18/1/2012, Pepe Escobar, Asia Times Online –The Roving
Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Pepe Escobar (2011 Russia Today TV) |
(De
Londres). Não há
quem não ame o rugido de um jato de combate Mirage 2000 francês, logo de manhã
cedinho. Tem perfume delicioso de... café da manhã neocolonial ao molho
Hollande. Perfeito “molho à areia movediça”.
Aparentemente,
seria mamão com açúcar. No Mali vivem 15,8 milhões de pessoas – com PIB per
capita de apenas US$1.000/ano e expectativa média de vida de 51 anos – num
território duas vezes maior que o da França (que tem PIB per capita de
$35 mil e subindo). Mas quase dois terços do território do Mali estão sob
ocupação de islamistas de diferentes grupos pesadamente armados. Capítulo
seguinte? Bombardeie, mon chou, bombardeie.
Mapa político do Mali e fronteiras. A parte norte/nordeste (hachurada em vermelho claro) está ocupada pelos rebeldes |
Assim
sendo, sejam todos bem-vindos à mais nova guerra africana: jatos Mirage e
helicópteros Gazelle franceses da base francesa no Chad, mais uma esquadrilha de
Rafales que decolam da França, bombardeando sem parar muçulmanos “jihadistas do
mal” no norte do Mali. Business is good. O presidente François Hollande
da França passou a terça-feira em Abu Dhabi acertando a venda de 60 Rafales
àquele país que é caso exemplar de democracia do Golfo, os Emirados Árabes
Unidos (EAU).
O
ex-frouxo Hollande – já hoje vivendo as delícias da nova imagem de “resoluto”,
“determinado” & “durão” – alcançou pleno sucesso no negócio de venda dessas
armas para bombardear/incinerar islamistas na savana e tentar dar cabo deles lá
mesmo, antes que embarquem com passagem só de ida Bamako-Paris para
bombardear-incinerar a Tour Eiffel.
Há
soldados das Forças Especiais Francesas em operação em campo no Mali desde o início de
2012.
O
Movimento para a Libertação de Azawad (NMLA) liderado pelos tuaregues, por um de
seus líderes, diz-se agora “a postos para ajudar” a ex-potência colonial,
apresentando-se como mais confiável como fonte de conhecimento e informações
sobre o terreno e a cultura locais que as futuras forças de intervenção da
CEDEAO (Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental).
Os
jihadistas-salafistas no Mali arranjaram imensíssimo problema para eles mesmos:
escolheram mal o campo de batalha. Estivessem eles na Síria, estariam recebendo
quantidade infindável de armas, bases logísticas, um “observatório” com sede em
Londres, horas e horas de vídeos em YouTube e irrestrito apoio diplomático,
gentilmente a eles ofertados pelos suspeitos de sempre – EUA, Grã-Bretanha,
Turquia, as petromonarquias do Golfo e – oui, monsieur – a França, há
muito tempo.
Mapa do Mali com as áreas controladas pelos jihadistas e o locais atualmente bombardeados pela intervenção França - OTAN |
Mas
optaram pelo Mali... o que lhes valeu imediata chuva de golpes do Conselho de
Segurança da ONU, o qual – mais rápido que um selecionado de super-heróis Marvel
– autorizou que a França se pusesse à frente da guerra contra eles (no Mali, não
na Síria). Seus vizinhos da África Ocidental – parte do bloco regional ECOWAS
(Economic Community Of West African
States, trad. Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental) –
receberam um ultimato (no final de novembro) para comparecerem, trazendo um
plano de guerra. Sendo ali a África, nada aconteceu – e os islamistas
continuaram avançando até a semana passada, quando Paris, afinal, decidiu
aplicar-lhes boa porção de molho Hollande.
Nem
um estádio de futebol repleto dos melhores xamãs da África Ocidental conseguirão
impor ordem sobre um bando disparatado – e terrivelmente empobrecido – de
países, para organizar em curto prazo um exército de intervenção, ainda que a
aventura seja totalmente paga pelo ocidente, exatamente como o exército liderado
por Uganda que combate a rede al-Shabaab na Somália.
