O mais recente esforço para desviar a atenção das revelações sobre espionagem é
o mais absurdo de todos, até aqui
13/7/2013, Glenn
Greenwald, The Guardian, UK
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Comentário ouvido na padaria: A Reuters é como o “slogan” da CBN aqui do Brasil que
diz: CBN, A RÁDIO QUE TROCA NOTÍCIA...
Glenn Greenwald |
Quando se dá muitas entrevistas em
diferentes países e diz-se essencialmente a mesma coisa repetidas vezes, como
eu, os veículos quase sempre se dedicam a reembalar aquela mesma coisa, para que
a entrevista que publicam dê a impressão de conter novidades, mesmo que não
traga novidade alguma. É o caso do artigo
da Reuters, hoje que pretende resumir minha entrevista
(em espanhol) ao jornal argentino La Nación.
Como
tudo que tenha a ver com os vazamentos da Agência de Segurança Nacional dos EUA,
essa entrevista também está sendo ferozmente distorcida, para desviar a atenção
das revelações propriamente ditas. Tudo é reescrito para atacar Edward Snowden
e, secundariamente, para me atacar pessoalmente, por estarmos, supostamente,
“chantageando” e “ameaçando” o governo dos EUA. Absurdo.
Que Snowden criou uma espécie de
“conexão do homem morto” – para que documentos sejam divulgados no caso de ele
ser assassinado pelo governo dos EUA – já havia sido noticiado
há várias semanas e o próprio Snowden já várias
vezes sugeriu fortemente que fizera, sim, exatamente isso. Não significa que ele
pense que os EUA estejam tentando assassiná-lo – e ele não pensa – apenas que
tomou precauções contra inúmeras eventualidades, inclusive essa (afinal, é
perfeitamente razoável preparar-se para essa eventualidade, se se está
enfrentando não qualquer inimigo mas, precisamente, o governo que passou a
última década invadindo, bombardeando, torturando, “entregando” prisioneiros a
torturadores em prisões estrangeiras, sequestrando, encarcerando sem acusação
formalizada, assassinando “à distância” com drones, apoiando e
financiando os piores ditadores e assassinos, e matando seus próprios cidadãos
em golpes de assassinato pré-definidos).
Edward Snowden |
Eis
o que eu disse na entrevista ao jornal La Nacion – afirmações verdadeiras
e nenhuma das quais, nem remotamente, teria algo a ver com ameaçar alguém:
1 - O argumento sempre repetido de que Snowden teria
a intenção de ferir os EUA é absolutamente desmentido pelo fato de que ele tem,
sim, todos os tipos de documentos que mais rapidamente e mais seriamente podem
hoje causar dano aos EUA, se divulgados. E não publicou nenhum desses
documentos. Quando nos entregou os documentos que entregou, Snowden várias
vezes repetiu que aplicássemos a eles o nosso mais rigoroso critério de
avaliação jornalística, para decidirmos que documentos deveriam ser publicados,
com vistas a atender ao interesse público; e quais deveriam ser escondidos, sob
o argumento de que o dano gerado pela publicação ultrapassaria o valor público
que tivessem.
Se
Snowden visasse a causar dano aos EUA, poderia já ter vendido todos os
documentos, por quantia astronômica de dinheiro, ou já os teria divulgado
indiscriminadamente, ou os teria entregado a inimigo estrangeiro. E não fez nada
disso..
Snowden
examinou cuidadosamente cada um dos documentos que nos entregou e ainda, depois
disso, pediu que só se publicassem os que pudessem ser publicados sem causar
nenhum dano desnecessário a quem quer que fosse: o mesmo critério que todos os
veículos de imprensa comercial e whistleblowers usam sempre. A ampla
maioria das revelações já feitas são um sinal de alerta, um “apitar de
consciência”, para alertar contra a vigilância secreta e total, sobre todos nós,
que o governo dos EUA estruturou e mantém em operação.
O
meu argumento sobre isso, naquela entrevista, era claro, e o repeti várias e
várias vezes: se Snowden quisesse agredir o governo dos EUA, poderia tê-lo feito
facilmente, mas não o fez, o que está bem comprovado – como eu disse na
entrevista – pelo fato de que tem, mas não divulgou, documentos que, sim,
poderiam causar grave dano a inúmeros programas mantidos pelo EUA.
Snowden
não tem qualquer desejo de prejudicar os EUA. O que ele quer é lançar luz sobre
os programas de vigilância, para que o problema possa ser democraticamente
debatido. Por isso, nenhuma das revelações já publicadas pode ser apresentada,
nem de longe, como danosa à segurança nacional dos EUA ou à reputação e
credibilidade de funcionários dos EUA que fizeram aquelas coisas e, na
sequência, mentiram sobre elas.
Edward Snowden pede asilo político a Russia |
2- O
governo dos EUA está agindo sob o ímpeto da mais feroz irracionalidade.
A
crítica mais recente é que Snowden está na Rússia, não em outro país “neutro”.
Mas Snowden não está na Rússia porque tenha escolhido o país. Só está lá porque
os EUA o impediram de sair: primeiro, lhe caçaram o passaporte (sem qualquer
devido processo legal ou sentença); depois, pressionaram países aliados para que
lhe negassem direito de voar em espaço aéreo territorial daqueles países
(chegando ao cúmulo de forçar o pouso de avião presidencial no qual viajava
presidente democraticamente eleito de um estado soberano, apenas porque havia a
suspeita de que Snowden estivesse a bordo); depois, forçaram pequenos países a
impedir que o avião pousasse para reabastecer.
