um mecanismo que assegure o cumprimento do decidido no item acima, sobretudo para que se mantenha efetivo controle nas fronteiras.

1.3: O atual governo da Síria iniciará imediatamente o processo intensivo de fazer contato com todos os ramos em todo o espectro político da sociedade síria, com todos os partidos e corpos, para construir e construir a discussão nacional, abrindo o caminho para uma conferência-diálogo nacional, na qual se reúnam todas as forças que buscam uma solução na Síria, seja dentro, seja fora do país.


Estágio 2:

2.1: O atual governo sírio convocará uma conferência nacional ampla, para que o país formule um pacto de defesa da soberania, da unidade e integridade territorial da Síria, o qual, simultaneamente, rejeitará qualquer interferência em nossos negócios e descartará o terrorismo e a violência, em todas as suas modalidades e formatos.

O governo convoca todos os partidos e grupos, em todo o espectro da sociedade, para definir os critérios para aquela conferência, a ser realizada adiante.

Quanto ao pacto a ser firmado na conferência nacional, ali se traçará o futuro político da Síria. O pacto proporá os traços gerais do sistema constitucional e judicial, e as características políticas e econômicas; o pacto incluirá também o acordo sobre nova legislação partidária, sobre eleições, sobre a administração pública e outros detalhes.

2.2: O pacto será submetido a referendo.

2.3: Formar-se-á um governo expandido no qual estarão representados todos os componentes da sociedade síria, que terá a tarefa de implementar as provisões do pacto nacional.

2.4: A nova constituição será submetida a referendo e, depois de aprovada, o governo expandido adotará as leis discutidas e aprovadas na conferência nacional, inclusive a legislação que regerão as eleições. Depois disso, se realizarão eleições parlamentares.

Deve-se acrescentar a palavra ‘se’ em tudo que se relacione à nova constituição e novas leis, porque são detalhes que dependem de acordo a ser construído no diálogo-conferência; esse acordo será tornado público pelo governo sírio, tão logo esteja construído e tenha obtido o acordo de todos.


Estágio 3:

3.1: Constituir-se-á um novo governo, nos termos da nova Constituição que, então, já estará aprovada e vigente.

3.2: Organizar-se-á uma conferência geral para reconciliação nacional e para que sejam anistiados todos os presos durante os eventos dos meses recentes; todos os direitos civis de todos serão preservados.

3.3: Trabalhar-se-á para a reabilitação e reconstrução da infraestrutura, compensando-se todos os afetados pelos eventos.

Quanto à anistia, os direitos civis dos reclamantes serão preservados, considerada a evidência de que o Estado pode considerar a possibilidade de abrir mão de direitos seus, mas não pode dispor igualmente dos direitos de todos os reclamantes.

Creio firmemente que, quando tivermos chegado a esse momento desse estágio, a anistia será assegurada não só pelo Estado, mas também por outros que tenham direitos. Atingiremos assim praticamente a reconciliação nacional, quando todos perdoarão todos.

Esses traços centrais da solução política como a apresentamos são títulos, que precisam ainda ser detalhados. O governo encarregar-se-á de dar encaminhamento ao processo, detalhar e expandir esses itens, preparando o caminho para que, nos próximos dias, apresentemos iniciativa já planejada, que seguirá os passos e itens gerais acima listados.

Cuidemos de deixar tudo bem claro e em contexto próprio, porque vivemos tempos de falsificações e interpretações viciosas. Não se trata aqui de como o governo vê o futuro imediato, nem de nossa exclusiva interpretação. Hoje, não se trata de o governo interpretar ou interpretar erradamente os eventos, nem de interpretá-los em sentido contrário ao que realmente significam. Cuidemos, pois de esclarecer completamente as ideias e termos que usamos, pondo-os em seus respectivos contextos.


Em primeiro lugar, no que tenha a ver com o que aqui apresentamos, haverá quem se preocupe e veja, nesse esquema, um retrocesso em termos de segurança. Asseguro que no que tenha a ver com combater o terrorismo, nada nos deterá e não pararemos de lutar, enquanto houver, na Síria, um único terrorista. O que começamos a fazer, continuaremos a fazer. Façamos o que fizermos nessa iniciativa, nada jamais significará que tenhamos negligenciado combate contra o terrorismo. Ao contrário, quanto mais avançarmos no combate ao terrorismo, mais possibilidade de sucesso terá o plano que aqui expusemos.

Em segundo lugar, o que aqui apresentamos – chamemos de “iniciativa”, ou “visão” ou de “nossas ideias”, dirige-se a todos os que desejem dialogar e a todos que desejam dar solução política, na Síria, em futuro próximo.