Para
completar o quadro onde nada é fácil, os jihadistas-salafistas são imensamente
ricos, cortesia da explosão do contrabando de cocaína da América do Sul via Mali
para a Europa, além do tráfico de seres humanos. Segundo o escritório da ONU
para Controle de Drogas, 60% de toda a cocaína que chega à Europa passa pelo
Mali. Aos preços das ruas de Paris, são mais de 11 bilhões de dólares.
Turbulência
à frente
O general Carter Ham, comandante
do Comando Norte - Americano, o Pentágono na África, AFRICOM, há meses vem
alertando sobre crise gravíssima. Chamemos de profecia que se faz, ela mesma,
acontecer. Mas o que está, de fato, acontecendo no que o New York Times
arcaica e astutamente chama de aquelas “longas e turbulentas trilhas do
Sahara”?(Ver em: “French
Strikes in Mali Supplant Caution of U.S.”)
Amadou Touré |
Tudo
começou com um golpe militar em março de 2012, apenas um mês antes das eleições
presidenciais no Mali, que depôs o então presidente Amadou Toumani Touré. Os
golpistas justificaram o golpe, dizendo que seria resposta a incompetência do
governo que não dava combate aos tuaregues.
No
comando do golpe apareceu um capitão Amadou Haya Sanogo, velho amigo íntimo do
Pentágono; a intimidade incluiu quatro meses de um curso básico de treinamento,
do qual Sanogo emergiu como oficial de infantaria, em Fort Benning, Georgia, em 2010. Sanogo
foi criado, essencialmente, pelo AFRICOM, sob um esquema regional que incluía o
programa Parceria do Contraterrorismo Tans-Sahara do Departamento de Estado com
a Operação “Liberdade Duradoura” do Pentágono. Desnecessário dizer que em todo
esse negócio de “liberdade”, o Mali entrava como “firme aliado” – e parceiro no
contraterrorismo – para combater (pelo menos em teoria) a Al-Qaeda no Maghreb
Islâmico [em ing.: al-Qaeda in the
Islamic Maghreb (AQIM)].
Amadou Haya Sanogo |
Ao
longo dos últimos anos, o jogo de Washington foi sendo elevado à categoria de
uma das Belas Artes. Durante o segundo governo de George W. Bush, as Forças
Especiais estiveram muito ativas ao lado dos tuaregues e de argelianos. Durante
o primeiro mandato de Obama, começaram a apoiar o governo do Mali contra
os tuaregues.
Uma
opinião pública desavisada passará os olhos pelos jornais de Rupert Murdoch –
por exemplo, no The Times of London – e no que escreve um suposto
correspondente da Defesa – que lá aparecerá pontificando à vontade sobre o Mali,
sem jamais escrever uma palavra sobre a guerra do Mali ser a guerra da Líbia que
volta, como chicote que chicoteia o lombo do chicoteador.
Muammar Gaddafi |
Muammar
Gaddafi sempre apoiou o desejo de independência dos tuaregues; desde os anos
1960s, a agenda do NMLA sempre foi separar o Azawad (região no norte do Mali),
do governo de Bamako.
Depois
do golpe de março de 2012, o NMLA parecia estar no comando. Plantaram a própria
bandeira em alguns poucos prédios do governo e, dia 5/4/2012, anunciaram a
criação de um novo país tuaregue independente. A “comunidade internacional” os
menosprezou e, poucos meses depois, o NMLA já havia sido completamente
marginalizado para todas as finalidades práticas, mesmo em sua própria região,
por três outros grupos – os três islamistas: Ansar ed-Dine (“Defensores da Fé”);
o Movimento por Unidade e Jihad no Oeste da África [orig. Movement for Unity and Jihad in West Africa (MUJAO); e a al-Qaeda no Maghreb Islâmico [orig. al-Qaeda in the Islamic Maghreb (AQIM)].
