domingo, 20 de janeiro de 2013

Goodbye Afeganistão, alô Mali!


6/11/2012, Blog 7our, Argélia
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Entreouvido numa mesa de dominó na Vila Vudu: Mas pô... O William Waack e seus “especialistas” NÃO SABEM (nem) disso?!

Ev’rybody’s talkin’ ’bout
Bagism, Shagism, Dragism, Madism, Ragism, Tagism
This-ism, that-ism, ism ism ism
All we are saying is give peace a chance
All we are saying is give peace a chance
John Lennon – The Beatles


Que lições o Afeganistão oferece para o conflito no Mali?

Declaração do Ansar al-Dine
Há negociações em curso [novembro de 2012] em Ouagadougou e Argel com o grupo islamista Ansar al-Dine (AD), um dos grupos islamistas que ocupam o norte do Mali. Ainda não sabemos o que resultará dessas discussões, se haverá um processo de paz com as autoridades de Bamako, e se a comunidade internacional fará demandas moderadas e aceitáveis. Em sua primeira declaração nessa 3ª-feira (2/1/2013), o grupo Ansar al-Dine “rejeita todas as formas de extremismo e terrorismo e está comprometido com a luta contra o crime transnacional organizado”.

Vale observar que essas conversações foram recebidas com muitos comentários negativos e duros. Para começar, alguns veículos de imprensa já trabalham para aumentar a confusão.

Em recente documentário exibido pelo canal francês de televisão M6, os jihadistas do Movimento pela Unidade e pela Jihad na África Ocidental. MUJAO (que não tem nome no documentário) em Gao são mostrados como se fossem membros do movimento Ansar al-Dine.

Ansar al-Dine numa aldeia do Magreb (observe a bandeira símbolo do grupo)
E – dito com clareza – qualquer conversação que inclua o movimento AD irrita muitos círculos. Exemplo dentre outros, um artigo do Figaro apresentava uma das primeiras conversações secretas em Argel, entre um oficial militar do Mali e delegados do grupo AD com membros do Movimento Nacional para Libertação do Azawad (MNLA) e líderes tribais, como negociações diretas, que já estariam em andamento, entre “autoridades da Argélia e islamistas do norte do Mali”.

Quem são os líderes do movimento Ansar al-Dine (em Jeune Afrique)? 

Iyad Ag Ghali
São, quase todos da tribo tuaregue dos Ifoghas. Iyad Ag Ghali e Ahmada Ag Bibi foram rebeldes nos anos 1990. Alghabass Ag Intallah foi membro da Assembleia Nacional do Mali e é provável sucessor de seu pai como chefe dos Ifoghas.

Assim sendo, cuidado com comentários impensados que “exijam” que os insurgentes tuaregues islâmicos sejam arrancados de seu próprio território.

Quem leia ou ouça os apoiadores de intervenção militar ou de guerra no Mali, perceberá forte tendência a sobrevalorizar as possibilidades de sucesso de qualquer solução militar. Segundo eles, não haveria diferença alguma entre os jihadistas estrangeiros e os islâmicos locais, e o único alvo de qualquer futuro ataque deve ser o grupo AD. Os que assim pensam não veem o quadro geral em campo.

Por que uma intervenção militar estrangeira teria de neutralizar os tuaregues islâmicos insurgentes? Esses combatentes ameaçam algum “interesse” estrangeiro no Mali? O grupo Ansar al-Dine jamais fez reféns, nem planejou ou executou qualquer ataque em território estrangeiro e tem agenda exclusivamente local. Sim, eles têm crenças fundamentalistas, mas não têm agenda jihadista internacional.

