A Lei dos
EUA contra Práticas de Corrupção no Estrangeiro
10/8/2013,
Valentin
Katasonov,
Strategic Culture [continuação]
Traduzido
pelo pessoal da Vila Vudu
Leia
antes: 12/8/2013,
redecastorphoto em: “Guerra
à corrupção ou construção de uma Pax Americana? (1/2)” também de Valentin Katasonov
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Exemplos
de ações sob a Lei dos EUA contra Práticas de Corrupção no Estrangeiro [US
Foreign Corrupt Practices Act (FCPA)]: Siemens e Daimler
Até
hoje, a maior investigação promovida sob a Lei dos EUA contra Práticas de
Corrupção no Estrangeiro [US Foreign Corrupt Practices Act (FCPA)] foi o
caso dos alemães com a empresa Siemens. A empresa foi acusada de pagar propina
em vários países, num total de 1,3 bilhão de euros, no período de 1999 a 2006.
De modo especial, vieram à luz naquela investigação denúncias de cumplicidade na
corrupção no Iraque durante a implementação do programa da ONU “Óleo em troca de
comida”, e em outros países (Venezuela, Bangladesh, Argentina, França, Nigéria,
Turquia, Itália, China, Israel, Vietnã, Rússia e México).
No
final de 2008, o Departamento de Justiça e a Comissão de Seguros e Câmbio dos
EUA multaram os alemães em US$ 800 milhões por pagarem propinas pelo mundo. Além
disso, a Siemens foi obrigada a dar acesso livre a um auditor independente, a
todos os documentos solicitados para o inquérito. Deve-se observar que mesmo com
um acordo amigável e compensações multimilionárias, empresas não
norte-americanas sujeitas a ação legal nos termos da Lei dos EUA contra Práticas
de Corrupção no Estrangeiro [US Foreign Corrupt Practices Act (FCPA)]
continuam a ser monitoradas durante vários anos por um auditor independente
especialmente nomeado, quase sempre advogado ou juiz norte-americano. Essa é
mais uma modalidade pela qual os EUA podem imiscuir-se nos negócios de empresas
estrangeiras.
Os
dois principais gerentes da Siemens também foram punidos. Em agosto de 2008,
saiu a primeira sentença contra o primeiro dos acusados, um ex-diretor
responsável pela venda de equipamento médico. Foi condenado a dois anos de
prisão (sentença depois suspensa) e multa de 108 mil euros. Não se encontrou
prova direta de seu envolvimento, mas o acusado confessou. Os dois ex-diretores
da Siemens na mesma época, Heinrich von Pierer e Klaus Kleinfeld, negaram que
soubessem dos pagamentos ilegais. Os diretores foram demitidos: no total, oito
pessoas. Todos tiveram de compensar a empresa pelas perdas (multas que variaram
de 0,5 a 4 milhões de euros).
Heinrich von Pierer (ex-Siemens) |
O
escândalo que envolveu a fabricante alemã de carros, Daimler, resultou em
processo aberto pelo Departamento de Justiça, nos termos da lei FCPA, e
não foi menos espetaculoso. Segundo o Departamento de Justiça dos EUA, a acusada
criou sistema completo para pagar propinas a funcionários públicos em 22 países,
sempre para conseguir contratos lucrativos. O total de propinas pagas no período
1998-2008 foi estimado em US$ 51 milhões. Para conseguir escapar de ter de
comparecer ao tribunal, a Daimler aceitou pagar ao governo dos EUA uma multa de
US$185 milhões, em acordo extrajudicial. Foi também nomeado um juiz
norte-americano para monitorar um amplo programa de reorganização para a
Daimler, em vários campos relacionados às disposições da Lei dos EUA contra
Práticas de Corrupção no Estrangeiro [US Foreign Corrupt Practices Act
(FCPA)], durante os três anos seguintes. E a Corte impôs que a Daimler
tomasse uma série de outras medidas.
Primeiro,
a Daimler teve de reorganizar vários de seus setores e braços de modo a que
obedecessem a lei vigente. Segundo, todos os diretores locais e empregados de
vários setores da empresa passaram a ter de ser aprovados, para admissão, pelo
escritório central da empresa. A Daimler foi obrigada a implementar um programa
internacional expandido de treinamento para seus empregados, incluindo
conferências regulares, seminários e treinamento, além de um sistema pra troca
de informações. Quarto, a Daimler foi obrigada a criar um departamento especial
para fiscalizar a rigorosa adequação de toda a empresa à legislação
anticorrupção.