Dada
a quantidade extraordinária de documentos que Snowden carrega com ele e a
gravidade de muitos daqueles documentos, eu disse, naquela entrevista, que me
parecia inacreditavelmente ridículo que o governo dos EUA tivesse praticamente
obrigado Snowden a permanecer na Rússia – o que faz sentido-zero, se se pensa
nos documentos que Snowden carrega.
Países colonizados pelos EUA cederam à pressão norte-americana e ensejaram protestos dos bolivianos em em frente às suas embaixadas |
3- Perguntaram-se se eu imaginava que o governo dos EUA empreenderia algum tipo de
ataque físico contra Snowden, caso tentasse viajar para a América Latina, ou,
mesmo, que os EUA iriam ao ponto de derrubar o avião em que ele viajasse. Foi
quando eu disse que nada seria tão completamente contraproducente, uma vez que –
como vários jornais e blogs já haviam noticiado – qualquer ataque desse tipo
imediatamente dispararia uma avalanche de revelações, porque nos liberaria, a
nós, jornalistas, de ter de examinar cada documento e decidir responsavelmente,
como sempre fizemos até agora.
E
eu disse também, naquela entrevista, que o governo dos EUA deveria, isso sim,
rezar e pedir a Deus pela segurança de Snowden, em vez de porem-se a ameaçá-lo
ou tentar agredi-lo ou feri-lo.
Nada
disso tem qualquer coisa a ver comigo: não tenho acesso aos documentos do
“seguro” de Snowden e não tenho papel algum no plano que ele construiu para se
proteger. Reporto os documentos que ele diz que tem as precauções que disse que
tomou pra proteger-se contra ameaça que ele pressente contra seu bem-estar. Isso
não implica qualquer ameaça. São fatos. Lamento se não agradam a todos, mas nem
por isso deixam de ser fatos.
Daniel Ellsberg |
Antes de a identidade de Snowden
ser revelada como “apitador de consciência” [orig. whistleblower], escrevi:
Desde
que o governo Nixon invadiu o consultório do psicanalista de Daniel Ellsberg, a
tática do governo dos EUA sempre tem sido atacar e demonizar os “apitadores de
consciência”, como artifício para distrair a atenção do que eles expunham de mal
feitos do próprio governo, e para destruir a credibilidade do mensageiro, para
que as pessoas deixassem de dar atenção à mensagem. O que se vê hoje, no caso de
Snowden é, só, repetição da mesma tática.
E é o que é: mais um esforço para
distrair a atenção, para que ninguém se atenha à substância das revelações.
(Hoje, Melissa Harris-Parry, âncora do no noticiário matinal na rede MSNBC
culpou Snowden pelo fato de a mídia estar dando
mais atenção a ele do que às revelações sobre a Agência de Segurança Nacional
dos EUA:como se ela não tivesse programa
seu, que vai ao ar duas vezes na semana, no qual poderia falar o quanto quisesse
sobre as revelações que diz considerar tão importantes.
Comparem-se
(a) a atenção que tem sido dada ao
drama do asilo de Snowden e a alegados traços de caráter, e (b) a atenção dada à substância das
revelações sobre espionagem em massa, indiscriminada, pela Agência de Segurança
Nacional dos EUA.
Ou
comparem-se (a) as repetidas
manifestações em órgãos da imprensa norte-americana, no sentido de que Snowden
(e outros que estão trabalhando para denunciar a espionagem em massa na Agência
de Segurança Nacional) sejam tratados como criminosos, e (b) a virtualmente nenhuma
manifestação, na mídia dos EUA, no sentido de que o diretor da Inteligência
Nacional, James Clapper, seja tratado como criminoso por mentir ao Congresso.
A
invenção de alguma nova “ameaça” é, só, mais um esforço para falar de qualquer
coisa, exceto as revelações de que o governo dos EUA mente ao Congresso e de que
a Agência de Segurança Nacional dos EUA, apoiada em premissas muito duvidosas do
ponto de vista da legalidade, espiona todos os cidadãos norte-americanos (além
de espionar o resto do mundo).
Falguni Sheth |
Ontem era outra coisa, amanhã
inventarão uma terceira, quarta coisa. Como já disse nessa entrevista
a Falguni Sheth publicada hoje em
Salon, é atitude típica dos EUA: no resto
do mundo mídia e analistas focam-se no conteúdo das revelações; nos EUA, os
jornalistas e especialistas midiáticos mantêm-se obcecadamente a falar de
qualquer coisa, exceto do conteúdo das revelações.
Haveria
inúmeras vias acessíveis para que Snowden divulgasse os documentos que decidira
divulgar. Ele escolheu a que lhe pareceu mais responsável: procurar jornais e
jornalistas nos quais confiava e cobrar que a divulgação fosse feita com
responsabilidade. O esforço para desmoralizá-lo e apresentá-lo como alguma
espécie de traidor não encontra nenhuma confirmação nos fatos. Toda a entrevista
tratou desse aspecto.
Quem queira saber quem, de fato,
teve comportamento
criminoso e
causou dano
grave aos EUA, não terá dificuldades para
descobrir – e fará trabalho mais
produtivo que o de demonizar quem tanto se arriscou para tocar o apito e alertar
as pessoas contra, precisamente, aqueles crimes. Mas, como já disse, e aqui repito,
nada disso nos impedirá, nem por um momento, de continuar a informar sobre os
muitos casos de espionagem e vigilância interna pela Agência de Segurança
Nacional dos EUA que ainda não vieram a público.
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