8/1/2013, Allen Ruff, The Progressive
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Allen Ruff |
Depois
de semanas de discussões/balões de ensaio, o presidente Obama indicou
formalmente Chuck Hagel, ex-senador por Nebraska e apresentado quase sempre como
“Republicano moderado”, para substituir Leon Panetta como secretário da Defesa.
Críticos
conservadores puseram-se imediatamente a repetir objeções, desde o primeiro
instante em que o nome de Hagel apareceu como possibilidade em meados de
novembro. A torcida organizada pró-neoliberais-conservadores de sempre o acusou
de ser pouco beligerante contra o Irã e pouco beligerante a favor de Israel.
Seguindo sua linha cada vez mais
neoliberal conservadora, o Washington Post escreveu em editorial dia 18 de
novembro que Hagel “não
é escolha certa para a secretaria de Defesa”. Citando o ex-senador, disse o
Post: “Em questões críticas, que vão do orçamento da Defesa, ao Irã, o
sr. Hagel expôs posições, ainda mais à esquerda que as do sr. Obama em seu
primeiro mandato”. (Hagel, uma vez, cometeu a
temeridade de sugerir que os gastos do Pentágono deveriam ser “rebaixados”.
Imaginem só!).
Barack Obama e Chuck Hagel |
Os
detratores desenterraram um voto de Hagel contra sanções ao Irã, enquanto a
mídia de direita repetia, como câmara de eco, a acusação de “antissemitismo”,
porque o senador, há anos pronunciou a expressão “lobby judeu”. Mas, sim,
Hagel enfureceu mais de um fundamentalista pró-Israel, quando disse, em 2006,
que “Não sou senador de Israel. Sou senador dos EUA. Apoio Israel, mas meu
primeiro pensamento é que, ao tomar posse como senador, jurei servir à
Constituição dos EUA, não a um ou outro presidente, não a um ou outro partido,
nem jurei servir a Israel. Se fosse eleito senador em Israel, sim, seria
diferente”.
James Fallows |
Parte da esquerda nos EUA
imediatamente saltou em defesa de Hagel. James Fallows, do Atlantic, apresentou-o como “inteligente escolha no campo do
bipartidarismo”, veterano condecorado na guerra do Vietnã e com currículo
de “direita realista e cautelosa”; e denunciava as “falsas
acusações assacadas contra Chuck Hagel”.
Em
agosto de 2005, Hagel ganhou as simpatias dos centristas, ao mostrar-se como o
primeiro senador Republicano a criticar abertamente a guerra do Iraque e exigir
a retirada dos EUA. Criticou o então presidente Bush, a ala mais conservadora
dos Republicanos, o “Velho Grande Partido” [orig. Great Old Party, GOP] e
a violência, contra as liberdades civis, implícita na lei Patriot Act
aprovada em dezembro daquele ano. Na ocasião, Hagel disse que “jurei obedecer e
servir à Constituição, não ao estatuto do meu partido ou ao presidente.”
Adiante,
em 2007, criticou os planos para a “avançada” [orig. surge] na guerra do
Iraque. Essas declarações – que a direita jamais esqueceu –, contribuíram para
dar melhor imagem a Hagel aos olhos dos pacifistas e militantes antiguerra
centristas moderados.
O
problema é que nem os detratores nem os apoiadores expuseram ainda claramente
quem é, de fato, o homem; nem por que os progressistas temos de nos opor
firmemente à indicação de seu nome para o posto de Top Gun do
Pentágono.
Mais
uma vez, cabe à verdadeira esquerda entender e fazer ver com a máxima clareza
possível, que nenhuma esquerda pode-se deixar enredar na arapuca de apoiar a
mais recente escolha de Obama para a secretaria da guerra, apenas porque a
direita opôs-se à indicação.
Atualmente membro do
Conselho Diretor da Chevron (desde
2010), Hagel liderou os ataques, em 1997, que bloquearam a ratificação do
Protocolo de Kioto, o acordo internacional que visava a obrigar os EUA e outras
nações industrializadas a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa. A
Resolução Hagel-Byrd – que leva também o nome do Democrata de West Virginia e
defensor de empresas norte-americanas poluidoras, Robert Byrd – pela qual ficou
decidido que os EUA não ratificariam o Protocolo de Kioto argumentava que o
protocolo deixava de fora os países emergentes e criava impedimentos à expansão
econômica dos EUA.
