8/1/2013, Ugo Tramballi (enviado especial), Il
sole 24 ore, Milão
Entrevista traduzida pelo pessoal
da Vila Vudu
Ver também:
7/1/2013 – redecastorphoto: “Discurso do
presidente Bashar al-Assad: Passos para a paz na
Síria”.
8/1/2013 – redecastorphoto, Franklin Lamb em: “Assad no
Teatro de Ópera de Damasco”.
11/1/2013, redecastorphoto, Pepe Escobar,em: “Syria: A jihadi
paradise”
Ugo Tramballi |
BEIRUTE.
“A presença local da UNIFIL [United Nations Interim Force In
Lebanon (Força Provisória da ONU no Líbano)] interessa ao Líbano. Para nós é
fundamental” – diz Ammar al-Musawi, que nos recebe em local protegido num dos
bairros periféricos de Beirute. Para nós, italianos, é notícia importante, dado
que há 12 mil soldados da ONU na região de fronteira com Israel, sob comando de
um general italiano. Daquele total, mais de mil soldados são italianos – o
contingente mais numeroso. “O mais importante é o relacionamento que se criou
entre os soldados da UNIFIL e nossa população local” – xiita, em grande parte e
apoiadora do Hezbollah.
Ammar
al-Mussawi é também dito Said [grafia ing., sayyed], como o
secretário-geral e principal dirigente do movimento islâmico xiita, Hassan
Nasrallah: a palavra é como um título de honra, atribuído aos reconhecidos como
descendentes do Profeta. Mussawi é o número 3 do Hezbollah, encarregado das
Relações Internacionais; é o ministro das Relações Exteriores do Partido de
Deus.
Ammar Al-Mussawi é Ministro
das Relações Exteriores do Hezbollah e o 3º na hierarquia do partido |
Ugo Tramballi
(UT): Mas o Hezbollah continua a apoiar a Síria
de Bashar Assad, mas o governo italiano está mais próximo da oposição.
Ammar al-Musawi
(Musawi): Divido a Europa em
dois grupos: os países que fazem tudo que os EUA ordenem e os países
independentes. Muito me surpreende a posição italiana, às vezes parceiro
independente, às vezes acomodado. Bom seria que a Europa oferecesse ao mundo uma
política de mais autonomia.
UT: O governo de Assad começa a mostrar sérias
dificuldades. A força do Hezbollah advém de seus analistas e estrategistas
saberem ver longe. Os senhores têm algum “plano B” para a Síria?
Musawi: É nosso direito e
nosso dever considerar um plano alternativo, mas não no sentido de que, perdendo
a Síria, perdêssemos um aliado. Muitos entendem que, mais dia menos dia, a Síria
se tornará hostil ao Hezbollah: o cenário ainda é impreciso e indefinido. Sem
dúvida estamos preocupados, mas não é problema que preocupe exclusivamente o
Hezbollah.
UT: Como ficarão as coisas depois de Bashar?
Musawi:
É
possível que a Síria deixe de ser estado unitário; que seja dividida numa série
de emirados junto à fronteira turca e cada um, vários ou todos, proclamará seu
Estado Islâmico. Se o regime de Assad cair, o cenário que prevemos é esse. Nossa
verdadeira preocupação é preservar a integridade do Estado sírio. Segundo
informações que temos, um terço dos combatentes da oposição são extremistas
religiosos; e dois terços das armas estão sob controle desses extremistas.
Incapaz de fazer guerra direta à Síria, o Ocidente faz guerra por procuração.
UT: Qual o cenário com o qual o senhor
trabalha?
Musawi:
Que, sem a Síria, o
terrorismo virar-se-á para outra direção. Como aconteceu no Afeganistão. Mas a
Síria não é Tora Bora. A Síria está no Mediterrâneo, muito próxima da Europa.
Paolo Serra |
UT: Em entrevista ao jornal Sole-24 Ore,
o general Paolo Serra, comandante da UNIFIL, disse que o Hezbollah colabora para
impedir que o sul do Líbano seja contaminado pela guerra na Síria.
Musawi:
Não teria como
dizer coisa diferente, porque nós somos transparentes e não é segredo que
estamos colaborando com a ONU. Os ocidentais é que insistem em não entender
nossa posição política, porque sempre confundem terrorismo, violência e
resistência. Nosso movimento é movimento de resistência. No norte, em Trípoli, a
situação é completamente diferente. Hoje, no Líbano, o extremismo está
crescendo, entre salafistas locais e salafistas que vêm de fora. Ainda não
preocupam, mas aumentam, sim, lentamente. Os que pensam em usar o extremismo
salafista contra nós cometem erro gravíssimo: o extremismo pode tornar-se
absolutamente incontrolável.
UT: Se o regime de Damasco usasse as armas
químicas e o ocidente atacasse, o que faria o Hezbollah?
Musawi:
Jamais acontecerá.
No ocidente, os militares são mais moderados que os políticos, porque os
militares sabem o que é a guerra. Mas se acontecer, todos teremos de refazer
nossos cálculos. Um ataque contra a Síria seria ameaça a toda a área na qual
estamos inseridos: geraria guerra regional.
UT: E o que faria o Hezbollah, se Israel
atacasse as instalações nucleares iranianas?
Musawi:
É
difícil responder sobre hipóteses. Seria evento importante, teríamos de pensar e
analisá-lo. À luz de pensamento novo sobre situação nova, decidiremos o que
fazer. Além disso, há gente demais interessada em saber dos nossos planos.
Preferimos que continuem como estão hoje: curiosos, sem nada saber.
UT: É praticamente certo que nas eleições desse
mês em Israel, o vencedor será Bibi Netanyahu. Terá mais força para impedir a
bomba iraniana.
Musawi:
Israel conhece a
situação melhor que ninguém e sabe que o Irã é objetivo difícil demais. As
ameaças de Netanyahu visam menos ao Irã e mais ao ocidente, porque Israel sabe
que é fraca demais para atacar sozinha: depois da derrota que Israel sofreu, no
mais recente ataque que tentou contra Gaza, em novembro, ficou ainda muito mais
improvável que Israel ataque o Irã. O verdadeiro objetivo de Israel é evitar
qualquer compromisso político com os palestinos.
UT: Mas o senhor
entende que o Irã tenha direito de ter sua bomba atômica?
Musawi:
Os
iranianos têm pleno direito de usar a energia atômica para finalidades civis,
sim. É direito deles. Quanto à bomba, os iranianos não a querem; até o aiatolá
Khamenei já declarou que o Islã interdita, proíbe, a bomba atômica. Mas
suponhamos que o Irã decida converter-se em potência militar nuclear; é uma
hipótese; já sabemos que os iranianos não querem nada disso. Por que não teriam
o direito de ser também potência militar atômica? De fato, o Irã está cercado de
países “nucleares” – o Paquistão, a Índia, a Rússia, Israel – e já está sob
ataque econômico das sanções de outra potência nuclear, os EUA. Até a Turquia
possui as armas da OTAN. Em toda a região, só o Irã não está protegido por
qualquer escudo de armas atômicas.
UT: Muito mais que a
Síria, o Irã é indiscutivelmente aliado absoluto do Hezbollah. Como o Hezbollah
reagiria, se Israel atacasse o Irã?
Musawi:
Assim como os EUA
entendem que qualquer ameaça a Israel seja ameaça contra a segurança nacional
dos EUA, assim também o Hezbollah tem pleno direito de entender que qualquer
ameaça ao Irã seja ameaça contra a segurança do Partido de Deus e da aliança. Se
o Irã algum dia for atacado por Israel, seremos forçados a defender os
interesses do Líbano.
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