14/6/2013, Violet Blue,
Zero Day
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Entreouvido
na Vila Vudu:
A Nêga Bu, nossa companheira de faxina, comprou uma calça colante
roxo-fulgurante com lantejoulas, pela Internet. Agora, quando ela procura
notícias sobre “Polícia do PSDB espanca manifestantes na Av. Paulista”, a
primeira coisa que aparece no Google dela é... publicidade de lojas online
que vendem calças com e sem lantejoulas! Todos os dias, toda hora, até em página
de jornal do Hezbollah! “Malditos capitalistas! Eles espionam até as minhas
lantejoulas! Tá provado: o capital nunca dorme” – concluiu nossa neguinha Bu,
comunista.
Violet Blue |
Um
executivo da indústria da publicidade online, com 20 anos de experiência,
diz que as estratégias de marketing da publicidade digital ensinam a
recolher informações de usuários da internet para usá-los em publicidade dirigida.
Isso , diz ele, explica por que o público norte-americano já
aceita sem protestar o aparato de vigilância e os programas que recolhem dados
de usuários da internet – especificamente o programa PRISM, da Agência de
Segurança Nacional dos EUA.
O
diretor de estratégias da Digital Net
Agency, Skip Graham, acredita que a indústria da publicidade é cúmplice no
processo de abrir caminho para que os norte-americanos aceitem programas como
PRISM, uma vez que, há anos, a publicidade encarregou-se de “suavizar” o ponto
de vista dos consumidores sobre questões de privacidade – “ensinando” o público
a ser menos reservado na distribuição de informação pessoal online.
Essa
semana, Graham escreveu à nossa rede ZDNet, por
e-mail:
Skip Graham |
O
modo como a indústria da publicidade online opera parece não ter qualquer
correlação com os esforços do governo dos EUA para espionar os cidadãos – mas...
será que não há aí uma correlação forte? Quantos, dos dados que hoje estão sendo
recolhidos pela Agência de Segurança Nacional dos EUA, não foram encontrados
principalmente porque nós ensinamos aos consumidores que não haveria problema
algum em recolhermos e armazenar aqueles dados, para nosso uso? Temo que, se
alguém começar a pensar, descobrirá exatamente isso.
Domingo passado, depois que se
divulgou o vídeo com a entrevista ao vivo de Edward Snowden,
Graham escreveu, numa
grande lista fechada da indústria de publicidade online, denunciando sua
própria indústria como cúmplice do escândalo na espionagem da Agência de
Segurança Nacional dos EUA, porque essa indústria “adestrou” os consumidores,
ensinando-os a considerar segura, possível, inevitável, até benéfica e
interessante, a coleta de dados pessoais sigilosos, por empresas privadas.
Não
é segredo que a indústria da publicidade & marketing é mestre em
técnicas de propaganda (e sabem que são). Graham responsabilizou diretamente
seus pares da indústria da publicidade, declarando-os culpados do pior que
poderia acontecer aos cidadãos norte-americanos e a todos os consumidores em
todo o mundo:
Não
acredito que a Agência de Segurança Nacional e o governo dos EUA se tenham posto
tão descaradamente a fazer o que fazem, sem temer violar direitos
constitucionais, literalmente por anos a fio, se, antes deles, as melhores
cabeças do marketing não se
tivessem encarregado de convencer os consumidores de que seria “natural”
empresas privadas recolherem dados privados das pessoas, e que poderiam fazê-lo
sem qualquer restrição.
Fomos
os primeiros a dizer ao público consumidor que não havia por que se preocupar,
que todos tivessem fé e confiassem cegamente. Nós esculpimos os argumentos,
modelamos as opiniões, calamos os céticos.
Endereço
grátis de e-mail – em troca de publicidade dirigida
A
indústria da publicidade, Graham insiste, ao mesmo tempo ampliou os limites da
aceitação pelo público consumidor; e engordou os arquivos de dados de
consumidores fornecidos pelas empresas à Agência de Segurança Nacional.
Perguntado
especificamente sobre como a admissibilidade da coleta de dados e informações
privadas foi sendo “vendida” aos consumidores, tornando-os cada dia mais
tolerantes, Graham explicou a evolução de uma bem-sucedida relação com os
clientes, dependente de uma série de palavras-chaves, mediante as quais foi
possível descobrir gostos, interesses e rejeições individuais dos clientes.