DAIMLER |
Americanofobia:
A doutrina norte-americana do “mínimo contato”
Vale
a pena observar que inúmeras empresas estrangeiras foram “apertadas” pelas
autoridades dos EUA, porque eram empresas que tinham ações na Bolsa de Valores
de New York. Várias empresas não
residentes reagiram à aplicação rigorosa da Lei dos EUA contra Práticas de
Corrupção no Estrangeiro [US Foreign Corrupt Practices Act (FCPA)],
decidindo abandonar o mercado norte-americano de seguros. Por exemplo, em maio
de 2010 a Daimler anunciou planos para retirar seus seguros da Bolsa de Nova
York. O diretor financeiro da Daimler, Bodo Uebber, explicou que esse passo
visava a reduzir despesas administrativas e simplificar a prestação de contas.
Só pequena parte das ações, aproximadamente 5% do total estava em Nova York (a maior parte de seus seguros
continuava a ser negociado na bolsa de Frankfurt-am-Main). A principal razão
para sair da Bolsa de NY foi o fato de que, não listada ali, a empresa fica
desobrigada de reportar-se à Comissão de Câmbio e Seguros dos EUA.
Bodo Uebber (Daimler) |
Em
abril de 2010, outra empresa alemã, a Deutsche Telekom, também decidiu sair da
Bolsa de Valores de NY. E em fevereiro de 2011, o Procurador Geral em Stuttgart
abriu processos contra a Deutsche Telekom e a Volkswagen. O estado suspeita que
ex-gerentes dessas empresas, que trabalhavam no patrocínio a equipes de futebol,
estariam envolvidos em atos de corrupção. Tudo faz crer que a empresa Deutsche
Telekom tomou medidas preventivas, para também não ter de pagar multas a
autoridades norte-americanas.
Desnecessário
dizer que muitas empresas europeias têm tentado livrar-se dos acionistas
norte-americanos. Se a parte do capital em poder de norte-americanos (pessoas
físicas ou jurídicas) exceder 10% do capital total, a empresa já fica submetida
à Lei dos EUA contra Práticas de Corrupção no Estrangeiro [US Foreign Corrupt
Practices Act (FCPA)]. Bancos europeus também já tomam cuidados extremos na
seleção de clientes: os norte-americanos podem não ter o aceite do banco, para
abrir contas. Mas, nesse caso, o banco europeu expõe-se a incorrer em outros
crimes, previstos em outra lei norte-americana, a FATCA (Foreign
Account Tax Compliance Act). Essa lei, que cria impostos sobre contas
estrangeiras, foi aprovada em 2010 e carrega todos os genes de lei
extraterritorial.
Na
essência, o Serviço de Rendas Internas dos EUA planeja converter todos os bancos
no exterior dos EUA em agentes arrecadadores, punindo os bancos que não exerçam
adequadamente suas funções de agentes de impostos e arrecadação. Um banco
norte-americano pode terminar em situação difícil, acusado de crime, no caso de
um cliente norte-americano não pagar impostos devidos ao Tesouro dos EUA. E ao
mesmo tempo o banco também pode descobrir-se desagradavelmente conectado a
práticas de corrupção, nos termos da Lei dos EUA contra Práticas de Corrupção no
Estrangeiro [US Foreign Corrupt Practices Act (FCPA)].
Especialistas
em Direito chamam essa doutrina de “mínimos contatos”. A essência da doutrina é
que qualquer mínimo, insignificante contato de empresa não norte-americana com
pessoa jurídica ou física norte-americana legal pode levar a empresa não
norte-americana a adquirir o status
de pessoa norte-americana. Ainda não será pessoa física ou jurídica
norte-americana para todos os efeitos, mas já será pessoa legalmente responsável
perante leis norte-americanas como a FATCA ou a Lei dos EUA contra
Práticas de Corrupção no Estrangeiro [US Foreign Corrupt Practices Act
(FCPA)].
A
Lei dos EUA contra Práticas de Corrupção no Estrangeiro [US Foreign Corrupt
Practices Act (FCPA)]: O papel da inteligência
norte-americana
As
principais organizações responsáveis por aplicar a Lei dos EUA contra Práticas
de Corrupção no Estrangeiro são o Departamento de Justiça e a Comissão de Câmbio
e Seguros. Uma das condições para a implementação bem-sucedida da Lei dos EUA
contra Práticas de Corrupção no Estrangeiro [US Foreign Corrupt Practices Act
(FCPA)] é o recebimento, pelas organizações acima citadas de informações que
confirmem o suborno de funcionários estrangeiros por empresas e cidadãos
norte-americanos ou não residentes que tenham relações diretas ou indiretas com
o business norte-americano. Ou, no mínimo, o recebimento de informações
que levantem suspeitas de que houve relações corruptas. Ou, ainda, informação
que confirme a intenção de criar relações corruptas (a Lei dos EUA contra
Práticas de Corrupção no Estrangeiro [US Foreign Corrupt Practices Act
(FCPA)] também pune intenções!).
