19/1/2013, Jessica Elgot, The
Huffington Post
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Para
um dos maiores especialistas mundiais em militantes islamistas no Saara, a
crise dos reféns na Argélia pode ter sido “serviço interno”, aprovado pelos
serviços de inteligência da Argélia, que acabou dando errado.
Jessica Elgot |
O
professor Jeremy Keenan da Escola de Estudos Orientais e Africanos, disse ao
The Huffington Post na Inglaterra, que o Batalhão “Assinado em sangue” de
Mokhtar Belmokhtar sempre manteve laços muito próximos com os serviços secretos
da Argélia, apesar de Belmokhtar ter sido oficialmente “condenado à morte”,
in absentia, naquele país.
Para
o professor Keenan,
é
“quase impossível” que militantes armados atravessassem, sem serem vistos, os
quase 2.000 quilômetros de
deserto, se não tivessem autorização tácita para
avançar.
O
deserto é pontilhado de postos de segurança militares. Teria sido impossível
passar por todos eles. E o campo de gás In Amenas era um dos locais mais
fortemente protegidos em toda a Argélia. Apesar
disso, aqueles homens chegaram até lá e entraram. É preciso explicar como isso
aconteceu.
Jeremy Keenan |
O
professor Keenan lembra que havia muita especulação segundo a qual os serviços
de inteligência da Argélia estariam planejando um ataque terrorista de pequenas
proporções, para chamar a atenção do ‘'ocidente'’ para as repercussões de uma ação
militar no Mali.
Mas,
depois que o governo da Argélia autorizou a força aérea francesa a usar o espaço
aéreo da Argélia para bombardear o Mali, o grupo de Belmokhtar virou-se contra
os argelinos.
Não
há mais dúvidas de que os serviços de segurança planejaram um pequeno ataque
terrorista, a ser levado a cabo por eles, não por algum terrorista, para assim
criarem uma situação na qual pudessem dizer ao resto do mundo ‘'nós bem que
avisamos: se vocês atacarem o Mali, o terror atacará em toda a região. Temos
razão e podemos controlar a região". Verdade é que os serviços de segurança há
vinte anos organizam esse tipo de falso ataque terrorista naquela região.
O
regime argelino é altamente secretivo e esse tipo de ação é bem típica deles.
Acho que um grupo recebeu autorização para atravessar o país, porque os serviços
de segurança da Argélia imaginaram que haveria “coisa pequena”, uns poucos tiros
contra um ônibus ou um posto policial, coisa desse tipo.
Assim
se consegue explicar por que foram liberados para cruzar o país. Mas acho que o
feitiço virou contra o feiticeiro: os terroristas voltaram-se contra os serviços
de segurança da Argélia e golpearam furiosamente, forte e fundo, a própria
Argélia.
Para
o professor Keenan, o grupo que atacou é, quase com certeza, comandado por
Belmokhtar, também conhecido como o “Príncipe Caolho”.
Belmokhtar
foi dado por morto ano passado (teria sido assassinado por grupos rebeldes do
norte do Mali), mas reapareceu agora, numa vídeomensagem em que assume a
responsabilidade pelo ataque no Mali.
Os
especialistas creem que o ataque ao campo de gás foi longamente planejado ao
longo de vários meses antes do início da ofensiva francesa contra o Mali.
Para
o professor Keenan:
Mokhtar Belmokhtar |
Sabe-se
que Mokhtar Belmokhtar deixou o Mali há duas ou três semanas. É perfeitamente
possível, portanto, que tenha liderado a ação: é o estilo dele, são os mesmos
meios que costuma mobilizar, vê-se a marca de sua longa experiência, conhece
como ninguém aquele território. Tenho certeza de que não está lá pessoalmente.
Mas não há dúvida de que são seus homens.
Muitos,
na Argélia, entendem que o governo traiu o país, ao autorizar a França a usar o
espaço aéreo argelino para alcançar o Mali. O grupo que atacou a usina está
sendo elogiado. Tenho conversado com contatos meus na Argélia. Todos estão
absolutamente furiosos.
Os
argelinos de fato não tiveram escolha. Em nenhum caso poderiam dizer ‘não’ à
França. Mas o governo, simultaneamente, faz muita propaganda antiocidente pela
televisão. Assim mantém ‘'a rua'’, pode-se dizer, satisfeita. Mas, por trás dos
panos o governo argelino trabalha ‘dos dois lados’. Agora, afinal, o povo parece
estar percebendo.
Suspeito
que haverá reação monumental contra o governo. Reação ‘'da rua'’ argelina. Não há
quem não tenha suspeitas sobre o que realmente aconteceu ali. Muitos se
convencerão que foi ‘'trabalho interno'’. E muitos outros sentirão que o serviço
de inteligência fracassou e não impediu a entrada de grupos terroristas no país
deles. Que provocaram dano ao país.
Para
o professor Keenan, o ataque terrorista terá efeito descomunal, no longo prazo,
na política de toda a região. Os efeitos aparecerão já muito depois de os reféns
resgatados terem deixado o país.
A
resposta da Argélia parece ter sido de extraordinária fúria, de arrogância cega.
Entraram com muita força, porque, de fato, foram engambelados. E tinham de
mostrar poder.
Haverá
vastíssima repercussão, sempre com portas fechadas, especialmente no que tenha a
ver com a atuação dos serviços de inteligência. É o evento mais grave que se vê
ocorrer na Argélia, há muitos, muitos anos.
Até
hoje, a segurança de estrangeiros sempre foi garantida. Jamais antes houve
ataque contra instalação de extração de gás e petróleo. É evento sem precedentes
na história da região. Governos e serviços secretos não sabem como
reagir.
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