Em
suas idas e vindas pela porta giratória que liga os congressistas e a empresa
privada nos EUA, e à caça de fama e fortuna sempre crescentes, Hagel anunciou em
setembro de 2007 que não se candidataria para o que poderia ser seu terceiro
mandato no Senado; ali iniciava outra carreira... na diretoria da Chevron. As
biografias em circulação repetem, todas, que Hagel é professor na Georgetown University; e praticamente
todas elas omitem que, para assumir a secretaria da Defesa, Hagel terá de
afastar-se do emprego na diretoria da Chevron.
Provavelmente, também terá de
deixar a posição de co-presidente do
Corpo de Conselheiros Presidenciais para Inteligência – aquele grupo de “cidadãos de
notório saber selecionados [nomeados] nos setores de segurança nacional,
político, acadêmico e mercantil-privado (...) independentes da Comunidade de
Inteligência oficial, dispensados de qualquer responsabilidade operacional e de
administração do dia a dia, com pleno acesso, sem qualquer restrição, a toda e
qualquer informação no campo da Inteligência”.
John Kerry |
Hagel tem assento atualmente
também no corpo de direção do American Security Project, um thinktank imperial, com
sede em Washington, cuja missão é “compreender e articular as crenças e valores
relacionados à política externa dos EUA”, e forjar, domesticamente, um “consenso
bipartidário” sobre “uma nova estratégia nacional de segurança que restaurará a
liderança americana”. Fundado em 2007, com Hagel e o já provável sucessor de
Hillary Clinton no departamento de Estado, John Kerry, como membros fundadores,
o American Security Project é agente
profundamente envolvido na “pesquisa para a segurança no campo da energia” e “a
necessidade dos biocombustíveis para a segurança nacional dos
EUA”
(quer dizer: é o Pentágono
virando “verde”!), além da tarefa de “construir respostas estratégicas para os
desafios do século 21” .
Se sua indicação for confirmada, o
emprego atual de Hagel, como diretor da organização privada, mas imensamente
influente, o Conselho Atlântico [orig. Atlantic
Council] será, muito provavelmente
suspenso e preservado, pelo menos, até que retorne à “vida privada”.
Rick Rozoff |
Raramente
discutido, esse Conselho Atlântico, com sede em Washington, foi fundado há 50
anos, como organização não governamental da elite da política externa dos EUA,
com a missão de promover o “interesse nacional” dos EUA e a supremacia
norte-americana na Guerra Fria, dentro da “comunidade atlântica” e também fora
dela, em
outros espaços. Segundo Rick Rozoff, crítico da política
externa dos EUA, o Conselho Atlântico foi organizado em 1961, por dois
ex-secretários de Estado, Dean Acheson e Christian Herter, para impulsionar o
apoio à Organização do Tratado do Atlântico Norte, OTAN. Sob a liderança dos
EUA, vários “conselhos atlânticos” foram implantados em países membros do
conselho-mãe, todos com a mesma finalidade.
Lista
recente de atuais associados do Conselho Atlântico corresponde praticamente à
lista telefônica de todo o establishment de política externa de
Washington. Discípulo de Henry Kissinger, Brent Scowcroft, ex-assessor do
Conselho de Segurança Nacional, teve papel destacado na modelagem da organização
como existe hoje. O principal conselheiro de Obama para Segurança Nacional,
James L. Jones, e a embaixadora dos EUA à ONU, Susan Rice (cujo nome chegou a
ser cogitado para substituir Panetta no Pentágono), já trabalharam, ambos, para
o Conselho Atlântico.
James L. Jones |
O antecessor de Hagel no cargo que
ocupa no Conselho Atlântico, James L. Jones, foi general de quatro estrelas
comandante do Marine Corps,
comandante geral do Comando dos EUA na Europa e Comandante do Comando Supremo
dos Aliados da OTAN na Europa, de 2003 a 2006. Foi também enviado
especial da secretária de Estado, Condoleezza Rice para assuntos de segurança do
Oriente Médio e, nessa posição, discutiu abertamente o deslocamento de tropas da
OTAN na Cisjordânia, recomendação repetida e reforçada por Scowcroft, também
colega de Hagel no Conselho Atlântico.
Scowcroft,
general aposentado da Força Aérea e Conselheiro para Segurança Nacional nos
governos dos presidentes Ford e George H. W. Bush, é hoje um dos presidentes do
Corpo de Conselheiros Internacionais; Hagel é co-presidente desse corpo de
conselheiros, no qual se reúnem cerca de 40 altos especialistas em questões de
segurança transatlântica e no espaço da OTAN. Fundado em 2007 por Jones, então
presidente do Conselho; por Scowcroft e outros, o Grupo de Conselheiros
Estratégicos apresenta-se como “instituição destacada no campo do pensamento
estratégico e análise de segurança euroatlântica”, graças à sua “liderança
respeitada” em assuntos como
Afeganistão /Paquistão e o Conceito Estratégico da OTAN [orig.
