27/8/2013, [*] Gareth
Porter, InterPress Service
“In Rush to Strike Syria, U.S. Tried to
Derail U.N. Probe”
Traduzido
pelo pessoal da Vila
Vudu
Depois
de ter insistido, de início, que a Síria desse pleno acesso aos investigadores
da ONU, até os locais onde teria havido um atentado com gás venenoso, o governo
do presidente Barack Obama mudou de conversa no domingo; e passou a tentar, sem
sucesso, que a ONU abortasse sua própria investigação.
Essa
virada repentina, que aconteceu horas depois de Síria e ONU terem acertado os
detalhes da ação dos investigadores, foi noticiada pelo Wall Street
Journal na 2ª-feira e confirmada no mesmo dia, mais tarde, por um porta-voz
do Departamento de Estado.
No
encontro com a imprensa na 2ª-feira, o Secretário de Estado John Kerry, que
chegou a falar por telefone com o Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-Moon, para que
suspendesse a investigação – a qual, segundo Kerry, teria chegado tarde demais
para obter provas válidas do ataque que, para fontes da oposição síria, teria
feito 1.300 vítimas.
A
mudança repentina e a repentina aberta hostilidade contra a investigação da ONU,
que coincidem com indicações de que o governo Obama planeja um grande ataque
militar contra a Síria para os próximos dias, sugere que o governo Obama entende
que a ONU esteja atuando como obstáculo para seus planos de atacar militarmente.
Na
2ª-feira, Kerry disse que, na 5ª-feira, havia alertado o ministro Moallem, de
Relações Exteriores da Síria, para que desse acesso imediato à equipe da ONU e
suspendesse os bombardeios naquela área, os quais, disse Kerry, estariam
“sistematicamente destruindo provas”. Disse que o acerto entre Síria e ONU, que
afinal deu pleno acesso aos investigadores, estaria acontecendo “tarde demais
para ter credibilidade”.
Mas
logo depois de o acordo ter sido anunciado no domingo, Kerry já havia telefonado
a Ban, tentando cancelar completamente qualquer investigação.
O
Wall Street Journal noticiou
a pressão sobre Ban, mas sem mencionar Kerry. Publicou que “funcionários não
identificados do governo disseram ao Secretário-Geral que já não é seguro que os
inspetores continuem na Síria e que a missão deles já não faz sentido”.
Mas
Ban, que sempre foi visto como instrumento dócil das políticas dos EUA,
recusou-se a retirar da Síria a equipe de investigadores e, em vez de obedecer,
“manteve-se firme na defesa dos princípios” – como escreveu o WST. O que
se sabe é que Ban ordenou que a equipe de investigadores da ONU “continue seu
trabalho”.
O
WST noticia que “funcionários dos EUA” disseram também ao
secretário-geral que os EUA “não acham que os inspetores conseguirão obter
provas aproveitáveis, dado que já transcorreu muito tempo e bombardeios
subsequentes destruíram as provas que houvesse”.
Marie Harf |
A
porta-voz do Departamento de Estado, Marie Harf, confirmou para jornalistas que
Kerry, sim, falou com Ban durante o fim-de-semana. Também confirmou a mudança de posição dos EUA sobre as
investigações. “Acreditamos que passou tempo demais e houve tal
destruição na mesma área que a investigação não terá credibilidade” – disse
ela.
Essa mesma ideia apareceu também
em declaração de “alto funcionário”, anônimo, no domingo, para o Washington
Post, segundo a qual as provas teriam sido
“significativamente corrompidas” por bombardeios subsequente, pelo regime, na
mesma área.
Agora
já não cremos que a ONU possa fazer investigação confiável sobre o que
aconteceu
– disse Harf. – Estamos preocupados,
porque o regime sírio está usando a tática de atrasar as investigações, para
continuar a bombardear e destruir provas na área.
Mas
Harf não explicou como o cessar-fogo que o governo sírio impôs na área a
ser investigada e a decisão de dar pleno acesso aos investigadores da ONU
poderiam ser interpretados como “continuar a bombardear e destruir provas na
área”.
Apesar
dos esforços dos EUA para fazer-crer que a política síria seria política de
“atrasar”, a verdade é que o pedido formal da ONU para que a equipe chegasse ao
local não havia sido encaminhado ao governo sírio, até que Angela Kane, Alta
Representante da ONU para Temas de Desarmamento, chegou a Damasco no sábado; foi
o que informou Farhan Haq, como porta-voz de Ban, em briefing à imprensa,
em New York, na 3ª-feira.
Na
3ª-feira, o Ministro sírio de Relações Exteriores, Walid al-Muallem disse, em
conferência de imprensa, que ninguém havia pedido à Síria qualquer autorização
para que a ONU tivesse acesso à área de East Ghouta, até que o pedido afinal
apareceu, encaminhado por Angela Kane, no sábado. No dia seguinte, a Síria
informou que o pedido fora a aceito, bem como o cessar-fogo na mesma área.
