11/3/2013, Loris Caruso, Il Manifesto, Itália
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Loris Caruso |
Até
os analistas estão divididos entre os que consideram o Movimento 5 Estrelas
[orig. Movimento 5 stelle (M5S), de Beppe Grillo] uma “costela da
esquerda” e os que veem ali uma organização populista, predominantemente de
direita, e quase, pelo menos tendencialmente, fascista. As coisas estão
realmente confusas.
Já
se disse mais de uma vez que o conteúdo “ambientalista” do programa e a
insistência na democracia direta e participativa aproximam o M5S, da esquerda
“libertarista” e ambientalista dos anos 70 e 80.
Chama
a atenção a força da mensagem participativa, lançada pelo M5S com radicalidade e
eficácia que nenhum movimento político da esquerda conseguiu ter: o anulamento
da diferença entre representados e representantes; a substituição da delegação
pela participação; o fim dos políticos profissionais. Onde, então, estaria “a
direita”, no M5S?
Beppe Grillo e o M5S |
Em
primeiro lugar, numa possível modificação desse mesmo ideal democrático. Se se
põe como objetivo que uma única força social possa autenticamente enfrentar
todas as outras (partidos, sindicatos, etc.), essa hiper-democracia pode
converter-se em seu contrário. Força
política que, como o M5S, avoque para si e só para si uma real natureza
democrática, pode apresentar como se fosse hiper-democrática todas as suas
escolhas, inclusive as que limitam o agir democrático. Se a democracia radical
prevê o fim dos partidos, não é impossível imaginar que, ante uma oposição
previsível dos partidos à autoextinção, a extinção seja determinada, num
eventual governo do M5S, por intervenção não democrática.
Em
segundo lugar, a pressuposição de “virtude” com que o M5S beneficia seus
próprios representantes e ativistas é tão absoluta (por exemplo, pressupõem o
anulamento de todas as ambições pessoais), quase impõe a “virtude”, o que
exigirá rigidíssimo controle centralizado. Esse controle centralizado, de fato,
já se vê no M5S, quando trabalha para impedir que surjam, seja qualquer
protagonismo individual sejam organismos coletivos que façam algum contrapeso ao
papel de Grillo e Casaleggio. Abaixo dos líderes e de tantos ativistas e
eleitos, que devem, pelo menos tendencialmente, permanecer anônimos, não é o
caso de todos se converterem em nada. Não, advertem Grillo e Casaleggio.
“Sejamos um partido”. O resultado é que atualmente, na estrutura nacional, o M5S
é organismo muito menos democrático que um partido. Se esse é o modelo de Estado
que os dois líderes do M5S têm em mente, não é muito tranquilizador. De fato, é
modelo que tem a forma do chamado “capitalismo cognitivo”.
Como
já disse várias vezes, dentre outros, Carlo Formenti, a economia da Rede é
caracterizada por vasta participação em baixo (os usuários, os consumidores, os
midiativistas, etc.) e por participação-zero no topo – onde se vê o domínio
oligopolista de pouquíssimas empresas gigantes (Google, Amazon, etc.). O M5S
parece organizado de modo análogo. É possível que a analogia entre a forma do
movimento e a economia da Rede explique, em parte, o sucesso do movimento.
Se
o modelo é esse, pode-se pensar na relação que o M5S estabelece com os
movimentos. Em recente comício eleitoral em Susa, Grillo mandou que
recolhessem a bandeira No-Tav [movimento de ativistas que se opõe ao Trem de
Alta Velocidade]: “não somos mais grupo de protesto, agora somos todos
cidadãos”. A mensagem é: agora, eu os represento todos. No meu “tudo” há espaço
também para vocês. Logo, não é mais necessário que vocês manifestem, com
autonomia, seu específico ponto de vista. Essa, de fato, é a relação prevalente
que Grillo instaura com os movimentos cuja luta dirige. Raramente essa relação é
trabalho comum, um compartilhamento de objetivos ou finalidades. Mais
frequentemente, o M5S trabalha de forma independente e “paralela” sobre os
mesmos temas dos movimentos, tentando representá-los nas eleições e apresentar
essas lutas como sua própria luta.
