29/8/2013, Dmitry Minin,
Strategic Culture
“The Overt and Covert Mechanisms of the Chemical
Provocation in Syria”
Traduzido
pelo pessoal da Vila
Vudu
Uma poderosa campanha de
propaganda foi lançada, mais uma vez, contra a Síria, com acusações de que o
exército estaria supostamente usando armas químicas. Todas as campanhas
anteriores morreram gradualmente, deixando atrás de si só espuma e lama. Seja
como for, o que está acontecendo parece uma “décima onda” [1] bem real.
John Kerry - Secretário de Estado dos EUA |
O secretário de Estado Kerry
aparece em declarações cada vez mais histriônicas, sempre a quilômetros de
distância de qualquer lógica. “Sabemos”, diz ele, “que o regime sírio armazena
armas químicas. Sabemos que o regime sírio tem capacidade para construir os
foguetes. Sabemos que o regime sírio está decidido a varrer a oposição
exatamente daqueles locais onde os ataques aconteceram... Nosso senso básico de
humanidade está ofendido, não só por esse crime covarde, mas também pela
tentativa cínica de encobri-lo.” [2] Como se ter capacidade para fazer
e fazer fossem a mesma coisa!
Outra
das frases de Kerry: “Qualquer um que diga que ataque nessa escala apavorante
poderia ser encenado ou fingido, deve avaliar a própria consciência e seus
valores morais. O que está hoje à nossa vista é real, e terrível.” Será que esse
palavreado todo ainda enganaria alguém, depois do que vimos de atos dos
norte-americanos durante as guerras do Iraque e do Vietnã?
Ileana Ros-Lehtinen |
Ileana Ros-Lehtinen, deputada
Republicana da Florida e presidente da Subcomissão da Câmara de Representantes
para Oriente Médio e Norte da África, disse que “Entendo que é essencial que o
presidente Obama venha ao Congresso e peça autorização [para atacar a Síria],
receba ou não a autorização. Entendo que um ataque com mísseis contra as forças
de Assad já é agora iminente, e tudo que receberemos do presidente Obama, com
ajuda do Congresso, será uma notificação: ‘o ataque começará dentro de 20
minutos’. E mais nada”. [3]
O
presidente Obama e o secretário de Estado Kerry dizem repetidamente que teriam
prova irrefutável de que o governo sírio seria responsável por usar o gás sarin
dia 21/8 em Joubar. Mas quem os informou disso? Vai-se ver, a história é sempre
a mesma: O jornal Al-Jarida, do Kwait, por exemplo, noticia que a
informação de que al-Assad teria usado armas químicas foi dada a Washington e
países europeus por Israel.
Benny Ganz |
A
matéria publicada diz que o general comandante do estado-maior do exército de
Israel, Benny Ganz, disse ao general comandante do estado-maior do exército dos
EUA, Martin Dempsey, que “Israel tem provas irrefutáveis de que o exército de
al-Assad usou armas químicas contra população civil”.
E
o jornal alemão Focus noticia que a unidade de inteligência 8200 do
exército de Israel teria interceptado uma conversa entre altos funcionários do
governo sírio e oficiais do exército, durante a qual o governo ordenou o uso de
armas químicas. A responsabilidade seria do irmão caçula do presidente sírio,
Maher al-Asad, comandante da unidade que possui armas químicas. Mas... Israel,
que tem interesses envolvidos diretamente no conflito, pode ser considerada
fonte confiável de informação, nesse caso? Nunca. De modo algum.
Toda
a história de que Israel teria interceptado essa conversa parece fantástica. Os
líderes sírios conhecem bem os vizinhos que têm e, nesse caso, sobretudo,
usariam meios de comunicação mais seguros, efetivamente sigilosos.
A
resposta à imortal questão “quem se beneficia [cui bono] com o crime?”
absolutamente não aponta na direção de Damasco, que não se pode dizer que lute
ao lado das gangues armadas que lhe fazem oposição. O infame ataque químico do
dia 21/8 aconteceu em área alta e densamente povoada na região de Ghouta Leste,
constituída de dúzias de vilas e pequenas cidades, inclusive Joubar, onde o
ataque aconteceu. Essa região era a base dos rebeldes que operavam perto de
Damasco. Se a perdessem, perderiam qualquer esperança de manter outras posições,
e não só nos arredores da capital.