Haq
discordou frontalmente do que Kerry dissera sobre ser tarde demais para recolher
provas sobre o incidente do dia 21/8.
O
gás Sarin deixa rastros que podem ser detectados meses depois de o gás ser
usado,
disse ele, como o New York Times
noticia.
Especialistas
em armas químicas também sugeriram, em entrevistas para nosso InterPress Service, que a equipe de
investigadores da ONU – coordenada pelo renomado especialista sueco Ake
Sellström e reunindo vários especialistas requisitados da Organização para
Prevenção de Armas Químicas – teria meio para confirmar ou descartar, em apenas
alguns poucos dias, a acusação de ataque com gás de efeito neurológico ou por
outra arma química na área investigada.
Ralph Trapp |
Ralph
Trapp, consultor para temas relacionados à proliferação de armas químicas e
biológicas, disse que se sentia “razoavelmente confiante” de que a equipe da ONU
conseguirá esclarecer o que houve. “Eles podem oferecer resposta altamente
confiável à questão de saber se houve ataque químico; e eles podem também dizer
qual o produto químico usado como arma” – disse ele – a partir de exame de
amostras de sangue, urina e cabelo dos mortos e feridos. Há até “alguma chance”
de recolher resíduos químicos, de pedaços de munição ou de cartuchos, nos locais
investigados. E uma análise completa, disse Trapp, exige “vários dias”.
Steve
Johnson, que dirige um programa de investigação forense de armas químicas,
biológicas e radiológicas na Cranfield
University na Grã-Bretanha, disse que até o final da semana a ONU já saberá
se “houve mortes provocadas por agente químico de efeito neurológico”. Johnson
disse também que, sendo absolutamente urgente, a equipe conseguiria produzir
“alguma espécie de primeira estimativa tendencial” sobre a questão, no prazo de
24 a 48 horas.
Dan
Kastesza, veterano que serviu durante 20 anos no Corpo de Armas Químicas do
Exército dos EUA [orig. U.S. Army Chemical Corps] e foi conselheiro da
Casa Branca sobre proliferação de armas químicas e biológicas, disse à Inter Press Service que, de fato, não se
procura traços de gás sarin em amostras de sangue, mas das substâncias químicas
que são produzidas quando o gás sarin se decompõe. Kastesza disse também que,
depois de recebidas as amostras, os especialistas podem saber, “no período de um
ou dois dias”, se houve contato com gás sarin ou outro produto químico dos que
se usam como arma.
A
verdadeira razão da hostilidade do governo Obama contra a investigação pela ONU
parece ser o medo de que a decisão do governo sírio, de dar livre acesso aos
especialistas, indique que o governo sírio já sabe que os investigadores não
encontrarão qualquer evidência de uso de gás de efeito neurológico.
Os
esforços do governo dos EUA em 2013 para desacreditar a investigação dos
especialistas fazem lembrar o que fez o governo de George W. Bush contra os
inspetores da ONU, em 2002 e 2003, depois que não encontraram qualquer prova de
que haveria armas de destruição em massa no Iraque; o governo Bush, daquela vez,
recusou-se a dar mais tempo aos inspetores, de modo que não conseguissem
demonstrar cabalmente, por prova irrefutável, que não havia no Iraque nenhum
programa ativo de produção armas de destruição em massa.
Nos
dois casos, o governo dos EUA já decidiu ir à guerra. E não permitirá que se
produza informação que se contraponha à sua decisão.
[*] Gareth Porter (nascido em 18 junho de 1942) é um
historiador americano, jornalista investigativo, autor e analista político
especializado na política de segurança nacional dos EUA. Especialista em
Vietnã e ativista anti-guerra durante a Guerra
do Vietnã, servindo
em Saigon como chefe do departamento de expedição do News Service International nos anos
1970-1971 e, mais tarde, como co-diretor do Centro de Recursos da
Indochina. Foi
muito criticado por seu entusiasmo pelo Khmer
Rouge,
partido do governo do Camboja, na época. Escreveu vários livros sobre os
conflitos no
Sudeste Asiático e no Oriente Médio, o mais recente dos quais é Perils of
Dominance: Imbalance of Power and the Road to War in Vietnam; uma análise de como e por quê os
Estados Unidos foram à guerra no Vietnã. Porter também tem escrito para Al
Jazeera –em
inglês,
The Nation, Inter Press Service, The Huffington
Post e
Truthout. Foi vencedor em 2012 do Prêmio Martha Gellhorn de jornalismo, que é
atribuído anualmente pelo Club
Frontline
em Londres. Porter é formado na Universidade
de Illinois. Recebeu seu mestrado em Política
Internacional na
Universidade
de Chicago
e seu Ph.D. em
Estudos sobre o Sudeste Asiático na Universidade de Cornell. Ministrou cursos
sobre Estudos sobre Política Internacional no City College of New York e na American University. Atualmente atua
como jornalista free-lancer para
inúmeras publicações internacionais.
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