21/2/2013, Pepe Escobar, Al-Jazeera, Qatar
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Pepe Escobar |
Almaty,
Cazaquistão, estará no olho do furacão na 3ª-feira próxima, quando o grupo P5+1
– os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, EUA,
Grã-Bretanha, França, Rússia e China, mais a Alemanha – reúnem-se novamente com
uma delegação iraniana para discutir o programa nuclear do Irã.
O noticiário informa que todas as
16 agências de inteligência dos EUA sabem que Teerã não está trabalhando na produção
de arma atômica. Em
negociação real, haveria sobre a mesa proposta crível dos EUA. Não há. Isso
sugere que o que Washington realmente quer é manter – e super turbinar – seu
duro pacote de sanções.
Revisemos
o mecanismo dessa ‘'negociação'’. Há apenas algumas semanas, dia 6/2, uma nova
leva de sanções impostas pelos EUA apertaram o parafuso do que se conhece até
agora como negócio de “ouro por gás”.
Ankara
vem pagando o gás que importa de Teerã em liras turcas; o Irã então usava o
dinheiro – mantido no Halkbank turco – para comprar ouro. As sanções agora
impostas limitam duramente o que o Irã passa a ser autorizado a comprar com
suas liras turcas: só comida, remédios e produtos industriais.
Em
sequência imediata, a imprensa-empresa ocidental pôs-se a repetir que o Irã foi
“congelado do lado de fora do sistema bancário global”. De fato, não há
absolutamente qualquer garantia de que as recentes sanções funcionem.
O
ouro permanece como parte do quadro. Um banco turco até pode ser ameaçado com o
exílio, fora do sistema bancário que o ocidente controla. Mas os bancos russos –
e chineses – encontrarão meio cuidadoso de escapar a essa restrição e preencher
o vazio. Quanto ao Irã, o país tem décadas de experiência em viver sob sanções
mortais – e adaptar-se à realidade.
Recep Endorgan |
A
Turquia continuará a ter de importar gás natural do Irã – 40% do que consome; o
Irã é seu principal fornecedor. O outro grande fornecedor é a Rússia; nem com
todo o comportamento errático do Primeiro-Ministro Erdogan da Turquia, Ancara
algum dia cometerá o suicídio estratégico de pôr-se em situação em que passe a
depender de qualquer outro fornecedor de energia.
Portanto,
o único a perder, no atual cenário, será a Turquia. Por quê? Porque Washington
decidiu que assim seja.
Considere-se,
agora, o que Washington tem a oferecer a Teerã: suspenderemos as sanções contra
o negócio gás-por-ouro, se vocês fecharem completamente a usina subterrânea
Fordow de enriquecimento de urânio. Não por acaso, Fordow é e sempre será a
instalação mais difícil de destruir dentre as instalações iranianas, no caso de
alguém tentar pôr em ação a tal ameaça perene (“todas as opções estão sobre a
mesa”) de EUA/Israel atacarem o Irã.
Ramin Mehmanparast |
Também
em sequência imediata, na 2ª-feira o Ministro de Relações Exteriores do Irã,
através do porta-voz Ramin Mehmanparast, foi diretamente ao ponto: “Eles têm
repetido ultimamente que “fechem Fordow, parem o enriquecimento [de urânio], e
permitiremos que comprem ouro”... Querem tirar direitos de um país soberano, em
troca de “autorizar” que o país compre ouro”.
Teerã
também observou, corretamente, que Washington não oferece o fim das sanções da
ONU; nem das sanções unilaterais impostas por EUA e União Europeia; nem o fim do
que, em resumo, é guerra econômica contra o Irã – um dos temas chaves que
discuti detalhadamente em
entrevista ao jovem jornalista
iraniano Kourosh Ziabari.
Em
seguida, a iraquização
Tentar
proibir que o Irã negocie “gás-por-ouro” é, para todas as finalidades práticas,
tentativa para reviver a horrenda política do “petróleo-por-comida” posta
em prática no
Iraque até a invasão/ocupação pelos EUA, em 2003.
Mas,
apesar de um bloqueio comercial ocidental de fato, a liderança em Teerã
continuará sempre conectada aos mercados asiáticos – com o incentivo extra, do
ponto de vista de vastas porções do mundo em desenvolvimento, de continuar a
avançar cada vez mais profundamente e mais rapidamente na direção de abandonar o
petrodólar.
Consideremos
agora a liderança em Teerã. São os mesmos que combateram durante oito amargos
anos na guerra Irã-Iraque nos anos 1980s. Politicamente, a guerra os constituiu.
