Publicado
em 07/03/2013 por Urariano
Motta *
Recife
(PE) - Busco
no google informações sobre o dia 8 de março. Entre 3.440.000 resultados recolho
informações que não se harmonizam. No primeiro endereço, na Wikipédia, leio que:
O
Dia
Internacional da Mulher, celebrado em 8 de março, tem como origem as
manifestações das mulheres russas por melhores condições de vida e trabalho e
contra a entrada da Rússia czarista na Primeira Guerra Mundial. Essas
manifestações marcaram o início da Revolução de 1917.
No
segundo endereço, me dizem que:
...no
Dia 8 de março de 1857, operárias de uma fábrica de tecidos, situada na cidade
norte americana de Nova Iorque, fizeram uma grande greve. Ocuparam a fábrica e
começaram a reivindicar melhores condições de trabalho, tais como, redução na
carga diária de trabalho para dez horas (as fábricas exigiam 16 horas de
trabalho diário), equiparação de salários com os homens (as mulheres chegavam a
receber até um terço do salário de um homem, para executar o mesmo tipo de
trabalho) e tratamento digno dentro do ambiente de trabalho. A manifestação foi
reprimida com total violência. As mulheres foram trancadas dentro da fábrica,
que foi incendiada. Aproximadamente 130 tecelãs morreram
carbonizadas.
É
provável que ambos resultados estejam certos, pois de comum acordo nos dizem que
houve mulheres heroicas, de ação e personalidade coletiva a marcar este dia. E
no entanto, eu não precisava ir tão longe, no espaço ou na história. Há tantas
mulheres anônimas, sem registro nos livros ou na Wikipédia, tantas heroínas em
silêncio, que agem como se fosse próprio do agir humano a doação. Aqui mesmo
perto de casa, todos os dias vejo uma senhora que deve ter 80 anos, a empurrar o
seu filho maduro em uma cadeira de rodas pela calçada da
praia.
Ela
segue curvada, silenciosa empurrando a cadeira de rodas entre buracos e
obstáculos. O filho velho acha tão natural o esforço da mãe, que está sempre a
sorrir olhando o oceano. Essa velhinha- que digo? - essa magnífica senhora
comove a tal ponto, que viro o rosto para o outro lado, para o mar, como a me
dizer eu não posso vê-la, não posso, nem devo, porque não conseguirei segurar a
frase:
-- Minha
senhora, por favor, de onde retira tanta força? Me dê o seu
lugar...
E
sei que se assim eu fizesse, eu a incomodaria, porque é próprio dos heróis a
discrição, o anonimato.
Sei
que muita gente há de estranhar o sentido que extraio para heroína, herói. Para
um quadro de amor do cotidiano, chamar uma velhinha de heroína parece exagero e
inadequado. Pois o dicionário Aulete nos fala que herói é:
Homem
notável por sua coragem, feitos incríveis, generosidade e altruísmo... Ver
semideus.
Já
o Houaiss delimita:
Filho da união de um deus ou uma deusa com um
ser humano; semideus .. indivíduo capaz de suportar exemplarmente uma sorte
incomum (p.ex., infortúnios, sofrimentos) ou que arrisca a vida pelo dever ou em
benefício de outrem.
Suportar
uma sorte incomum... o que os dicionários registram está mais para mitologia e
extraordinários, para indivíduos raros, distantes todos de todas as tardes na
praia. Se mantenho o sangue-frio, digo que herói nessas definições é um conceito
miserável de conteúdo de vida.
Enquanto
escrevo não me sai da cabeça o Noturno número 5 de Chopin para a visão dessa
senhora a carregar o filho velho na praia.
E
a música toca para a sua penitência oculta e contente. Não lhe tirem o fardo!
ela não quer. Então eu sei que sem
humanidade é um conceito de herói que não fala da entrega pessoal, de todos os
dias, em silêncio, para que outros tenham a felicidade. Pois a sua, a desta
senhora, é carregar o seu doce e suave fardo. Somente Chopin lhe fala, porque
toca para que ela deslize entre pedras a carregar o maduro ex-feto, que não
ganha independência, porque depende das velhas mãos. E tudo sem clarins ou
trombetas.
Então
me vem uma certa mulher do meu próximo romance, “O filho renegado de Deus”. Nele há uma
página em que a personagem Maria consola o filho menino, que sofria ao ver a
namorada sair com outros meninos:
Ela lhe
tocou nos cabelos e lhe deu um magnífico lanche de pão com açúcar. Assim mesmo,
um sanduíche de bolachão aberto com açúcar espalhado dentro, logo ela, que o
corrigia sempre quando ele reclamava do café aguado, “o seu pai não é
usineiro”.
Sim,
mas para matar a dor a mãe era dona de usina, uma usineira próspera, e pouco lhe
importava que mais tarde o café fosse mais amargo.
-
Tome, foi feitinho agora pra você .
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Enviado
por Direto
da Redação
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