Essa é a avaliação, inclusive, do novo emir da Al-Qaeda no Maghreb Islâmico no Sahara. Perguntado sobre suas relações com o grupo AD, Yahya Abu El Hamam, disse em entrevista (em árabe):  

Yahya Abu El Hamam
Ansar al-Dine é um grupo islamista local que trabalha para implantar a religião de Alá e escolheu a Jihad em nome de Alá para fazê-lo. Embora nós discordemos desse grupo por sua visão limitada à dimensão local, partilhamos com eles vários outros traços, dentre os quais a fraternidade islâmica e tudo que essa fraternidade implica em termos de cooperação para fazer o bem e cumprir os deveres religiosos, apoiar os oprimidos, lutar por justiça para os oprimidos, defender a honra dos muçulmanos e lutar pela restituição dos direitos a seus legítimos beneficiários. Essa é a pauta que serve de base a todas as nossas conversações e contatos com todos os grupos islâmicos.

Gostem ou não gostem deles, o movimento Ansar al-Dine já era ator da cena política no norte do Mali, muito antes de as muitas manchetes sobre “Mali, o novo Afeganistão” começarem a brotar como cogumelos na imprensa dominante em todo o mundo.

É boa hora para lembrar o que houve no Afeganistão e ouvir o que disse, em 2008, o ex-enviado especial da ONU ao Afeganistão, Lakhdar Brahimi – que negociou a formação de um governo afegão de transição depois da queda do governo dos Talibã em 2001.

Em 2008, Bhahimi confessou, em artigo intitulado Uma nova estratégia para o Afeganistão, publicado no Washington Post:

Lakhdar Brahimi
Há sete anos, os Talibã foram desalojados e desapareceram de Cabul e outras grandes cidades, mas jamais se renderam a quem quer que fosse. Sempre foi evidente que suas intenções e capacidades teriam grande peso no futuro do país. A ONU apresentou então duas sugestões, no início de 2002: buscar os membros dos Talibãs que tivessem interesse potencial em participar do processo político; e implantar unidades da International Security Assistance Force (ISAF) fora de Cabul, com capacidade militar significativamente ampliada. As duas sugestões caíram em ouvidos surdos. Lamento amargamente não ter insistido mais nessas duas propostas junto aos mais altos níveis de poder. Tivessem sido seguidas, essas sugestões poderiam ter mudado o curso dos eventos no Afeganistão.

11 anos depois de iniciada a operação “Liberdade Duradoura”, o Afeganistão ainda está longe de ser país em paz e estabilizado. Sim, mas os Talibãs já foram convidados, aceitaram o convite e já chegaram à mesa de negociações com os EUA (Huffington Post, 24/4/2012, em: Taliban Peace Talks: U.S. Eyes Options To Restart Negotiations. (...)

ATUALIZAÇÕES: 7/11/2012

Sanda Ould Bouamama
1. No postado acima, não falei de outros elementos que também compõe, além dos tuaregues, o movimento Ansar al-Dine. Por exemplo, o grupo de Timbuktu, sobre o qual fala o “porta-voz do AD”, Sanda Ould Bouamama.
Na minha visão da crise no Mali, há pelo menos dois grupos AD: um tem base em Kidal, em torno de líderes tuaregues islamistas; o outro tem base em Timbuktu e tem composição mista. Mas a diferença crucial entre eles é a atitude em relação a negociações. O grupo AD-Kidal participa no processo político e parece disposto a negociar concessões. No extremo oposto do espectro islamista, o grupo AD-Timbuktu tem posição radical e tensa a favor da rígida aplicação de uma visão feroz da Xaria. Não surpreendentemente, muitos líderes da AD-Timbuktu são ex-membros da Al-Qaeda no Magheb Islâmico, AQIM. Seria interessante saber como receberam as declarações do AD-Kidal em Ouagadougou.

2. Sim, alguns chefes do grupo AD-Kidal estiveram envolvidos como intermediários no negócio de reféns. Devem os únicos condenados por isso? Antes de mais nada é atuação menos condenável que a de oficiais do exército do Mali do governo/presidência anterior no mesmo negócio de reféns; em atividades de lavagem de dinheiro; e no contrabando de drogas. E quanto às negociações com reféns, há outros intermediários, entre os quais um coronel francês, JMG, o negociador da Air France e intermediários da Areva... Tem-se de admitir que o grupo AD-Kidal não é o único envolvido nesse negócio.

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