Tendem a favorecer a “opção japonesa”, ou “período de latência”, em termos
nucleares – adquirir a tecnologia e o know-how para construir uma arma
atômica rapidamente, como último recurso de contenção. De fato, 30 nações – além
do Japão – seguem idêntica opção.
Aiatolá Khamenei |
No
sábado passado, em Tabriz, o Supremo Líder do Irã, aiatolá
Khamenei, repetiu:
Não
queremos construir armas atômicas. Não porque os EUA lastimariam que o
fizéssemos. Simplesmente, porque decidimos não construir armas atômicas.
Acreditamos que armas atômicas são crime contra a humanidade e não devem
existir. Todas as armas atômicas que há pelo mundo devem ser destruídas. Essa é
nossa posição. E nossa posição nada tem a ver com vocês [norte-americanos].
Disse
também que “se o Irã decidisse possuir armas atômicas, nenhuma potência nos
impediria de tê-las”. Com isso, Khamenei estava, de fato, elaborando sobre a
“opção japonesa”: ainda que o Irã não tenha bombas atômicas e não esteja
trabalhando para construir armas atômicas, o país mantém abertas todas as
opções, para o caso de ser encurralado e depender de uma bomba atômica como arma
de dissuasão.
Parece
que as potências, quaisquer delas, não captaram a mensagem em Washington, nem
em Paris ou
Londres. A arrogância ocidental, como mostram os registros, é
sem limites. Assumindo que saberiam algo que só eles saberiam, “especialistas” e
diplomatas ocidentais, os suspeitos de sempre, andam apostando que pacote ainda
mais duro de sanções forçará o Irã a abaixar a crista.
Que
bando de perfeitas inutilidades! Metam-se num avião. Desembarquem em Teerã.
Conversem com os iranianos. Tentem aprender alguma coisa que se aproveite.
Fizessem
isso, aprenderiam que, para os iranianos, grande potência tem de estar na
vanguarda mais avançada da ciência – hoje, a tecnologia nuclear. Rápida revisão
da mídia e da blogosfera iranianas mostra que todos, dos ultra conservadores aos
reformistas, todos, concordam em que o Irã tem direito à tecnologia
nuclear, como signatário do Tratado de Não Proliferação (TNP).
O
Irã precisa de energia nuclear para gerar eletricidade, porque importa muito
óleo refinado. No momento, o Irã pode estar vendendo menos petróleo, por causa
das sanções. Mas isso, por outro lado, faz subir o preço global do petróleo (e
nesse caso, os perdedores são, mais uma vez, os europeus); e o petróleo iraniano
fica preservado para o futuro – quando os preços estarão ainda muito mais altos.
Washington,
por sua vez, tende a agir como cego que guia cegos. É como se nenhum “analista”
se desse o trabalho de estudar os últimos 150 anos da história do Irã – mas não, claro, na versão de Argo, candidato ao Oscar, que nada ensina que
preste; a questão tema é a luta anti-imperial.
Mohamed Mossadegh |
Os
britânicos não se cansam de dar ultimatos ao Irã. À maneira persa, quem se
submete trai a nação; quem se recusa a submeter-se é herói, mesmo que perca a
guerra, como Mossadegh em 1953.
O
drama nuclear em curso é replay/remix do drama da nacionalização
do petróleo de 1951-1953, quando o Irã também padeceu muito para ganhar a
autossuficiência e passar a controlar seus próprios recursos naturais.
Washington/Londres, daquela vez, não se limitaram aos muitos ultimatos: também
promoveram um golpe infame.
O
Xá foi derrubado no início de 1979. Desnecessário dizer que, desde então, o
ocidente vive a ameaçar o Irã, sem parar.
Fim
da “opção japonesa”?
Otimistas
profissionais talvez digam que se deveriam suspender todos os julgamentos – pelo
menos por algum tempo – quanto às intenções do governo Obama 2.0 relacionadas ao
Irã.
Mesmo
assim, vale relembrar que durante os dois mandatos do Presidente Khatami,
reformista, Washington jamais apresentou qualquer proposta séria ao Irã – a
obsessão por mudança, do governo Obama, parecia ter sido absolutamente suspensa,
para tudo que tivesse a ver com o fim das sanções; ou com permitir que a Europa
investisse livremente no Irã (o que beneficiaria a Europa). Esses movimentos,
jamais feitos, teriam operado maravilhas para ajudar o movimento reformista no
Irã.
