Vladimir Putin cumprimenta Barack Obama durante o G20 de São Petersburgo |
O
presidente russo estende a mão – de novo – a Barack Obama, dessa vez para
tirá-lo da areia movediça constituída pela máfia que o cerca, lhe dá ordens e
age contra os interesses dos cidadãos estadunidenses
Baby
Siqueira Abrão - 11/9/2013
Vladimir
Putin, presidente da Rússia, está usando (quase) todas as suas cartas para
evitar um ataque militar dos Estados Unidos à Síria – ataque que, os serviços
diplomáticos e de inteligência bem sabem, vai se transformar num conflito muito
maior, dominando o Oriente Médio e grande parte do mundo. E vai respingar feio
na América Latina, que além de óleo e gás tem um recurso valioso que a Ásia
ocidental não tem: a rica biodiversidade.
O
mais recente movimento de Putin foi publicar um artigo assinado no New York Times de 11 de setembro (que traduzo a seguir).
Pelo conteúdo, percebe-se que ele se dirige não apenas à opinião pública dos
Estados Unidos, mas principalmente ao Congresso e ao presidente Barack Obama. O
tom conciliador muito provavelmente fará aumentar o número de cidadãos
estadunidenses que se opõem à guerra à Síria e, consequentemente, fará crescer a
pressão que eles vêm exercendo nos congressistas para que votem contra o ataque
militar ao país árabe. O principal objetivo de Putin, claro nas entrelinhas da
carta, foi estender mais uma vez a mão a Obama, agora para ajudá-lo a sair de um
lamaçal onde se misturam interesses sorrateiros e grupos idem, dispostos a
provocar uma conflagração mundial para impor suas agendas sinistras a todos
nós.
Esses
grupos vêm agindo em países poderosos – e naqueles com algum poder regional,
como o Brasil – há muito tempo, mas só recentemente passaram a exercer pressões
mais intensas e mais urgentes. Tem-se a impressão de que eles se cansaram de
estratégias graduais de convencimento da opinião pública e decidiram agir sem se
importar mais com isso.
Basta,
como se diz, “ter olhos para ver” a fim de descobrir, por meio das ações desses
grupos, o que eles têm em mente. O direito internacional foi substituído pela
força bruta, os direitos humanos foram atirados no lixo e as organizações
terroristas vêm sendo apoiadas e armadas abertamente por aqueles que as criam. A
manipulação de crenças e de emoções mantidas à flor da pele em treinamentos
militares extenuantes e pela administração de drogas as mais diversas está
formando exércitos compostos de monstros que hoje possuem e sabem manejar armas
pesadas, além de substâncias químicas e biológicas capazes de exterminar
populações inteiras em segundos.
Esse
risco à humanidade ficou claríssimo quando o príncipe saudita Bandar bin Sultan
visitou a Rússia, em agosto, para oferecer a Putin um acordo vantajoso no
controle do óleo e do gás do Oriente Médio em troca de abandonar a Síria à
própria sorte. Essa oferta não surpreende no cenário da política internacional.
O que realmente surpreendeu foi a segunda oferta de Bin Sultan: impedir que
terroristas chechenos realizem operações criminosas nas próximas Olimpíadas de
Inverno da Rússia.
“Os
grupos chechenos que ameaçam a segurança dos jogos são controlados por nós”,
afirmou Bin Sultan, segundo The Telegraph.
Madre
Agnes Maria da Cruz, em entrevista ao jornal israelense Haaretz, denunciou os chechenos como
os “mais cruéis” dos mercenários em ação na Síria. Mas sabemos todos que
qualquer ser humano, adequadamente “azeitado” – incentivado em suas emoções e
crenças mais profundas, com a consciência alterada por drogas e levado pelo
chamado “espírito de grupo” (que nos leva a seguir as ações da maioria) – é
capaz de torturar e matar sem nem mesmo se dar conta do que está
fazendo.
São
monstros assim que as grandes potências estão criando para desestabilizar
países, em nome dos interesses de uma minoria que saliva diante da possibilidade
de conquistar, a qualquer preço, as reservas de óleo, gás, pedras preciosas e
matérias-primas para o fabrico de entorpecentes vendidos a preços altíssimos.
Não importa quem mate ou quem morra, e em que número. Não importa se mulheres ou
crianças – é até melhor que sejam mulheres, porque assim não darão à luz outros
seres humanos, e crianças, que amanhã engrossarão as fileiras de desempregados e
desesperançados, podendo virar-se contra os responsáveis por sua miséria
pessoal, cultural, econômica, social. Não é outro o motivo, por exemplo, pelo
qual os ataques do Exército de Israel a Gaza, e os mísseis lançados por drones
estadunidenses no Afeganistão e no Paquistão, vitimam tantas mulheres e tantas
crianças.
