5/6/2013, Pepe Escobar, Asia
Times Online - The Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Pepe Escobar |
Políticos
ocidentais têm derramado barris de lágrimas de crocodilo por conta do “povo
sírio” e congratulam-se, eles com eles mesmos, no que chamam de “os Amigos da
Síria”, reunidos para salvar das garras da “tirania” o povo sírio.
OK,
OK. Agora, o povo sírio falou: cerca de 70% do povo sírio apóia o governo de
Bashar al-Assad; 20% são
neutros; e só 10% alinham-se com os “rebeldes” apoiados pelo ocidente e entre os
quais estão os que sequestram, devoram o fígado (talvez o pulmão) e degolam, do
ramo jihadi.
Os
dados foram organizados e distribuídos por organização de socorro humanitário
que está trabalhando na Síria. A OTAN (Organização do Tratado do Atlântico
Norte) recebeu relatório detalhado, no final de maio; e não manifestou qualquer
pressa para divulgar dado algum.
Como
nosso Asia Times
Online vem repetindo
há meses, empresários e comerciantes sunitas em Damasco e Aleppo são ou
neutros ou pró-Assad. E para muitos sunitas as gangues de mercenários
estrangeiros armados pelo Qatar e pela Casa de Saud parecem muito mais
repelentes que Assad.
Simultaneamente,
na Grã-Bretanha – onde não há o que tire da cabeça de David “das Arábias” Cameron a ideia de impor uma zona
aérea de exclusão para proteger “o povo sírio” – só 24% dos britânicos apóiam a
ideia de armar ainda mais os “rebeldes” (embora 58% sejam favoráveis ao envio de
ajuda humanitária).
Sheikh Yusuf al-Qaradawi |
E
num comício em Doha, Sheikh
Yusuf
al-Qaradawi –
ícone da Fraternidade Muçulmana e estrela da rede al-Jazeera – que atualmente está pregando na
mesquita Al-Azhar no Cairo, ordenou a todos os muçulmanos sunitas uma
jihad contra Damasco. Para ele, o Hezbollah
é “o partido de Satã”. E condenou o Irã por “enviar armas e homens para apoiar o
regime sírio”. Ordenou, de fato, uma jihad de muçulmanos contra muçulmanos
(embora tenha insistido que combater o Hezbollah não é “combater todos os
xiitas”).
Mas
fato é que al-Qaradawi disse
que: “Como 100 milhões de xiitas
derrotariam 1,7 bilhão de sunitas? Só derrotarão, se os sunitas forem
fracos”. Disse, pois, bem claramente, que “os xiitas são o inimigo”.
Tudo isso considerado, quem
estaria interessado, remotamente que fosse, em conhecer o que pensa o “povo
sírio”? Os “Amigos da Síria”
ocidentais jamais encontrariam coalizão de vontades mais desejantes que as deles
mesmos para fazer o de sempre, Gambito do Dividir para Governar: promover a
divisão e a guerra entre sunitas e xiitas. É sempre útil ter à mão as petromonarquias
disfuncionais do Conselho de Cooperação do Golfo, para
apresentá-las como “libertadoras”.–
E assim o ocidente pode outra vez fazer mais uma guerra por procuração e
“liderar pela retaguarda”.
FURO! |
Em
outras palavras de noticiário... Onde está Evelyn
Waugh quando se precisa dele? É seu
romance Furo!, [1]
de
cabo a rabo, tudo outra vez: a Síria entrou no lugar daquela “promissora” guerra
na República Africana de Ishmaelia. E todas as redações do mundo ocidental já
são versão
remix da redação de A besta diária
[2]
e
vivem de proclamar que Assad cairá imediatamente, porque... Ora, por quê?!
Porque estamos do lado dos “rebeldes”, nós decidimos que a taça é deles e
ninguém tasca.
Malditos
mísseis infiéis
No
pé em que estão as coisas, as negociações chamadas “Genebra 2” já estão é bem enterradas sob
sete palmos (embora Washington e Moscou estejam reunidas hoje para definir a
agenda e o quadro das conversações).