A
própria investigação da alemã Siemens mostrou que, às vezes, claramente não há
prova direta que permita acusar alguém de corrupção. Em parte, os EUA tentaram
resolver esse problema, no início do século 21, quando o Departamento de
Comércio dos EUA anunciou a abertura de uma hotline, na Internet, pela
qual qualquer pessoa física ou jurídica pode denunciar práticas de corrupção que
violem a Lei dos EUA contra Práticas de Corrupção no Estrangeiro [US Foreign
Corrupt Practices Act (FCPA)].
Depois
da mais recente crise financeira, nos EUA, foi aprovada a lei Dodd-Frank (que o
presidente sancionou em 2010 e entrou em vigência em 2011). O nome completo é
Lei de Reforma de Wall Street e
Proteção do Consumidor [orig. Wall Street Reform and Consumer Protection
Act].
É
lei longuíssima (mais de 2.300 laudas de texto). Examinaremos aqui só umas das
inovações implementadas por essa lei: a instituição do whistleblowing
[lit. dar alerta de crime] financeiro.
A
lei cria a possibilidade de empregados de empresas, tanto de empresas
norte-americanas quanto de empresas não norte-americanas e de empresas que sejam
pessoas jurídicas norte-americanas denunciarem violações de leis
norte-americanas a várias organizações e agências dos EUA (ao Serviço de Rendas
Internas, à Comissão de Câmbio e Seguros, ao Departamento do Tesouro, ao
Departamento de Justiça, dentre outros). Aí se incluem violações da FCPA.
Caso a denúncia seja comprovada e a empresa multada, o informante voluntário tem
o direito de receber, em média, de 10 a 30% do valor da multa, como recompensa.
Obviamente,
para que a Lei dos EUA contra Práticas de Corrupção no Estrangeiro [US
Foreign Corrupt Practices Act (FCPA)] funcione efetivamente é preciso que se
verifiquem todas as condições já enunciadas, mas não é suficiente. É preciso que
a informação seja obtida mediante ferramentas e métodos especiais. Dito de forma
simplificada: é indispensável que as agências de segurança participem da
investigação e da confirmação das denúncias. Praticamente desde o início da
operação dessa lei, o Federal Bureau of Investigations (FBI) sempre participou da
implementação da lei; e foi criada até uma divisão especial responsável pela
implementação da Lei dos EUA contra Práticas de Corrupção no Estrangeiro [US
Foreign Corrupt Practices Act (FCPA)]. Mas, de tempos em tempos, outras
agências de segurança dos EUA aparecem também mencionadas na mídia, em conexão
com aquela lei: a CIA, a Agência de Segurança Nacional, o Gabinete de
Inteligência e Análise do Departamento do Tesouro dos EUA [Office of
Intelligence and Analysis of the US Department of the Treasury] e outras.
Quando
a Guerra Fria terminou e as agências de inteligência americanas ficaram, como
aconteceu, sem ter o que fazer, surgiu a ameaça de que suas equipes e orçamentos
fossem reduzidos. Mas os lobbyistas da inteligência conseguiram que suas
atividades fossem redefinidas, em novas condições. A principal área de suas
atividades fora dos EUA é, hoje, inteligência econômica; e a tarefa de mais alta
prioridade dentro da inteligência econômica é a coleta de informações sobre
instâncias de corrupção consideradas violações da Lei dos EUA contra Práticas de
Corrupção no Estrangeiro [US Foreign Corrupt Practices Act (FCPA)] e
ameaça a interesses dos EUA no mundo.
Edward Snowden |
Por
exemplo, a CIA e outras agências norte-americanas de inteligência
participaram da preparação de um relatório sobre corrupção fora dos EUA
elaborado pelo Departamento de Comércio dos EUA, que foi apresentado ao
Congresso em 1995. O relatório requeria que agências norte-americanas de
inteligência passassem a ter autoridade para conduzir investigações, baseadas no
que determina a Lei dos EUA contra Práticas de Corrupção no Estrangeiro [US
Foreign Corrupt Practices Act (FCPA)], nos EUA e no exterior.
O
escândalo que cercou as revelações de Edward Snowden chamou a atenção para o
motivo pelo qual a inteligência norte-americana estava tão ativa na Europa nos
últimos anos.
Sem
pretender que essa seja a resposta completa, pode-se dizer que, além de vários
outros motivos, ela operava intensivamente para detectar violações dessas e de
outras leis norte-americanas que são, essencialmente, leis extraterritoriais. A
elite governante dos EUA precisa muitíssimo de informações sobre tais violações,
para conseguir implantar efetivo controle econômico e político sobre a Europa e
sobre o mundo.
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