Ban Ki-moon |
O
que se vê hoje é o retorno a um dos pontos mais baixos dessa história, quando
até o Secretário-Geral da ONU, Ban
Ki-moon faz declarações gravemente daninhas: “Não
devemos dar muito mais tempo aos iranianos e não podemos perder tempo (...) Já
vimos o que aconteceu na Coréia do Norte”.
Agora,
é como se a própria ONU – não algum George “Eixo do Mal” Bush – já clamasse por
guerra contra o Irã, servindo-se, como pretexto, de inexistentes armas de
destruição em massa.
Esse
tipo de pronunciamento sabota as conversações em Almaty, já antes de
acontecerem. Ou, então, Ban Ki-moon está complementando o salário que a ONU lhe
paga, com servicinhos de tempo parcial prestados a Bibi Netanyahu: reduz o tempo
da ação diplomática e ajuda Israel a convencer Washington a bombardear o Irã.
Bruxelas pode até repetir que o
Irã perdeu espantosos $46 bilhões em petróleo não vendido desde as sanções
turbinadas do ano passado – com o rial perdendo 40% do
valor. A
população iraniana pode ter sido quem mais perdeu. Mas a liderança em Teerã está
mais firme que nunca. Hoje, mais claramente do que jamais antes, Teerã não
encontra qualquer oposição sempre que culpa o ocidente pelos sofrimentos dos
iranianos.
Trabalhar
na direção de reais negociações entre EUA e Irã implicaria nenhuma mudança de
regime; o Irã reconhecido como potência no sudoeste da Ásia; nada de mais
sanções; nada de impedir que outros países invistam no Irã; e aceitar as
garantias que o Irã tem dado, de que seu programa nuclear é exclusivamente
civil.
Assim
se pavimentaria o caminho para que o Irã se firmasse como maior e mais dinâmica
economia no Oriente Médio e sudoeste da Ásia.
Vali Nasr |
Nada sugere que estejamos andando
nesse rumo. Em livro a ser lançado em breve, Vali Nasr , deão da
Escola John Hopkins de Estudos Avançados e Internacionais – e, o que é
crucialmente importante, ex conselheiro do governo Obama – admite que a famosa
“trilha de duas mãos” [orig. dual track], de sanções
combinadas com diplomacia, “não teve, sequer, duas mãos. Foi trilha de
mão única, só de sanções, sem diplomacia alguma, só pressão e pressão (...).
Aparente engajamento, usado para acobertar uma campanha de coerção, de
sabotagem, pressão econômica e ciberguerra”.
Ecos
que chegam de Teerã sugerem que, para o Supremo Líder, toda a conversa,
fortemente promovida na mídia ocidental, sobre o governo Obama 2.0 estar
interessado em conversações diretas com Teerã, é uma armadilha. Para Khamenei,
Almaty só indicaria alguma intenção séria, se Washington levantasse todo o
pacote de sanções; bem mais que autorizar gás-por-óleo, em troca do fechamento
de Fordow.
Ahmadinejad visita instalações de enriquecimento de urânio em Fordow |
Obama
poderia fazer... alguma coisa – ainda que, para isso, tivesse de passar por cima
do cadáver coletivo de, virtualmente, todo o Congresso, gente para a qual o Irã
seria pior que mal absoluto.
Preparando-se
para uma grande barganha em futuro não muito distante, Obama poderia, por
exemplo, liberar os fundos iranianos congelados desde a crise dos reféns em 1979
(não, não: o heróico Argo nada diz sobre isso); poderia liberar a venda
de peças de reposição para a frota de Boeings iranianos; poderia mandar o
Departamento do Tesouro e o Departamento de Estado isentarem de impostos
empresas ocidentais que queiram comerciar com o Irã.
Mas,
de fato, o que se vê é que as táticas do governo Obama 2.0 não passam de
extensão da política exterior da era Bush-Cheney: ameaças, diversionismo,
“linhas vermelhas” que sempre mudam de lugar, “todas as opções” sempre sobre a
mesa; e sanções, sanções e mais sanções.
Almaty, Cazaquistão; local da próxima reunião entre Irã e P5+1 |
Não
surpreende que Almaty esteja cercada de expectativas muito, muito baixas. E,
seja como for, nada será decidido, de substancial, antes das eleições
presidenciais no Irã, em junho. Mas se o P5+1 não se compenetrar – se não
conseguirem começar a atuar como adultos – pode acontecer, mais cedo ou mais
tarde, que Teerã sinta-se fortemente tentada a desistir da “opção japonesa”.
Porque sim.
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