A
ideia de ser uma Totalidade, a representação de um mundo de cidadãos sem
qualquer diversidade por condição social e orientação política é o antípoda da
história e da natureza da esquerda, que se baseia na construções de
“parcialidades organizadas”. A crise dessa ideia de parcialidade, a emergência
dessa “vontade de Totalidade” é, provavelmente, uma das causas da crise
histórica da esquerda. Grillo foi progressivamente incorporando a direita no seu
discurso político, abraçando os temas da direita – protestos contra impostos,
promoção do pequeno empresário como referência social, a “liberdade de imprensa”
apresentada como bem em si – como temas seus.
Em
terceiro lugar, a figura do criador do M5S é estranha à esquerda. A empresa
Casaleggio & Associati é empresa de ponta do web-marketing. Na sua
rede de relações estão a Confindustria, lobbies à italiana como Aspen,
lobbies internacionais como a Câmara de Comércio Americana, grandes
empresas multinacionais, sobretudo de informática e do espetáculo. Projeto
nascido nesse ambiente poderia, fosse como fosse, favorecer os interesses
populares? Ou se deve pensar que é boa oportunidade, sobretudo, para as elites
econômicas? O fato de os resultados eleitorais do M5S ter provocado entusiasmado
em
ambientes como Goldman Sachs e Confindustria obriga a pensar
melhor. E então?
A
conclusão é que o Movimento 5 Estrelas é tanto de esquerda quanto de direita, ao
mesmo tempo hiper democrático e autoritário. Compreende nele todas as formas sob
as quais a política representativa foi desafiada de alto a baixo nos últimos
anos: é, ao mesmo tempo, um movimento social, um partido-feudo, um partido de um
homem só. Contém nele uma ideia de politização total da sociedade (“não vote:
mexa-se”) e também a ideia de uma politização tecnocrática, na qual a “gestão”,
a “administração”, substitui a política (a competência, em vez do
pertencimento). É profético (a utopia acrítica da “rede”) e antiprofético, pelo
menos contra esse específico tipo de profecia política que é a idelogia moderna.
Para
a crise da democracia representativa, há duas saídas possíveis: o autoritarismo
tecnocrático, mesmo que decorado com alguns elementos participativos; e a
democracia participativa. O M5S contém nele as duas possibilidades. Seu sucesso
deriva também dessa co-presença: a dificuldade de uma construção
“assembleística” é contornada pelo centralismo verticalista.
O
sucesso do M5S mostra que, usando terminologia de Gramsci, há na política
contemporânea uma nova oscilação entre “guerra de trincheiras” (na qual as
alternativas políticas são comprimidas nos instrumentos existentes) e “guerra de
movimento” (na qual se disputam os próprios instrumentos sociais, as formas
gerais da política e da economia).
Esse
trânsito abre um campo inédito de possibilidades para a esquerda. Se e somente
se souber jogar esse jogo, nesse nível. Se e somente se foi capaz de organizar,
juntamente com o seu próprio modelo de democracia radical, um projeto seu de
sociedade global. Em crise, não está só a representação: o capitalismo também
está em crise. Sobre isso, Grillo (quase) nada diz. E esse é o nosso terreno de
luta.
Agir nesse nível significa, me
parece, construir um novo sujeito plural que atraia e arraste as lutas pelos
bens comuns, os movimentos antiausteridade, as lutas do trabalho, o mundo do
trabalho dependente e do trabalho “cognitivo”, construindo uma alternativa
global de sociedade, um projeto de “democracia dos bens comuns”: a ideia
inovadora de um “socialismo do século 21” . [Chávez vive![1]]
Nota
dos tradutores
[1]
O “socialismo do
século 21”
é conceito que surgiu em 1996, em trabalho de Heinz
Dieterich Steffan. O termo ganhou difusão mundial depois que
apareceu em discurso que o presidente Hugo Chávez da Venezuela fez, dia
30/1/2005, no V Fórum Social Mundial. Antes, numa das emissões do programa “Aló Presidente”, em 2003, Hugo Chávez já
havia apresentado a ideia de Giulio Santosuosso para o Socialismo do século 21:
socialismo num paradigma liberal; o autor sugere que o mundo está em processo de
realinhamento ideológico, consequência da mudança de paradigma em curso na
economia; o velho modelo morreu, mas ainda não surgiram os novos critérios que
permitirão o realinhamento conceitual.
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