Conheçam
os jogadores
Abu Zaid al Kuwaiti |
O
NMLA é movimento tuaregue laico, criado em outubro de 2011. Prega que a
separação do Azawad permitirá melhor integração – e desenvolvimento – para todos
os povos da região. Os combatentes do núcleo duro são tuaregues, os quais
Gaddafi cuidou de integrar ao seu exército. Mas há também rebeldes que não
entregaram as armas depois da rebelião tuaregue de 2007-2008, e alguns
desertaram do exército do Mali. Os que retornaram ao Mali depois de Gaddafi ter
sido assassinado por “rebeldes da OTAN” na Líbia, trouxeram muito armamento
pesado. Parte considerável desse armamento pesado acabou, sim, em mãos dos
próprios “rebeldes da OTAN” – islamistas apoiados pelo ocidente.
Mokhtar Belmokhtar |
A
al-Qaeda no Maghreb (AQIM) é o ramo norte-africano da Al-Qaeda, que jura
fidelidade ao “Doutor”, Ayman al-Zawahiri. Os dois principais líderes da AQIM
são Abu Zaid e Mokhtar Belmokhtar [ver: Islamistas
“do Mali” matam 3 e fazem 41 reféns na Argélia], ex-membros do grupo
linha-duríssima de islamistas argelinos, os Salafistas Para Pregação e Combate
[orig. Salafist for Predication and
Combat (SGPC)]. Belmokhtar fez a jihad no Afeganistão nos anos 1980s.
Abu
Zaid aparece como uma espécie de “Jerônimo” (codinome: Osama bin Laden) do norte
da África, sob a indispensável bandeira negra e uma Kalashnikov sempre bem à
vista, ambas, nos vídeos pelos quais se manifesta. Mas o líder histórico é
Belmokhtar. E o problema é, sim, Belmokhtar, conhecido pela inteligência
francesa como “O Incapturável”; recentemente, Belmokhtar uniu-se ao Movimento
por Unidade e Jihad no Oeste da África, MUJAO.
Os combatentes do Mujao vieram de todo o Magreb e do Sahel |
Os combatentes do MUJAO são todos
ex-combatentes da Al-Qaeda no Maghreb Islâmico, AQIM. Em junho de 2012, o MUJAO
expulsou o Movimento para a Libertação de Azawad (NMLA) e tomou a cidade de Gao
– onde imediatamente passou a aplicar os piores aspectos da lei da Xaria. Essa
semana, os Rafales franceses bombardearam várias vezes a base do MUJAO. Um dos
porta-vozes do MUJAO ameaçou, com todas as formalidades necessárias, “em nome de Alá ”, responder
àqueles ataques com ataque contra “o coração da França”.
E,
para terminar, o grupo Ansar ed-Dine é grupo de tuaregues islamistas, organizado
ano passado e comandado por Iyad ag Ghali, ex-comandante do NMLA, que se
autoexilou na Líbia. Converteu-se ao salafismo por ação da pregação – ou
inevitavelmente – de pregadores paquistaneses no norte da África; em seguida
manteve longos contatos diretos com vários emires da al-Qaeda no Maghreb
Islâmico, AQIM. Interessante observar que, em 2007, o presidente Touré do Mali,
nomeou Ghali cônsul do Mali em Jeddah, Arábia
Saudita. Foi depois devidamente expulso, em 2010, porque se
aproximara demais de islamistas radicais.
Me
arranje aí “um pouco mais de terrorismo”
Ninguém
no ocidente se pergunta por que o golpe chefiado por Sanogo, amigo do Pentágono,
terminou com quase 2/3 do território do Mali sob controle de islamistas que
impuseram a Xaria mais linha duríssima em Azawad – especialmente em Gao, Timbuktu e
Kidal, um catálogo macabro de execuções sumárias, amputações, apedrejamentos e
destruição dos santuários em Timbuktu. Como é possível que a mais recente
rebelião dos tuaregues tenha sido sequestrada por umas poucas centenas de
islamistas linha super dura? E nem adianta perguntar aos drones dos EUA,
que são mudos.
A
retórica oficial do governo (“liderar pela retaguarda”) de Obama 2.0 sobre o
tema soa, de fato, como delírio futurista: o bombardeio pelos franceses poderia
“mobilizar jihadistas” em todo o mundo e levar a – e queriam que levasse a quê?!