Daí,
as coisas passaram ao nível seguinte, disse ele,
(...)
com o advento do serviço de e-mails gratuitos da empresa Gmail.
Quem solicitasse recebia um endereço gratuito, em troca de a empresa Google
poder monitorar o conteúdo de sua correspondência, o que permitiu à empresa
dirigir publicidade relevante para a interface de correio.
De
início, a reação do público foi extremamente negativa, rejeitando a intrusão.
Fui dos que apoiamos pessoalmente as atividades da empresa Google, e, isso,
baseados numa simples premissa: é serviço gratuito, ninguém é obrigado a
servir-se dele.
Além
disso, entendi que o modelo de negócio da empresa Google visava a conseguir que
os consumidores se sentissem confortáveis com o modo como a empresa usa os dados
pessoais de cada um. Esse seria um forte incentivo para que a empresa se
autorregulasse adequadamente. Mas a ideia de que “há alguém lendo seus e-mails” continuava a ser ideia
absolutamente não americana.
Graham
explicou que o desafio, então, passou a ser guiar os consumidores para que
superassem quaisquer hesitações que restassem em relação à ideia de que empresas
privadas, como a Google, estariam lendo as mensagens pessoais privadas de cada
um. O consumidor tinha de sentir-se seguro, mesmo sob essas circunstâncias.
Para
que as pessoas se sentissem confortáveis com essa ideia –
disse ele – seria indispensável informar
sobre como os dados, de fato, eram recolhidos e analisados.
Um
novo exemplo da busca por meios pelos quais “selecionar” os dados de perfil dos
usuários, usando palavras chaves – reforçando a ideia de que o usuário
“consente” – é a nova implementação da #hashtag, pela empresa Facebook.
Publicidade
como vigilância menos invasiva
Na
5ª-feira, Facebook anunciou que
acrescentará a ferramenta #hashtag, a ser usada de modo semelhante ao que faz a
empresa Twitter, como mecanismo para
busca por palavras.
Matthew Linley |
Mas o raciocínio que subjaz à nova
ferramenta é bem mais complexo do que facilitar a conversação entre pessoas
polidas. No artigo “Facebook
Hashtags Have More To Do With Ad Targeting Than Twitter” [As hashtags de Facebook têm mais a ver com publicidade
dirigida que as do Twitter], Matthew
Linley, de Buzzfeed, explicou:
Na
superfície, as hashtags ajudarão os usuários de Facebook a
participar de”‘discussões públicas” (...). Mais importante que isso, as
hashtags são instrumentos menos invasivos, para que
os anunciantes sirvam-se da plataforma Facebook.
De
fato: são meio menos invasivo; e ajudam muito a recolher dados dos usuários! No
que isso tem a ver com o programa de coleta de dados PRISM, da Agência de
Segurança Nacional – “interceptação legal” – de empresas como Google e Facebook, Graham disse à nossa rede
ZDNet:
Acho
também muito importante entender que tudo isso É violação dos direitos
constitucionais de todos.
A
única defesa que se sustenta, de que essas atividades da Agência de Segurança
Nacional não sejam invasão ilegal de privacidade de todos os cidadãos dos EUA é
que os “dados” assim coletados estão sendo armazenados, mas não estão sendo
analisados e, portanto, nenhuma “privacidade” está sendo violada. Também é
verdade que os dados estão sendo recolhidos mediante processo legal, aprovado
por tribunais.
Mas
o problema é que esses tribunais e todo o processo são secretos. Isso significa
que tudo está sendo feito, de fato, à margem do processo democrático. Questão
dessa importância deve ser discutida pelos cidadãos e regulada por lei, em
processo judicial aberto, público. Como são feitas as coisas hoje, só burocratas
decidem, usando ordens secretas do Executivo como única orientação. Isso tem de
parar.
Steve Hall |
No
que Steve Hall (Adrants) descreveu como “momento crise de consciência”, Graham
disse a colegas de todo o espectro da indústria da publicidade, que eles têm de
repensar tudo:
Durante
anos, como marketeiros da publicidade digital, criamos sistemas
que reúnem quantidades astronômicas de dados pessoais, ao mesmo tempo em que
dizíamos aos consumidores que eles nada tinham a temer do que nós fazíamos.
Dissemos a eles que, apesar de, na essência, estarmos espionando tudo que eles
faziam e tomando decisões calculadas para manipular as decisões dos consumidores
baseados, nós, nas informações que reuníamos, sempre seria bom para eles e que
eles continuavam a ter preservado seu anonimato e, portanto, a privacidade deles
não estaria ameaçada.
