E o Irã vai cozinhando a “única”
potência...
8/2/2013, M K
Bhadrakumar*, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Irã cozinhando... |
Foi
semana excepcional para a política do Oriente Médio e acabou, adequadamente, com
um choque de realidade: que as imaginações não saiam de curso.
Bashar al-Assad |
Três
grandes acontecimentos, numa semana, têm de ser alinhados e considerados como
inevitável confluência de desenvolvimentos e processos: a oposição síria
ofereceu diálogo bilateral ao regime de Bashar al-Assad; o presidente do Irã fez
visita histórica ao Egito; e os EUA ofereceram conversações diretas ao Irã – que
o Irã aceitou prontamente.
Não
há dúvida de que são eventos interconectados. Primeiro, o caleidoscópio sírio
está mudando de configuração muito dramaticamente, embora continue o banho de
sangue. A menos que os países europeus levantem o embargo de armas que impuseram
à Síria (o qual, seja como for, expirará dia 1º de março) e decida armar os
rebeldes, o impasse continuará.
O
humor nas capitais ocidentais mudou, na direção de mais cautela e circunspecção,
ante o fantasma de grupos afiliados à al-Qaeda que se estão beneficiando do caos
reinante. Se mais não fosse, bastaria o furacão de islamistas militantes armados
que varre o Mali, para aumentar as preocupações e a relutância.
Ahmed Moaz al-Khatib |
O
que levou o líder islamista da Coalizão Nacional Síria, Moaz al-Khatib, semana
passada, a manifestar disposição para construir conversações diretas com
representantes do regime sírio – e empurrou-o ao encontro dos Ministros de
Relações Exteriores de Rússia e Irã – foi tanto a confusão reinante dentro da
oposição síria e o fracasso na tentativa de formar algo semelhante a um
verossímil “governo-no-exílio”, quanto a aguda certeza de que o humor ocidental
já dá sinais de extrema cautela em relação à Síria.
Não
há dúvidas de que o Irã, já há alguns meses, desempenha papel crucial na dura
batalha de nervos em torno da Síria.
Curiosamente , é o Irã quem, hoje, está “do lado certo da
história”, ao clamar por diálogo e negociações urgentes e por eleições
democráticas, como chaves indispensáveis para reformar e promover mudanças na
Síria – e, também, no que tenha a ver com isso, no Bahrain.
A
mudança que se vê na Síria realmente deu instrumentos ao Irã para derrubar as
barreiras entre sunitas e xiitas, que tão tenazmente foram criadas e impostas
para isolar o Irã. Por isso, a visita histórica do Presidente Mahmud Ahmedinejad
ao Egito, essa semana, tem dimensão muito mais ampla em termos regionais para o
Irã, que apenas a restauração de relações bilaterais entre Irã e Egito. O
encontro trilateral que houve entre Ahmedinejad e os presidentes do Egito e da
Turquia, Mohamed Mursi e Abdullah Gul mostra muito mais sobejamente a crescente
relevância do Irã como interlocutor, que qualquer inimizade implacável que
houvesse entre o Irã xiita e os dois grandes países sunitas.
Mohamed Mursi |
Interessante
o que acrescentou Mursi:
A
revolução egípcia passa agora por condições similares às da Revolução Iraniana.
Dado que o Egito não tem condições de progresso rápido, como o Irã teve,
acreditamos que expandir os laços e a cooperação entre Egito e Irã é movimento
crucialmente importante e necessário.
Desnecessário
dizer que a diplomacia iraniana jogou magistralmente em tudo que teve a ver até
agora com o regime da Fraternidade Muçulmana no Cairo: nem bajulou nem diminuiu,
empurrou ou pressionou: apenas deixou que os Irmãos definissem o ritmo dos
eventos. Fator básico nessa abordagem é a confiança, em Teerã, de que a avançada
do islamismo no Oriente Médio por vias democráticas, sem especial preocupação
com algum “islamismo sunita”, operará sempre, e ao final das contas, a favor dos
interesses do Irã.
Ahmed al-Tayyeb |
A
recepção cordial que Sheikh Ahmed al-Tayyeb, líder da mesquita egícia Al-Azhar
do Egito, ofereceu a Ahmedinejad e a alta probabilidade de que visite Teerã em
futuro bem próximo manifestam muito claramente o desejo comum de estreitar laços
e afinidades.
Dito
em termos simples, a crise síria vai aos poucos saindo do espaço das questões
difíceis entre Irã e Egito. É verdade que a Coalizão Nacional Síria (CNS), que
tem base na Turquia, continua a rejeitar qualquer negociação com o regime sírio,
e a Fraternidade Muçulmana controla a CNS. Mas aí pode estar também uma janela
de oportunidades para que Turquia, Egito e Irã forcem-se mutuamente a melhor
afinação.
De
fato, a CNS não tem qualquer influência real sobre os rebeldes em luta; e Ancara
irrita-se cada dia mais com o rumo geral da crise síria.
Foi
afinal nesse contexto complexo, que o vice-presidente Joe Biden dos EUA disse em
Munique, no último fim de semana, que Washington está pronta para iniciar
conversações diretas com o Irã sobre o programa iraniano de energia nuclear. A
resposta imediata do Irã foi otimista cautelosa. O Ministro das Relações
Exteriores do Irã, Ali Akbar Salehi disse que:
Ali Akbar Salehi |
Estou
otimista. Sinto que o novo governo dos EUA, dessa vez, tenta, pelo menos,
afastar-se do modo como vinha tratando o meu país.
