14/8/2013, [*] Robert
Fisk, The Independent, UK
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Tzip Livni (E), John Kerry (C) e Mahmoud Abbas (D) |
John Kerry não tem vergonha? Primeiro, se agarra aos dois lados, palestinos
e israelenses, e anuncia a renovação de um “processo de paz” em que os
palestinos não confiam e que os israelenses não querem. Em seguida, Israel
anuncia que construirá 1.200 novas moradias para judeus – e só para judeus – em
terra palestina ocupada. E, agora, Kerry diz aos palestinos – os fracos e
ocupados palestinos – que já praticamente não têm mais tempo, se querem estado
palestino.
Qualquer
outro “estadista” envolvido em qualquer disputa que dissesse a povo submetido a
ocupação que, se não fizer a paz, seus ocupantes roubarão ainda mais terras
deles, seria visto como marginal, ladrão, criminoso potencial. Mas não. John
Kerry anuncia que colônias ilegais para judeus – ou “assentamentos” como prefere
chamar as colônias ilegais, acompanhado pela imprensa-empresa ocidental
subserviente a Israel – são “ilegítimas”. Talvez quisesse dizer
internacionalmente “ilegais”. Mas não importa.
Nos
primeiros dez anos do “processo” de Oslo, o número de israelenses que vivem em
terra palestina dobrou: já são 400 mil. Nem surpreende que Kerry tenha dito que
o mais recente anúncio de roubo de terras pelos israelenses foi “em certa medida
[sic] esperado”.
É claro
que era esperado. Israel há décadas enrola governos norte-americanos covardes, ignorando
o embaraço que gera em Washington cada vez que empreende mais um roubo de terra
palestina. Os acordos de Oslo, lembrem, previam um período de cinco anos,
durante os quais israelenses e palestinos comprometiam-se a não empreender
“quaisquer passos unilaterais” que pudessem “prejudicar o resultado das
negociações”. Israel simplesmente ignorou essa parte do acordo. E continua a
ignorar. E o que Kerry aconselha aos palestinos? Que não “reajam adversamente”.
É absurdo! Kerry tem de saber –
como a ONU e a União Europeia sabem – que não há sequer alguma remota chance de
haver “Palestina” como estado, porque os israelenses já roubaram terra demais
dos palestinos, na Cisjordânia. Quem ande em torno dos territórios palestinos vê
imediatamente (a menos que seja politicamente cego) que há tanta probabilidade
de construir-se algum estado na Cisjordânia – cujo mapa de colônias e distritos
não colonizados parece um parabrisas estilhaçado – quanto de se recriar o Império
Otomano.
E
Kerry? É homem cujas declarações, todas elas, têm de ser colonizadas pela
palavra “sic”. Vejam essa, por exemplo: “Sempre soubemos [sic] que haveria uma
continuação de alguma [sic] construção [sic] em alguns [sic] locais, e creio que
os palestinos entendem isso.” E acho que também seria preciso meter um “sic”
depois de “entendem”.
Em
seguida, vem Kerry e conta que “o que isso” – “isso”, de que Kerry fala aí é
“roubo de terras” – “mostra, realmente [mais um “sic”], é a importância de
sentar à mesa... e rápido.” Em outras palavras, o que ele agora está dizendo é
façam o que estamos dizendo que façam – ou deixaremos que os israelenses rapinem
o que resta da propriedade de vocês. No mundo real, chama-se chantagem.
E
veio então a mentira mãe de todas as mentiras: que a “questão dos assentamentos”
fica “mais bem resolvida, resolvendo-se o problema da segurança e das
fronteiras”. É conversa fiada. As colônias – os “assentamentos” como Kerry
insiste em chamar aqueles roubos continuados de terra – não são ocupadas por
Israel por causa de “segurança” ou de “fronteiras”, mas porque a Direita
israelense, que continua a controlar o governo com Netanyahu, deseja para si
aquela terra. Muitos israelenses não querem aquela terra. Muitos israelenses
veem a vileza daquele roubo continuado de terras e o condenam. Eles merecem a
paz e a segurança que o mundo lhes deseja. Mas que não alcançarão pela
colonização, e sabem disso. Pois Kerry não está do lado desses israelenses.
Kerry trabalha pela “paz” nos
termos do governo israelense. E os palestinos – “cercados, atados, confinados”
[1] – têm de calar e aceitar o que
lhes restar. Receberão alguns poucos cacos. 26 prisioneiros idosos serão
libertados hoje. Migalhas para Mahmoud Abbas e seus escudeiros. Mas mais
colônias para Israel, país que sequer disse, até hoje, nem a John Kerry nem a
nós, onde, diabos, está sua fronteira leste. Na velha “linha verde” de 1967? Na
“linha” colonial leste de Jerusalém? No rio Jordão? Mas para Kerry, é: “rápido,
rápido, rápido”. Reservem logo seus ingressos, que vai lotar. O que a
“Palestina” terá ainda de pagar?
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[*] Robert
Fisk é filho de um ex-soldado
britânico da Primeira Guerra Mundial, Robert Fisk estudou jornalismo na
Inglaterra e Irlanda. Trabahou como correspondente internacional na Irlanda -
cobrindo os acontecimentos no Ulster - e Portugal. Em 1976, foi convidado por
seu editor no The Times para substituir o correspondente
do jornal no Oriente Médio. Fisk trabalhou para The Times até 1988,
quando se mudou para The
Independent - após uma discussão com seus
editores sobre modificações feitas em seus artigos, sem seu consentimento.
Fisk cobriu a guerra civil do
Líbano, iniciada em 1975; a invasão soviética do Afeganistão, em 1979; a guerra
Irã-Iraque (1980-1988), a invasão israelense do Líbano, em 1982), a guerra civil
na Argélia, as guerras dos Balcãs e a Primeira (1990-1991) e a Segunda Guerra do
Golfo Pérsico, iniciada em 2003. Fisk notabiliza-se também pela cobertura ao
conflito israelo-palestino. Ele é um defensor da causa palestina e do diálogo
entre os países árabes, o Irã e Israel.
Considerado como um dos maiores
especialistas nos conflitos do Oriente Médio, Fisk contribuiu para divulgar
internacionalmente os massacres na guerra civil argelina e nos campos de
refugiados de Sabra e Chatila, no Líbano; os assassinatos promovidos por Saddam
Hussein, as represálias israelenses durante a Intifada palestina e as atividades
ilegais do governo dos Estados Unidos no Afeganistão e no Iraque. Fisk também
entrevistou Osama bin Laden, líder da rede terrorista Al-Qaeda (em 1993,
no Sudão, em 1996 e em 1997, no Afeganistão).
Robert Fisk é o correspondente
estrangeiro britânico mais premiado. Recebeu o Prêmio Correspondente
Internacional Britânico do Ano sete vezes (as últimas em 1995 e 1996). Também
ganhou o Prêmio à Imprensa da Anistia Internacional no Reino Unido em 1998 e
2000.
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Nota
dos tradutores
[1]
Orig.
cabined, cribbed,
confined. É
expressão de Shakespeare,
em
MacBeth.
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