– ataques no ocidente. (Ver também em: “French
Strikes in Mali Supplant Caution of U.S.”) [1]
Forças francesas aerotransportadas por aviões ingleses para o Mali |
Mais
uma vez, a velha boa Guerra Global ao Terror [orig. Global War on Terror (GWOT)] é a
serpente que morde o próprio rabo.
Hilária Clinton |
Não
há como entender o Mali, sem examinar o que está acontecendo na Argélia. O
jornal argelino El Khabar arranha só a superfície dos fatos, observando
que “ao recusar-se categoricamente a uma intervenção – e dizer ao povo da região
que seria perigoso”, Argel “abriu os céus da Argélia aos Mirages franceses”.
A
Secretária de Estado, Hillary Clinton esteve em Argel em outubro passado, para
organizar uma espécie de arremedo de exército ocidental-africano de intervenção.
Hollande esteve em Argel em dezembro. Oh yes, oui-oui, a coisa
esquentou mês a mês por ali!
Voltemos
pois ao professor Jeremy Keenan, da Escola de Estudos Orientais e Africanos
[orig. School of Oriental and African
Studies (SOAS)] da Universidade de Londres, e autor de The Dark
Sahara (Pluto Press, 2009) e de The Dying Sahara (Pluto Press, 2013).
Jeremy Keenan |
Em
artigo publicado na edição de janeiro de New African, Keenan
escreve:
A
Líbia foi fator catalisador da rebelião Azawad, não alguma causa subjacente. De
fato, a catástrofe que se vê em curso no Mali é o resultado
inevitável do modo como a Guerra Global ao Terror foi introduzida no
Sahara-Sahel pelos EUA, mancomunados com agentes da inteligência da Argélia,
desde 2002.
A inteligência argelina,
Washington e os europeus usaram aplicadamente a al-Qaeda no Maghreb Islâmico
(AQIM), infiltrando-se na liderança do grupo, para dali extrair “mais
terrorismo”. Enquanto isso, a inteligência da Argélia ia configurando os
tuaregues como “terroristas” – o pretexto perfeito para criar a Iniciativa de
Contraterrorismo Trans-Sahariana de Bush, e a “Operação
Flintlock” [2] do Pentágono – manobras militares
trans-Sahara.
Os
tuaregues sempre assustaram muito o povo da Argélia, que não conseguiam nem
imaginar o sucesso de um movimento nacionalista no norte do Mali. Afinal, a
Argélia sempre viu toda a região como seu quintal.
Região original dos Tuaregs (hachurada) |
Os
tuaregues – população nativa do Sahara Central e do Sahel – são 3 milhões. Mais
de 800 mil vivem no Mali, menos no Niger, com pequenas concentrações na Argélia,
em Burkina Faso e na Líbia. Houve nada menos de cinco rebeliões tuaregues no
Mali desde a independência em 1960, três outras no Niger e muita turbulência na
Argélia.
A
análise de Keenan é absolutamente correta ao identificar o que aconteceu ao
longo de 2012, com os argelinos meticulosamente destruindo a credibilidade e o
impulso político do NMLA. Sigam o dinheiro: ambos, Iyad ag Ghaly do grupo Ansar
ed-Dine e Sultan Ould Badi do MUJAO, são muito íntimos da agência de
inteligência argelina, o DRS. Os dois grupos, de início, eram grupos bem
pequenos.
De
repente, chegou um tsunami de combatentes da al-Qaeda no Maghreb Islâmico. Essa
é a única explicação de por que os tuaregues do NMLA foram, em apenas poucos
meses, neutralizados politicamente e militarmente, em seu próprio território.
Reúnam
os combatentes da liberdade de sempre
Susan Rice |
A posição de Washington, liderando
“pela retaguarda” aparece ilustrada nessa conferência de imprensa no
departamento de Estado, em que fala Susan
E. Rice, embaixadora
dos EUA à ONU. Em resumo, o governo do Mali em
Bamako pediu que os franceses chegassem e baixassem o porrete. E assim foi
feito.