Mas
já no dia seguinte, começou a modular o entusiasmo:
Vemos
positivamente esse movimento. Parece-me uma boa abertura... Mas temos de esperar
um pouco mais, para ver se, dessa vez, o gesto deles é gesto real... E tomaremos
nossas decisões de acordo com a real configuração.
Adiante,
Salehi explicou que:
A
análise do passado mostra que sempre que mantivemos conversações com os
norte-americanos, inclusive com esforços para estabilizar o Afeganistão, o outro
lado, infelizmente, jamais cumpriu plenamente as obrigações que assumiu. Não se
negocia em tom de ameaça, dizendo que todas as opções estão sobre a mesa
[porque] vê-s aí, bem aparente, uma contradição (...) Pressionar e convidar para
conversar são atitudes incompatíveis. Se as intenções se comprovarem honestas,
podemos, sim, incluir negociações sérias em nossa agenda.
Obviamente,
Salehi falou por duas bocas; a retração final é a “autêntica” voz de Teerã.
Aiatolá Ali Khamenei |
Na
5ª-feira, quando o Líder Supremo Aiatolá Ali Khamenei afinal quebrou seu
silêncio, rejeitou a possibilidade de conversações diretas com os EUA. Disse
ele:
Vocês
[norte-americanos] apontam a pistola contra o Irã e dizem que é “ou negociação
ou bala”. A nação iraniana não se deixará intimidar por essas ameaças (...)
Alguns ingênuos gostam da ideia de negociar com os EUA, [mas] nenhuma negociação
resolverá os problemas. Quem tente estabelecer novamente o poder da América no
Irã, verá que a nação se erguerá contra eles.
Um
modo de interpretar a dura declaração de Khamenei na 5ª-feira é pô-la no
contexto do anúncio de novas sanções contra o Irã, anunciadas na véspera, em
Washington, as quais foram explicadas pelo governo dos EUA como “mais um aperto
significativo no parafuso” que “aumentará significativamente a pressão econômica
contra o Irã”.
Mahmud Ahmadinejad |
Mas
nem assim se explica o manifesto endurecimento e a total rejeição que se vê nas
palavras de Khamenei. Três outros fatores têm de ser considerados. Primeiro, a política doméstica está
esquentando no Irã; a dramática irrupção pública de discordância e desarmonia
entre Ahmedinejad e o presidente do Parlamento, Ali Larijani, semana passada, é
prova de que há tempos difíceis à frente, quando Khamenei, como o grande
timoneiro, estará mergulhado em problemas.
Verdade
é que terá muito a joquear, à medida
que se aproximarem as eleições presidenciais marcadas para maio. Khamenei pode
bem entender que conversações com os EUA serão mais oportunas depois das
eleições. (Diga-se de passagem, essa pode ser também a preferência de Obama).
Em
segundo lugar, Khamenei disse, nas
entrelinhas, que Teerã espera algum sério gesto de boa vontade, dos EUA, antes
de iniciar quaisquer conversações. Lembrou que os EUA já várias vezes no passado
não agiram de boa fé – como quando o Irã ajudou os EUA a derrubar o regime dos
Talibã no Afeganistão.
Ali Larijani |
Um
terceiro fator é que Khamenei vê,
profunda e genuinamente, que o Irã está, sim, “do lado certo da história”, no
que tenha a ver com os levantes regionais no Oriente Médio; ao mesmo tempo em
que as estratégias regionais dos EUA mostram-se cada dia mais sem rumo e sem
sentido.
Em
resumo, por mais que a propaganda norte-americana repita que as sanções “mordem
fundo na carne do Irã” e que o regime no Irã estaria sitiado, o que se tem é uma
bizarra situação, na qual só Washington acredita na própria propaganda, por mais
que as realidades em campo sejam amplamente diferentes do que diga a propaganda.
Por
mais que a propaganda nos faça crer que o regime em Teerã viva temeroso de que
irrompa em Teerã um levante como o da Praça Tahrir, as palavras de Khamenei não
mostram qualquer vestígio de medo ou timidez. Simultaneamente, Khamenei avalia
atentamente a capacidade (ou a falta de capacidade) de Obama para controlar os
cães do lobby israelense e iniciar processo genuíno de normalização das
relações com o Irã.
Barack Obama e o tamanho do "pepino" |
Quando
Richard Nixon trabalhou com a China, no início dos anos 1970s, beneficiou-se de
um amplo consenso favorável de opiniões dentro do establishment político
nos EUA. Ao contrário, no que tenha a ver com o Irã, o pensamento e os discursos
de muitos norte-americanos influentes ainda são regidos por orgulho e
preconceito.
A
mensagem de Khamenei a Obama é que trabalhe com seriedade e decida com clareza o
que deseja, em vez de mandar recado por Biden, sem qualquer elo de conexão e sem
se comprometer a coisa alguma.
Khamenei
já enfrentou vários presidentes dos EUA ao longo de 22 anos; dessa vez, apenas
devolveu a bola para a quadra adversária. Agora, Khamenei esperará a próxima
jogada de Obama, que visitará Israel, mês que vem.
____________________
MK
Bhadrakumar*
foi diplomata de
carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética,
Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e
Turquia. É especialista
em questões do
Afeganistão e Paquistão e escreve
sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as
quais
The
Hindu, Asia Times Online
e
o Blog Indian Punchline. É o filho mais
velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e
militante de Kerala.
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