E
continuamos a repetir isso, embora qualquer mínimo esforço para analisar as
coisas com perspectiva de futuro já bastasse para nos mostrar que a privacidade
dos consumidores estava sendo, isso sim, mortalmente
ameaçada.
Graham
ainda acredita que sua indústria da publicidade fez da internet um lugar melhor
para todos, mas fato é que o negócio de oferecer serviços de internet em troca
de recolher informações pessoais dos usuários põe a indústria perigosamente
muito próxima das práticas e atividades da Agência de Segurança Nacional dos
EUA.
Graham
disse à nossa rede ZDNet que:
Eu
e muitos na nossa indústria acreditávamos que nosso processo de monitorar,
preservando o anonimato, arquivar e revisar as atividades das pessoas
exclusivamente por computadores havia produzido uma experiência em geral melhor
para o consumidor e para a indústria. Ainda acredito nisso.
Mas,
ao longo daquele processo, tivemos de repetidas vezes defender o que fazíamos,
contra acusações de invasão de privacidade, por organizações e grupos de defesa
dos direitos dos cidadãos.
Hoje,
minha avaliação é que os nossos repetidos esforços para explicar como o processo
de coleta e armazenamento de dados poderia ser feito sem violar a privacidade do
consumidor levou a um efeito não desejado: criamos um ambiente no qual o
consumidor foi várias vezes tranquilizado, por empresas privadas, fora do
governo, de que a coleta de dados sobre ações e atividades pessoais poderia ser
feita sem invasão indevida da privacidade.
Convencemos
a opinião pública de que as pessoas estariam seguras, que bastaria a
autorregulação, que nenhuma lei faria melhor. Hoje, a Agência de Segurança
Nacional e o governo Obama estão usando precisamente o mesmo
argumento.
Quando
perguntei se a indústria da publicidade & marketing poderia corrigir
o próprio curso, Graham mostrou-se otimista, mas não mudou o
discurso:
Acho,
primeiro, que a indústria terá de aceitar o fato de que teremos de fazer alguma
forte distinção entre o que nós fazemos e o que o governo está tentando fazer.
É
uma distinção que a maioria, no nosso espaço, não quererá fazer, porque não
querem nem pensar em qualquer correlação entre esses dois campos. Passamos anos
tentando fazer o consumidor aceitar que nos preocupávamos com ele, que não
queríamos causar-lhe nenhum dano e que nossas atividades criariam um benefício.
A
última coisa que alguém deseja é nos ver diretamente associados ao que, como
muitos já vêm, pode ser a maior agressão, em toda a nossa geração, às nossas
liberdades individuais.
Acho
que é responsabilidade da indústria privada e das organizações que coletam dados
sobre os indivíduos demarcar claramente uma diferença entre o que nós fazemos e
o que o governo está fazendo. É o que estou fazendo
aqui.
O
lado obscuro da moderna tecnologia é uma “corrida armamentista” para ver quem
coleta mais e melhores dados: os chamados registros de dados de “people finder”, a indústria de
publicidade & marketing, os spammers, empresas privadas
(como Google e Facebook) e o governo dos EUA, todos
empenhados num mesmo frenesi para coletar a maior quantidade possível de dados
pessoais e privados, da maior quantidade possível de pessoas – no limite da lei
e, às vezes, bem além do que a lei permite fazer.
Até
parece boa ideia dizer às pessoas que ninguém teria nada a reclamar de algo que
lhe seja dado gratuitamente, e que qualquer consumidor pode simplesmente
escolher não usar e-mail, Facebook, ou o buscador internet, se
decidir não usá-los, se não quiser ter seus dados monitorados, armazenados,
analisados e, potencialmente, usados contra ele mesmo ou contra outros, sem seu
consentimento...
Mas
a verdade é que esse argumento fica reduzido a zero, ante a realidade do dia a
dia, por um lado; e, por outro, ante os tribunais secretos da Agência de
Segurança Nacional.
Não
há exemplo mais claro, para demonstrar que nem o mais esperto, o mais ilustrado,
o mais bem informado dos consumidores tem sequer uma pálida ideia do que
realmente está entregando, quando decide usar o que lhe seja oferecido por Apple, Skype, Facebook ou Google. E não faltam interessados em
tirar a máxima vantagem de tudo que consigam arrancar de cada um de nós.
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