quinta-feira, 20 de junho de 2013

A direita nos protestos

Já na Av. Paulista...

Publicado em 20/06/2013 por Urariano Motta [*]

Recife (PE) - No momento em que esta coluna entra no ar, o trânsito no centro do Recife está parado. Os jovens nas ruas em manifestações de protesto viraram o maior carnaval fora de época em Pernambuco. A parada geral recebeu a providencial força de uma greve de motoristas de ônibus em toda região metropolitana. Natural e coerente, pois o protesto é contra o aumento das passagens, não? Não. É contra tudo. E, justiça seja feita, o mundo todo, tudo da terra aos céus precisa de mudanças, do campo à cidade, das mulheres aos homens, das crianças aos jovens, do povo ao povo. Tudo precisa de mudanças reais, radicais e na maior urgência. Pelas trombetas de toda a imprensa, tudo tem que ser agora, a hora é esta. “Vem para a rua” virou um grito de oprimidos sob o patrocínio do capitalismo.

Isso longe está de ser um fenômeno do acaso, uma aparição marginal à lógica do tempo. Se só víssemos a realidade com os olhos de hoje, seria inexplicável notar que toda a mídia esteja unida na divulgação e no apoio aos jovens nas ruas. No rádio, jornais, revistas e televisão, os caras são a juventude revoltada. Projeta-se até mesmo uma telenovela com os novos heróis, numa assimilação rápida do instante presente, numa criação inédita, pois nenhuma arte fez isso até hoje. O sistema é esperto e multiforme. Há até quem diga que a depredação de bancas de revista e lojas será um ótimo negócio para os bancos: os pequenos empresários, falidos, procurarão empréstimos a qualquer taxa de juros.

O protesto virou um happening. É a maior festa do Face. Um evento de sucesso. Mas a “juventude indignada” é mais que um movimento nascido no Facebook. Além de ser o que dele falam alguns sociólogos, quando o veem como resultado das condições sociais e econômicas do Brasil, os protestos nas ruas parecem ser, de imediato, um acúmulo da doutrinação da mídia que, à semelhança de música do hit parade, martelou denúncias diárias e frequentes do mensalão, na fúria contra os governos Lula e Dilma. Ele, o espantalho Lula/Dilma, com as suas bolsas-família, perdão, bolsa-esmola e prounis, ameaçou diminuir o poder secular da elite brasileira. Mas como pode um protesto de jovens ser conservador, pois tudo que é jovem é novo e belo, pois não? Como poderia um protesto contra o mundo se voltar contra governos à esquerda?

Pois sim. Em São Paulo, militantes de partidos políticos foram expulsos do ato na Praça da Sé. Mais, em maioria, os jovens nas ruas negam a existência de partidos políticos, quero dizer, negam o direito à existência dessas legítimas expressões da democracia. Em seu lugar, nas ruas levantam bandeiras e lemas velhos, desde a Itália e Alemanha dos anos 30: falam em “nação”, em “pátria”, quando mais próprio deveriam falar no fascínio do fascismo sobre as suas cabecinhas. O movimento, aqui e ali, tem se transformado em algo sujo e excludente, que todos conhecemos como a direita. Em página do Facebook, as múmias da ditadura aproveitam e criam um Golpe Militar 2014, com quase 5.000 pessoas. É essa a primavera brasileira?

Alegam, os velhinhos à moda paizão, que isso é a minoria, que tais ocorrências não refletem o caráter dessa coisa nova, linda e inexplicável de um movimento de massa independente. Então, como assimilar jovens universitários com bandeiras do gênero “Foda-se o Brasil”? Seria isso a revolta justa de alguém excluído dos benefícios dos últimos governos? Um programa de construção para a identidade nacional? Ou será algo mais próximo de velhíssimos fascistas que sobrevivem em peles de pouca idade, malhadas, dos grupos neonazistas ou alienados em geral que se referem a nordestinos como os mendigos do Bolsa Família? Mas isso é um fenômeno marginal, fala-se, em um movimento de mais de 100 mil em passeata, em multidões de Galo da Madrugada em pacífica reivindicação.

Sim, com tais extremos, é minoritária a expressão do fascio. Mas há uma imensa massa despolitizada onde tais apelos impressionam. Numa pesquisa empírica, que os órgãos de melhor método poderão confirmar, perguntem aos revoltados da hora quais os problemas do Brasil. A maioria vai declarar que o maior deles é a corrupção. Em cartazes, todos vemos nas passeatas “Cadê a Dilma da guerrilha?”. Vídeos no YouTube com falas de carinhas moças chamam para as ruas com “Vamos parar a roubalheira do governo... Vamos parar com essa palhaçada do governo do Brasil... O Inimigo é o Governo”.  

A terra é fértil para a pregação de coisas antigas em rostinhos e corpos jovens. Esse é o dado novo, que se desconfiávamos não adivinhávamos. O gigante acordou, o gigante de nossas consciências acordou. Chega de afagos demagógicos.
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Urariano Motta [*] é natural de Água Fria, subúrbio da zona norte do Recife. Escritor e jornalista, publicou contos em Movimento, Opinião, Escrita, Ficção e outros periódicos de oposição à ditadura. Atualmente é colunista do Direto da Redação e colaborador do Observatório da Imprensa. As revistas Carta Capital, Fórum e Continente também já veicularam seus textos. Autor de Soledad no Recife (Boitempo, 2009) sobre a passagem da militante paraguaia Soledad Barret pelo Recife, em 1973, e Os corações futuristas(Recife, Bagaço, 1997). Este ano lançou o romance O filho renegado de Deus (Recife-Bertrand-Brasil, 2013).


Enviado por Direto da Redação

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