Mas
o que mais importa é que, nas últimas várias semanas, as forças antigoverno em
Goutha Leste estavam contidas. Toda a área foi tomada pela expectativa de que se
aproximava o dia de um cessar-fogo estável. Parece que, de fato, era a sensação
que se observava em todo o país.
Ali Haidar |
Nos
últimos poucos dias, 1.525 pessoas depuseram armas em várias províncias da
Síria: todas foram anistiadas. A Comissão Governamental para a Reconciliação
Nacional, presidida pelo ministro Ali Haidar, muito próximo de Bashar al-Assad,
estava em negociações com mais de 100 grupos militantes, alguns grandes, outros
menores, aos quais oferecia anistia total, em troca de eles deporem armas.
Esperava-se que vários milhares de milicianos armados seriam convencidos
declarar simultaneamente que abandonavam a guerra – o que seria enorme vitória
para o governo e tinha alta probabilidade de marcar um ponto de virada no rumo
da guerra.
Nessas
circunstâncias, o que menos interessaria ao governo sírio seria usar armas
químicas contra gente que já quase convencera a aceitar a paz. Mas para os
líderes da oposição armada, o ataque com armas químicas seria muito útil, não só
para arrastar as potências estrangeiras para o conflito, e ao seu lado, mas
também para impedir o prosseguimento do processo de paz que já estava em
andamento na área de Ghouta Leste.
As
sugestões de Kerry e outros, de que só o exército sírio teria mísseis e meios
para transporte e dispersão de agentes químicos não resiste à mínima análise.
Testemunhas e agências de notícias em todo o mundo noticiaram, com unanimidade,
que ninguém ouviu explosões de ogivas, nem a aproximação de aviões. Nada disso.
De repente, na manhã de 21/8, as pessoas simplesmente começaram a sufocar, ao
aspirar substâncias venenosas que encontravam em seus porões e túneis – onde
muitos viviam, para esconder-se da violência da guerra.
Observe-se
que não se veem vítimas pelas ruas que, pela lógica ocidental, teriam sido
bombardeadas pelo exército. Todas as vítimas foram encontradas em espaços
subterrâneos. Para explicar isso, criaram-se várias teorias exóticas, dentre
outras que o gás sarin seria mais pesado que o ar e penetraria em porões e não
se concentraria pelas ruas. Nesse caso, que quantidades de sarin teriam de ter
sido usadas?
Mas
se se considera que o território é cortado por muitos túneis, tanto os escavados
pelos rebeldes para seu uso, como os escavados como via de circulação da vida
diária, vê-se que, tecnicamente, um ataque daquele tipo seria mais fácil de
executar de fora para dentro, que o contrário.
Para
preparar a cena monstruosa, os “rebeldes”
não precisariam mais que vários ventiladores potentes e alguns botijões de gás
sarin feito em casa, em algum salão subterrâneo. Explodem-se as entradas dos
túneis para fechá-las e nenhuma comissão da ONU jamais encontraria prova alguma,
de crime algum. E toda a culpa poderia ser jogada sobre Damasco.
Mapa de Damasco (clique na imagem para visualizar Jobar) |
Por saber de tudo isso, o exército
sírio tentou por três dias entrar em Jobar, para tentar tomar, pelo menos,
algumas daquelas instalações. De fato, dia 24 de agosto, o exército sírio
realmente chegou a um daqueles locais onde se armazenavam agentes químicos
produzidos na Arábia Saudita, antídotos e máscaras para uso dos operadores.
Naquela ocasião, mais de 50 soldados do exército sírio foram intoxicados por gás
sarin, entre os quais quatro combatentes do Hezbollah, atualmente em tratamento
num hospital no Líbano. [4] Assim se
produziu algo que os especialistas da ONU encontrariam.