O que aqui apresentamos não se dirige aos que não querem diálogo. Sabemos, todos aqui sabem muito bem, que hoje ouviremos muitas vozes de rejeição; vocês também sabem quem são e de onde vêm. A esses nos dirigimos agora, antecipadamente: por que tanto se empenham em rejeitar uma ideia, uma iniciativa ou uma proposta que não se dirige prioritariamente a vocês? Não percam tempo com rejeições!

Em terceiro lugar, qualquer iniciativa, venha de onde vier, partido, figura ou país, deve considerar a visão síria. Isso significa que nenhuma iniciativa substituirá a visão local, que temos hoje, de uma via para solucionar a crise síria.

Dito em termos mais claros: novas ideias e sugestões podem-se acrescentar ao que aqui fica posto, se ajudarem a fazer o que os sírios farão; mas nenhuma iniciativa substituirá o que aqui fica posto. Tendo, como fez, apresentado o plano do que será feito na Síria, o governo sírio não considerará quaisquer outras ideias ou iniciativas que, vindas do exterior, não contribuam para o mesmo objetivo e não se baseiem diretamente no que aqui fica exposto nem venham para facilitar a execução do que aqui fica exposto. Mais uma vez: que ninguém perca tempo, seu ou de outros, para inventar iniciativas que nos desviem da trilha e do contexto que definimos.

Ao mesmo tempo, para que possamos avaliar as iniciativas que venham de fora, para determinar se ajudam ou prejudicam a Síria, indico aqui dois eixos: o eixo do trabalho político e o eixo do contraterrorismo.

No primeiro eixo, os sírios não precisamos de ajuda alguma e somos perfeitamente capazes de conduzir um processo político integrado. Quem deseje ajudar a Síria, de modo honesto, limpo e objetivo, que se dedique a conter efetivamente a entrada na Síria, de pistoleiros, armas e dinheiro para pagar mercenários. Essa é a mensagem para todos que vivam no exterior e que desejem ajudar a Síria.

Não precisamos de ninguém que apareça por aqui pretendendo nos ensinar como se conduz um processo político. País com história de milhares de anos sabe perfeitamente como conduzir ao sucesso os próprios negócios.

Em quarto lugar, apoiar iniciativas estrangeiras que nos pareçam úteis não significa, não, de modo algum, que aceitemos a respectiva interpretação dos fatos, se diferir do modo como os sírios vemos as coisas. Nenhuma interpretação de qualquer iniciativa pode ser dada por aceita, se não for orientada para o objetivo de servir melhor aos interesses dos sírios.

Nesse quadro, falo especificamente sobre a Iniciativa de Genebra, que a Síria apoiou, mas incluiu um artigo capcioso e ambíguo, sobre um dito “estágio de transição”.

É claro que esse artigo não foi explicado, nem jamais seria explicado com clareza, por uma simples razão: porque, se se fala em “estágio de transição”, é preciso declarar o que estará ‘em transição, de onde para onde; ou do quê, para o quê. Talvez se trate da ‘transição’ de país livre e independente, para país sob ocupação? Ou de “transição” de país que tem Estado organizado, para país sem Estado e estado de caos total? Ou tratar-se-á de “transição” de uma Síria com instrumentos para tomar decisões independentes, para país que delegaria todos seus instrumentos a forças estrangeiras? Nossos inimigos e opositores querem ver tudo isso, simultaneamente.

A nós só interessam iniciativas que promovam transição clara, da instabilidade para a estabilidade. Sem esse esclarecimento, nenhuma ‘transição’ vaga será jamais aceitável. Em circunstâncias sem crise, transição óbvia sempre seria, de estado, para estado aprimorado. É parte do processo de desenvolvimento. Em estado de direito, não há “transição” se não for feita pelas regras, pelas vias e para os objetivos definidos pela Constituição: exatamente o que, a partir de agora, estaremos fazendo na Síria.

Do ponto de vista da Síria, entramos agora em “estágio de transição”. Mas é transição comandada pelos sírios, por desejo dos sírios.

Em quinto lugar, qualquer iniciativa que venhamos a aceitar, terá sido aceita porque se baseava no princípio da soberania e da decisão popular. De fato, as iniciativas que nos foram apresentadas e que examinamos já partem desse ponto e não se afastam dele. Daqui em diante, tudo quando se decida, dentro ou fora da Síria, terá de ser decisão decidida pelo povo sírio e só será vigente se aprovada pelo povo sírio.

Nem o pacto nacional que venha a ser firmado na conferência do diálogo nacional será considerado vigente, antes de aprovado em referendo. Significa que talvez tenhamos de ter referendo popular sobre várias questões, sobretudo nas difíceis condições em que vivemos hoje.

