20/2/2012, *M. K. Bhadrakumar, Russia & India
Report
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Luiz Ignácio Lula da Silva e Manmohan Singh. Foto: Reuters |
Para
governo que esteja no poder em democracia que funcione, o momento mais
aterrorizante acontece quando se trata de tentar a reeleição, ao final de um
primeiro mandato. Até políticos de nervos de aço tremem. A mística da democracia
está em que não há jamais garantia alguma do rumo que tomará o veredicto das
urnas.
Se
chega ao final do mandato carregando o peso de maus resultados, o governo que
aspire à reeleição se torna particularmente vulnerável. As estimativas podem
provar-se completamente erradas – como se viu, por exemplo, quando o governo da
Aliança Democrática Nacional que estava no poder na Índia antecipou as eleições
parlamentares em 2004, certo de que venceria, empurrado por intensíssima
campanha de mídia, que repetia incansavelmente que “a Índia brilha”. Terminou
triturado nas urnas e despachado para o ponto mais escuro do mato político.
Rafael Correa, Presidente do Equador |
Tudo
isso torna absolutamente emocionante a reeleição
de Rafael
Correa à
presidência do Equador, para um segundo mandado de seis anos.
Eleger-se
para um segundo mandato, derrotando o peso das forças “antigoverno” e
“anti-Presidente”, e com maioria ainda mais ampla que antes – e, além do mais,
alcançando 58% dos votos logo no primeiro turno das eleições – não é coisa fácil
em nenhuma
democracia. Na Índia, ao que me recorde, só aconteceu uma vez
desde a independência, quando Indira Gandhi beneficiou-se da euforia nacional
que se seguiu à “criação”, por ela, de Bangladesh, em 1972.
Mas
o novo mandato de Correa não está ancorado a qualquer nacionalismo inflado, que
ele deliberadamente afastou, quando renegou as tradições regressivas do
populismo demagógico sob líder carismático. A conquista de Correa é resultado de
sólidas realizações no processo de transformar a economia política de seu país.
Até a revista Forbes teve
de reconhecer, embora sem entusiasmo, que “seus programas sociais foram
aclamados”. Em termos simples, Correa assumiu o controle sobre a fabulosa riqueza do petróleo
equatoriano, arrancando-a
das mãos de empresas estrangeiras predatórias e, pode-se dizer, obsessivamente
se dedicou a usar melhor os recursos para criar melhores condições de vida para
os milhões de seus compatriotas pobres e despossuídos. O que Correa conseguiu
fazer é fácil de ver: assistência pública gratuita à saúde, educação para os
pobres. E, isso, em apenas seis anos. Não surpreende que os equatorianos o
adorem. Quem disse que o socialismo morreu?
Vários sindicatos indianos estão
iniciando uma greve nacional de dois dias, sem precedentes, a partir da
4ª-feira, para pressionar na direção de suas reivindicações, entre as quais
assistência médica e salário mínimo. O Wall
Street Journal observa que
“as greves nacionais chamam a atenção para o descontentamento entre os
trabalhadores que se sentem marginalizados da prosperidade econômica da Índia ao
longo da última década”. A magnífica vitória de Correa deve servir para abrir os
olhos do Congress Party que governa a
Índia e que luta contra uma onda de “antigoverno”, “anti-Primeiro Ministro” e
“anti-Presidente” que, sim, talvez já se tenha esvaziado até as eleições
parlamentares de 2014.
Como
derrotar os “anti-Presidente” em democracia que funcione e manter o poder
político em eleições livres e justas?
Hugo Chávez |
As
democracias latino-americanas oferecem chave muito útil para responder essa
pergunta. Primeiro, foi Hugo Chávez, que mostrou o caminho na Venezuela. E agora
Correa, no Equador.
Mas,
de fato, não há qualquer grande segredo. Ambos, Chávez e Correa, recorreram a
políticas econômicas que nunca perdem de vista que a maioria do povo em seus
países era desesperadamente pobre; os dois líderes jamais perderam de vista a
evidência de que tinham de governar para o povo. Ambos construíram e executaram
políticas de maior investimento para melhorar a vida da sociedade, e o Equador,
em especial, conseguiu diminuição notável nos índices de pobreza, de quase cinco
pontos percentuais nos primeiros quatro anos da presidência de Correa.
Mas,
poder-se-ia dizer, Venezuela e Equador são países pequenos, comparados à Índia,
país de dimensões continentais. A analogia com esses dois países faria algum
sentido para a Índia? Em minha opinião, sim. De comum a todos é que a questão do
desenvolvimento, nesses três países, está intimamente ligada à questão da
pobreza. E democracia de melhor qualidade terá, necessariamente, de atacar esse
problema.
Foi
também a experiência de Luiz Inácio Lula da Silva, no Brasil. Em certo sentido,
a analogia com os governos Lula é mais interessante para a Índia. Lula também
foi eleito em 2002 com plataforma popular/populista – variante da campanha que o
Congress Party conduziu na Índia para
vencer as eleições parlamentares de 2009, projetando-se assertivamente como
partido da causa dos pobres. Depois de eleito, Lula aplicou políticas
neoliberais dirigidas a estimular a taxa de crescimento da economia brasileira,
cortando déficits de orçamento e abandonando subsídios sociais. A inflação subiu
e a corrupção cresceu aos saltos, quase na mesma escala em que se viram os
mesmos fenômenos na Índia em anos recentes.
O
Brasil foi tomado por onda de descrença e cinismo, em tudo semelhante ao que se
viu também na Índia. Mas Lula farejou, a tempo, o perigo. Quando viu que havia
risco de seu governo ter tomado rumo errado, tão errado que comprometeria toda a
sua massiva popularidade e a continuação de seu projeto político, Lula mudou o
curso de seu governo.
Perry Anderson |
Claro: aí está a real diferença,
em relação às elites que governam a Índia. Para Lula, a mudança de curso foi
processo natural, porque é político essencialmente comprometido com os mais
pobres. Como Perry Anderson explicou a correção de rumo, em ensaio magnífico
intitulado “O
Brasil de Lula” (excerto traduzido pelo pessoal da Vila Vudu)
publicado na
London Review of Books (Lula's
Brazil) há dois anos:
Combinados,
o rápido crescimento econômico e a forte transferência de renda conseguiram a
maior redução na pobreza de toda a história do Brasil. Segundo algumas
estimativas, o número de pobres caiu, de cerca de 50 para cerca de 30 milhões em
apenas seis anos; a pobreza foi reduzida em 50%. Metade dessa transformação
dramática pode ser atribuída ao crescimento, metade aos programas sociais –
financiados pelos maiores ganhos, advindos do crescimento.
Para
encurtar essa história, sob todos os aspectos, emocionante, Lula obteve a mesma
maioria na reeleição de 2006, que obtivera quatro anos antes: 61% no segundo
turno eleitoral. Mas, nessa reeleição, havia diferença essencial na alquimia da
vitória eleitoral. Explica Anderson:
Dessa vez a composição social do
eleitorado era outra. Afastados por causa do “mensalão”, grande parte dos
eleitores de classe média que se haviam reunido em torno de Lula em 2002
desertaram; e os pobres e os brasileiros de mais idade votaram em Lula, em maior
número do que antes.
O
Congress Party da Índia ainda tem
muito o que aprender da história épica de Lula no governo do
Brasil.
*MK
Bhadrakumar
foi diplomata de
carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética,
Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e
Turquia. É especialista em questões do
Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e
segurança para várias publicações, dentre as quais
The
Hindu,
Asia Times Online
e
seu blog Indian Punchline. É o filho mais
velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e
militante de Kerala.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.