NATO’s Strategic Concept]. O grupo
produz relatórios e memorandos sobre temas relacionados a esses temas e organiza
“Sessões Estratégicas” privadas, não divulgadas, para altos funcionários, civis
e militares, dos EUA e Europa; além de também oferecer aconselhamento informal,
pelos seus especialistas, a deputados e senadores”.
Obama e o Ditador do Cazaquistão, Nursultan Nazarbayev |
Sob
a direção de Chuck Hagel, as atenções do conselho concentraram-se cada dia mais
na direção da Ásia, Sul e Central. Como parte dessa “virada” [movimento de
“pivô”], e de olhos postos no Cazaquistão, rico em petróleo e urânio e com
localização privilegiada do ponto de vista estratégico, em 2010 o Conselho
abraçou um projeto que atende pelo título de “A Eurásia como parte da Segurança
Transatlântica” [orig. Eurasia as Part of
Transatlantic Security]. Também sob a direção de Hagel, o conselho trabalhou
para “modelar o debate transatlântico sobre segurança na Eurásia (...)”.
A Força Tarefa Eurásia [orig. Eurasia Task
Force] do
Conselho foi criada a partir de uma doação financeira do governo do Cazaquistão,
hoje sob a presidência
“vitalícia” de Nursultan Nazarbayev; somaram-se a essa contribuições
também do Strategic Advisory Group e
da empresa
EADS-North America, subsidiária norte-americana de uma
das maiores fabricantes europeias de aviões de combate, que atualmente fornece
armamento a vários regimes repressores em toda a Ásia Central.
Cazaquistão e países fronteiriços (Cáucaso) |
Ainda
como senador, e bem antes de tornar-se empregado da Chevron (hoje, a maior
dentre as empresas já posicionadas para explorar os campos de petróleo do
Cazaquistão no Mar Cáspio) ou copresidente do Conselho Atlântico, Hagel já era o
único senador dos EUA que visitara as cinco repúblicas da Ásia Central. Naquelas
viagens, bem evidentemente, construiu laços e os seus interesses tomaram forma.
De lá até hoje, os interesses de Hagel naquela região não mudaram.
Em
maio de 2010, Michelle Kinman, vice-diretora da organização Crude Accountability [transparência e
petróleo] organização de cidadãos e grupo de ação que opera nas questões
ambientais geradas pela exploração do petróleo no Mas Cáspio, dirigiu-se a
Hagel, na reunião anual da Diretoria da Chevron. Lembrou o quanto a empresa
Chevron sempre esteve pesadamente envolvida em projetos de petróleo no
Cazaquistão e noutras associações com regimes repressores, em muitas dos quais
já se comprovaram violações de leis ambientais, falta de transparência e, em
termos gerais, falcatruas, escândalos (...).
Kinman
disse que “se a empresa Chevron envolve-se com regimes repressores como o do
Turcomenistão, para garantir a exploração dos hidrocarbonetos, sem, antes,
exigir atitude firme contra a violação de direitos humanos, transparência nos
atos do governo e estado de direito, só fará reforçar as tendências
antidemocráticas e impedir o desenvolvimento de uma sociedade civil que, até
agora só foi duramente explorada e sacrificada, como já fez em Burma, na
Nigéria, na Colômbia e em inúmeros outros países pelo mundo”.
Michelle Kinman questionando a Chevron |
E
continuou, dirigindo-se ao hoje futuro secretário de Defesa dos EUA: “Senador
Hagel, como novo membro da direção da empresa Chevron, o senhor tem excepcional
oportunidade, além da responsabilidade de exigir mais compromisso democrático da
sua e de todas as empresas que operam no Mar Cáspio, para que se adaptem aos
padrões legais da Chevron, para começar; mas, sobretudo, para que se adaptem à
legislação e às melhores práticas internacionais”.
Para,
afinal, perguntar: “Senador Hagel, o senhor está preparado para insistir no
sentido de que sua empresa assuma a liderança na luta por respeito aos direitos
humanos no Turcomenistão, hoje?”. Hagel não respondeu. O diretor executivo da
Chevron aconselhou a organização Crude
Accountability a escrever ao senador, noutra oportunidade.
Quem
sabe, nas sabatinas a que Hagel será submetido no Senado, algum senador dos EUA
lembre-se de perguntar sobre as preocupações do senador Hagel com a “segurança
no campo da energia” misturada à visível disposição para não ver as agressões
contra direitos civis que se compram e vendem-se nessas negociações? Pouco
provável.
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