A
União Europeia levantou o embargo de armas para a Síria – movimento que, na
essência, nunca passou de delírio franco-britânico, que subiu às cabeças de
membros relutantes da União Europeia. E seria delírio de quem, se não de
França e Grã-Bretanha, é claro, as duas ex-potências imperiais que há quase um
século riscaram uma linha na areia para partilhar entre elas o Levante; e que,
agora, querem um redesenho.
Na
prática, tudo isso significa que a União Europeia declarou guerra a Damasco.
Isso, ou mais ou menos isso. Nos termos do acordo da União Europeia, nada de
armar rebelde algum antes do outono. E o duo beligerante
franco-britânico tem de assegurar que as armas sejam usadas exclusivamente para
proteger civis. E quem supervisionará a coisa toda? Um punhado de burocratas de
Bruxelas metidos em uniformes camuflados? OK. Sendo preciso, podem reverter à
operação padrão e pedir ajuda aos norte-americanos. Todos os grãos de areia no
Levante sabem que a CIA está “ajudando” Qatar e Arábia Saudita no serviço de
armar os “rebeldes”.
E
há também a nítida probabilidade de que a Grã-Bretanha esteja atuando, mais uma
vez, como 5ª Coluna norte-americana dentro da União Europeia, pavimentando a
estrada para uma possível intervenção do governo Obama, à moda “todas as opções
estão sobre a mesa”.
O
presidente russo Vladimir Putin
não perdeu um segundo para empurrar EUA e União Europeia num cheque-mate. Sim,
aqueles famosos sistemas de mísseis S-300 chegarão a Damasco, e sem demora. O
vice-ministro russo de Relações Exteriores, Sergei Ryabkov, disse que os mísseis
são fator de estabilização na Síria, para dissuadir esquemas inventados por
“cabeças quentes”. Disse também – acertadamente – que a União Europeia talvez já
tenha bombardeado as planejadas conversações de Genebra.
Anatoli Kornukov |
O ex-general da Força Aérea russa,
Anatoli Kornukov disse a rede Interfax-AVN Online que Damasco precisará de, pelo
menos, 10 baterias de sistemas de mísseis S-300 de defesa aérea para proteger
todo o território nacional em caso de ataque pela OTAN.
[3]
Nesse
caso, nenhum tipo de zona aérea de exclusão – sonho molhado franco-britânico –
será implantada por ali.
Cada
sistema de mísseis S-300 terra-ar é constituído
de um posto de comando equipado com radar e até seis mísseis 5Zh15. Basta um mês
para treinar soldados e oficiais sírios para operar os sistemas. Kornukov
observou também que “nossos sistemas podem ser deslocados em cinco minutos”. É
quase impossível localizá-los.Vídeo a seguir:
E
agora? O que os “Amigos da Síria” pensam fazer sobre isso? Convocar outra reunião? É hora de al-Qaradawi correr
até a al-Jazeera, dar um upgrade na jihad dele
e incluir nela os mísseis russos (afinal... São mísseis infiéis!). Por que não
dá o exemplo, ele mesmo, e se oferece como voluntário para a linha de frente?
Notas dos
tradutores
[1] Scoop [Furo!] é romance de Evelyn
Waught, de 1938, afamado como “a obra-prima da literatura de sátira do mundo das
redações de jornal nos EUA”. Há edição brasileira, da Cia das Letras (esgotada
na editora, mas pode ser encontrada – usada- no Mercado
Livre ) e há
boa matéria de Thomas Jones sobre o livro no New York Times em: The
Great Fleet Street Novel
[2] Orig. Daily Beast: título do jornal londrino que envia um correspondente para New York, no romance “Furo!”, de Waught.
[3] Observação: Os vídeos (em inglês)
sobre armamentos russos vendidos à Síria foram extraídos do Blog Informed Comment, de Juan
Cole, e inseridos nesta postagem pelo editor da
redecastorphoto.
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