A
agência noticiosa estatal síria SANA noticiou que os soldados tiveram
“convulsões” quando o inimigo usou o gás como “último recurso” depois que as
forças do governo alcançaram “significativa vitória” contra eles num subúrbio de
Damasco.
Mas, infelizmente, ninguém no
ocidente consegue ouvir as declarações do governo sírio. História já velha de 30
anos, que veio recentemente à luz, de que os norte-americanos sabiam que Saddam
Hussein estava preparando um ataque químico contra o Irã, [5] mas continuaram a fingir que nada
sabiam, está-se repetindo. Por exemplo, está circulando a acusação absurda de
que Damasco não teria autorizado a comissão internacional a entrar na área onde
foram usados os produtos químicos, para ter tempo de destruir as provas. Mas
Damasco não tinha controle sobre essas regiões, como ainda não tem. Só as
gangues armadas da oposição poderiam ter encoberto alguma coisa. Quanto à
preservação das provas, sabe-se que o gás sarin dissipa-se poucas horas depois
de liberado, mas permanece no local durante meses: cinco dias não fariam
qualquer diferença. Segundo especialistas, o gás sarin permanece no sangue das
vítimas por de 16 a 26 dias, como informou o jornal inglês The
Independent, hoje.
A
Comissão da ONU apenas começou a trabalhar, mas ninguém quer esperar pelas
conclusões. A Casa Branca continua a insistir que não tem qualquer dúvida sobre
o que a Comissão concluirá; como se a Casa Branca as tivesse ditado.
Em
tudo e por tudo, a situação faz lembrar dolorosamente os eventos da guerra na
Iugoslávia, quando, em 1994 depois de um ataque de provocação, com morteiro,
contra o mercado Markale em Sarajevo, vindo de posições dos muçulmanos bósnios,
o que adiante foi provado por especialistas militares de uma comissão
internacional, serviu como pretexto para que a OTAN bombardeasse os sérvios da
Bósnia. Ou quando apareceram comissões de vários locais do mundo para investigar
os eventos, e já chegaram com textos antecipadamente redigidos e pré-aprovados
pelos “superiores”.
Ataques
militares pelas potências ocidentais contra a Síria, se acontecerem, terão
provavelmente o formato de guerra à distância, como o ataque à Iugoslávia, que
destruiu o exército e a infraestrutura civil do país.
Síria - mapa com os alvos a serem atacados (clique para visualizar) |
O jornal britânico Guardian
noticiou dia 26/8,que os principais alvos de ataque
à Síria serão, no primeiro estágio do ataque, as unidades de elite do exército
sírio, bases de mísseis e locais de armazenamento de mísseis. Os primeiros e
principais ataques acontecerão contra o complexo militar de Mazzeh (num subúrbio
de Damasco, ao sul), onde está localizada a 4ª Divisão Blindada, e contra o
complexo militar de Qasioun (no norte de Damasco), quartel da Guarda Republicana
do Presidente da Síria.
Ao todo, dez sítios militares na
vizinhança de Damasco estão marcados para serem atacados, além de bases
militares e instalações de mísseis e forças blindadas no sul de Aleppo, no norte
de Deir ez-Zor e a sudoeste de Homs. Também estão planejados ataques contra
bases aéreas, bunkers de comandos e sistemas de controle, de comunicações e prédios
públicos.
Aparentemente,
a ideia é: se bombardeamos os sérvios até pacificá-los, também podemos
bombardear os sírios até pacificá-los. Mas fato é que o mundo mudou, ao longo
desses anos, e o Oriente Médio é hoje construção mais frágil e mais complexa,
até, que os Bálcãs. Qualquer tentativa de “dar uma lição à Síria” pode ter
consequências catastróficas para todos que começaram a coisa, quando o caos
respingar, das fronteiras do Oriente Médio, sobre outras regiões. Sobre a
Europa, por exemplo...
Notas dos tradutores
[1]
Expressão da tradição náutica, segundo a qual as grandes ondas vêm em série
crescente de dez (às vezes, nove) ondas, depois da qual a série
recomeça.
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