Não.
Não foi bem assim. Quem supuser que “bombardeie a al-Qaeda” é o que estaria
acontecendo no Mali, vive no mundo de Oz. Para começar, usar terroristas
islâmicos para sufocar movimentos indígenas de independência é “tática” que
consta de todos os manuais históricos da CIA/Pentágono.
Além
do mais, o Mali é crucialmente importante na visão que o AFRICOM e o Pentágono
têm para todo o MENA (Middle
East-Northern África / Oriente Médio-Norte da África). Meses antes do 11/9,
tive o privilégio de atravessar o Mali por estrada – e pelo rio Niger – e andei
por lá, especialmente em Mopti e Timbuktu , com os
deslumbrantes tuaregues, que me ofereceram um curso intensivo sobre o noroeste
da África. Vi os pregadores wahhabi e pregadores paquistaneses por toda parte.
Vi os tuaregues sendo expelidos passo a passo. Vi um Afeganistão em produção. E
não era difícil seguir o dinheiro, enquanto bebericava chá no Sahara. O Mali tem
fronteiras com a Argélia, a Mauritânia, Burkina Faso, Senegal, Costa do Marfim e
Guiné. O espetacular delta interno do Niger fica no Mali central – ali, ao sul
do Sahara. Mali jorra ouro, urânio, bauxita, ferro, manganês, estanho e cobre. E
– o Oleogasodutostão passa por ali! – há muito petróleo não explorado no norte
do Mali.
Já
em fevereiro de 2008, o vice-almirante Robert T Moeller dizia que a missão do
AFRICOM era proteger “o fluxo de recursos naturais da África para o mercado
global”; sim, e fez a conexão crucial rumo à China: estaria “desafiando
interesses dos EUA”.
Aviões-espiões do AFRICOM
“observaram” o Mali, a Mauritânia e o Sahara durante meses, em tese à procura de
terroristas da AQIM; a coisa toda foi supervisionada pelas Forças Especiais dos
EUA, parte da Operação
Creek Sand, secreta, com base no vizinho
Burkina Faso. Esqueçam: não se vê ali ninguém fardado: todos são – e o que mais
seriam? – empresas privadas contratadas para espionar e não usam uniforme.
Carter Ham |
Mês
passado, na Brown University, o
general Carter Ham, comandante do AFRICOM, deu mais um forte empurrão na “missão
de fazer avançar interesses de segurança dos EUA em toda a África”. Agora se
trata – com atualizações – da Estratégia Nacional dos EUA na África, assinada
por Obama em junho de 2012. Os objetivos (convenientemente muito vagos) dessa
estratégia são “reforçar instituições democráticas”; estimular “o crescimento
econômico, comércio e investimentos”; “promover a paz e a segurança”; e
“promover oportunidades e desenvolvimento”.
Na
prática, é a militarização à moda ocidental (com Washington “liderando pela
retaguarda”) versus o sempre ativo
movimento de sedução / investimentos chineses orientado para a África. No Mali,
o cenário ideal para Washington seria um remix do Sudão: exatamente como
a recente divisão em
Sudão do Norte e Sudão do Sul, o que criou dor de cabeça
estratégica extra para Pequim. Por que não dividir o Mali ao meio, para melhor
explorar suas riquezas naturais? Não esqueçam: até a independência em 1960, o
Mali chamava-se Sudão Ocidental.
Já
no início de dezembro o Pentágono trabalhava sobre o “conceito” de uma guerra
“multinacional” no Mali.
Molho Hollandês |
A
beleza do negócio todo é que, embora com exército multinacional “por
procuração”, financiado pelo ocidente, apoiado pelo Pentágono, já entrando em
ação “no terreno”, são os franceses os encarregados de regar a terra, no Mali,
com o letal molho Hollandês (nada
como uma ex-colônia “em convulsão” para fazer babar os ex-colonizadores). O
Pentágono sempre pode continuar usando seus discretos aviões-espiões P-3 e os
drones-espiões Global Hawk que
têm base na Europa, e adiante, para transportar tropas da África Ocidental e
dar-lhes cobertura aérea. Mas secreto, tudo secreto, super super sigiloso.