Temos dito a todos com quem nos reunimos, que qualquer ideia, qualquer proposta, qualquer visão que nos chegue, de fora da Síria ou de dentro da Síria, terá de passar por referendo; não terá de passar pelo presidente, pelo governo, pelo diálogo, nada disso.

Assim se obtém uma espécie de garantia de que só se tomarão medidas que realmente manifestem o consenso popular e o interesse nacional. Se se compreendem bem claramente essas palavras simples, todos os que venham para a Síria e todos que saiam daqui, saibam que a Síria aceita conselhos, assessoramento e ajuda; mas não aceita ordens. Aceitamos ajuda; mas não aceitamos tirania.

Baseados nisso, o que quer que tenham ouvido dizer ou ouviram no passado sobre ideias, opiniões, iniciativas, declarações, que lhes cheguem pela imprensa ocidental ou de funcionários, nada tem a ver com a Síria, nem nos diz respeito. Se tiver algo a ver com “primavera”, nada tem ou jamais terá a ver com a Síria. São bolhas de sabão, como a própria “primavera”, que também é uma bolha de sabão que logo sumirá no ar.

Qualquer interpretação sobre qualquer questão, que não considere a soberania da Síria, é delírio, é sonho. Claro que todos têm direito de sonhar e há quem creia que tem direito também de fingir que vive, em sua bolha de fantasia. Mas, no mundo real, jamais subjugarão a Síria. E, de nossa parte, nada faremos que não esteja firmemente ancorado na realidade síria e no interesse e nos desejos do povo sírio. (...)


Irmãs e irmãos,

Sei, como vocês todos sabem, que a pátria passa por dores e dificuldades, e sinto a dor que dói em todo o povo sírio, pelos entes queridos que perdemos e pelo martírio de filhos e parentes e amigos, porque o fogo da guerra já atinge todos. Não há casa em que não tenha havido pelo menos uma mortalha purificada pelos mártires. Estou com vocês, que os sírios somos todos um mesmo povo. Vim do povo e assim vivo. Cargos de estado e de governo passam. Só a pátria perdura para sempre. As lágrimas da mães trarão refrigério às almas puras dos que se foram e farão arder de sofrimento os criminosos que roubam o riso de nossas crianças e aí estão, tentando roubar-lhe a vida futura em país seguro, forte e estável.

A Síria continuará forte como é, e retornará mais forte, se Deus quiser. Não se cogita de ceder direitos ou afrouxar princípios. Erram os que apostem no enfraquecimento da Síria, para que Golan fique esquecido para sempre, como terra ocupada. Golan é terra síria e a causa da Palestina é causa nossa, à qual oferecemos nossos bens mais preciosos, nosso sangue e nossos mártires. Continuaremos a apoiar a Resistência contra nosso único inimigo. Resistência é uma cultura, não são indivíduos. Resistir é resistir em pensamento e em prática, sem concessões, avaliando cada oportunidade e colhendo, de cada uma, o melhor.

O povo e o estado sírios que sempre se postaram ao lado do povo palestino na luta por sua causa justa, durante décadas, apesar dos desafios e do muito que cada cidadão sírio pagou, em termos materiais e emocionais, enfrentando pressões e ameaças, estão onde sempre estiveram e sempre estarão: com os palestinos.

Qualquer tentativa de implicar palestinos nos eventos sírios visa a desviar a atenção que tem de permanecer concertada no inimigo principal. Os palestinos na Síria fazem o que é dever deles, na defesa de sua segunda pátria, como qualquer sírio. Todos somos responsáveis – como estado sírio e como povo sírio – por cumprir o dever que temos com os palestinos, os mesmos que temos com qualquer cidadão sírio. Saúdo os palestinos honestos que valorizam as posições sírias e não veem a Síria como hotel de passagem, que podem trocar por melhor, se as condições endurecem.

Irmãs e irmãos,

Apesar de tudo quanto se planejou contra a Síria, de tudo que tem sido feito contra a Síria, por quem vive próximo de nós, antes do que fizeram os que vivem longe de nós, nada nos fará mudar. Para os sírios, nada há, mais precioso que a Síria.

Nossa resistência, uma luta que está próxima de completar dois anos, diz ao mundo que a Síria não é fácil de matar. Que o povo sírio não se deixa humilhar. A Síria não cairá. Resistir é coisa que aprendemos ao longo de gerações e geração. Somos o que somos e continuaremos a ser o que somos. Vamos de mãos dadas, apesar das feridas, levando a Síria rumo a futuro melhor, mais forte, mais brilhante. Continuaremos. Não nos assustam com suas armas, nem nos intimidam com seu ódio, porque o direito está do nosso lado. E Deus jamais abandona os que andem ao lado do direito.

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