Mr.
Inferno Geral já levantou a cabeçorra, em tempo recorde, mesmo antes de os 1.400
(e aumentando) coturnos franceses entrarem em modo de ofensiva.
Um
comando do MUJAO (não da al-Qaeda no Maghreb Islâmica, AQIM, como foi
noticiado), comandado pelo – e quem mais seria? – “incapturável” Belmokhtar,
invadiu um campo de gás no meio do deserto do Sahara argelino, a mais de
1.000
km ao sul de Argel, mas a apenas 100 km da fronteira líbia,
onde prenderam e fizeram reféns muitos ocidentais (e alguns japoneses); operação
de resgate lançada na 4ª-feira pelas Forças Especiais da Argélia foi – para
dizer o mínimo – uma gigantesca confusão, da qual resultaram (já confirmados até
agora) pelo menos sete reféns estrangeiros e 23 argelinos mortos.
O
campo de gás está sendo explorado pela British Petroleum, pela Statoil e pela Sonatrach. O MUJAO denunciou – e o que
mais denunciariam? – a nova “Cruzada” francesa e o fato de que os jatos de
guerra franceses são, hoje, donos do espaço aéreo da Argélia.
No
que tenha a ver com a volta do chicote no lombo do chicoteador, só vimos, até
agora, os hors d'oeuvres. E não ficará confinado ao Mali. Convulsionará a
Argélia, em breve o
Niger – fonte de mais de um terço do urânio que faz funcionar
as usinas nucleares francesas e todo o Sahara-Sahel.
Assim
sendo, esse novo, que mal começa a ser cevado, mega-Afeganistão na África será
bom para os interesses neocoloniais franceses (por mais que Hollande repita que
só se interessa por “paz”); será bom para o AFRICOM; dará grande impulso aos
“Jihadistas Antes Conhecidos como Rebeldes da OTAN”; e será, com certeza, ótimo
para a infinita Guerra Global ao Terror, devidamente rebatizada como “operações
militares cinéticas”.
Django,
liberto de suas cadeias, estará totalmente em casa. E o Oscar de Melhor Canção
vai para o continuum Bush-Obama: Não há negócio como o negócio do terror.
Legendado em francês, bien sur.
Notas
dos tradutores
[1] A
matéria, já citada, do NYTimes leva o título-arapuca de “French
Strikes in Mali Supplant Caution of U.S.” [trad.: Ataques franceses no
Mali desconsideram (e/ou suplantam e/ou derrubam, derrotam) a cautela
norte-americana] .
[2] Flintlock
designa uma pequena pedra de sílex (sílex pirômaco), que, atritada, “gera
faíscas a 3.000° C, tornando fácil construir fogo em qualquer clima, em qualquer
altura, até mesmo sob tempestades e neve”. Era o mecanismo disparador de um tipo
antigo de arma de fogo, a pederneira.
O
sílex, como se sabe, é usado desde a Idade da Pedra, para fazer pontas afiadas
de flechas e machados. Muitas armas de sílex, pré-históricas continuam até hoje
a ser encontradas na África, datadas do Paleolítico (“Idade da Pedra Lascada”).
O
nome escolhido para essa operação pela qual os EUA planejam levar guerra à
África é, bem traduzido e explicado, uma confissão de culpa; é manifestação
linguística, também, da mais detestável arrogância racista eurocêntrica à moda
Washington.
________________________________
Contribuição
dos commons da Vila Vudu, acrescentada pelos tradutores, por sua conta e
risco. A luta continua.
A
seguir som de “Umbabarauma. Ponta de
lança africano” ( Jorge Benjor e Mano Brown):
Sobre
os tuaregues, o Brasil só sabe o que aprendeu de Jorge Benjor.
Mas,
não se sabe por quê, não se encontra gravação de Jorge Benjor no
YouTube.
Vai
aí um “Tuereg”com Lulu Santos:
Vale
também a (maravilhosa) gravação de Gal Gosta (só som)
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