Obama
é presa desses grupos. Eles sabiam que para executar seus planos de domínio
mundial era preciso sobretudo controlar o país militarmente mais poderoso do
planeta. Conseguiram, depois
de muitas ameaças, corrupção e assassinatos. Financeiramente poderosos, mandam
no Congresso dos Estados Unidos. Agrados econômicos e ameaças políticas e
pessoais levam esses grupos a aprovar as leis que seus assessores elaboram e
entregam, prontas, para uma votação de cartas marcadas. Os mesmos métodos são
empregados para convencer presidentes a agir segundo os interesses desses
grupos. Eles sequestraram o mundo, com algumas raras exceções. Cuba, Venezuela,
Irã, Rússia, China estão entre essas exceções, e por isso são países muito
visados.
O
que Vladimir Putin fez, com sua carta ao povo estadunidense, foi garantir a
Obama que ele não está só e que pode virar o jogo, porque terá o apoio da Rússia
e de seus aliados. Não foi ao acaso a crítica ao suposto “excepcionalismo” dos
Estados Unidos, presente no discurso que Obama fez à nação na terça-feira, dia
10. Essa retórica é parte da retórica sionista sobre a própria
“excepcionalidade”, que supostamente lhe daria o direito de se colocar acima de
todos os povos e do direito internacional.
Esse
recado de Putin também foi dirigido ao Congresso dos EUA, sempre subserviente à
“excepcionalidade” alheia e
própria. Agora é ver se os parlamentares vão se interessar mais pelo destino da
humanidade, nas mãos de uma quadrilha perigosa, ou pelos milhares de dólares que
tilintarão em suas contas bancárias caso aprovem o ataque à
Síria.
Se
Obama aceitar a mão estendida de Putin e se aliar a ele, grupos que dão
retaguarda a pessoas como Bin Sultan e os voluntários do AIPAC, lobby
sionista pró-guerra atuante no Congresso dos Estados Unidos, que vem visitando
os políticos para garantir que a ação militar contra a Síria seja aprovada,
começarão a perder espaço. Para alívio de todos nós.
Um
apelo vindo da Rússia: o que Putin tem a dizer aos EUA sobre a
Síria
Por
Vladimir V. Putin
11
de setembro de 2013
Fatos recentes envolvendo a Síria
me levam a falar diretamente com o povo dos Estados Unidos e com seus líderes
políticos. É importante fazer isso numa época de comunicação insuficiente entre
nossas sociedades.
As
relações entre nós têm passado por diferentes estágios. Estivemos uns contra os
outros durante a guerra fria. Mas já fomos aliados, e juntos vencemos os
nazistas. Naquela época foi criada uma organização internacional universal – as
Nações Unidas – para impedir que outra devastação como aquela voltasse a
ocorrer.
Os
fundadores das Nações Unidas entenderam que as decisões concernentes à guerra e
à paz devem ser tomadas apenas por consenso, e foi com o consentimento dos
Estados Unidos que o veto dos membros permanentes do Conselho de Segurança foi
incluído na Carta das Nações Unidas. A profunda sabedoria dessa decisão deu
sustentação à estabilidade das relações internacionais durante
décadas.
Ninguém
deseja que a ONU tenha o mesmo destino da Liga das Nações, que desmoronou porque
lhe faltou poder real. Isso é possível se países influentes, desviando-se das
[regras das] Nações Unidas, realizarem ações militares sem autorização do
Conselho de Segurança.
O
ataque potencial dos Estados Unidos contra a Síria, a despeito da oposição de
muitos países e dos maiores líderes políticos e religiosos, incluindo o papa,
resultará em mais vítimas inocentes e numa escalada que espalhará potencialmente
o conflito muito além das fronteiras da Síria. Um ataque intensificará a
violência e desencadeará uma nova onda de terrorismo. Isso pode minar os
esforços multilaterais para resolver a questão nuclear iraniana e o conflito
israelo-palestino, além de desestabilizar o Oriente Médio e o Norte da África.
Pode desequilibrar todo o sistema da lei e da ordem internacional.
A
Síria não está testemunhando uma batalha por democracia, mas um conflito armado
entre o governo e a oposição dentro de uma nação multirreligiosa. Há poucos campeões da democracia na
Síria. Mas há combatentes da Al-Qaeda e
extremistas de todas as cores mais do que suficientes lutando contra o governo.
O Departamento de Estado dos Estados Unidos designou a Frente Al-Nusra, o Estado
Islâmico do Iraque e o Levante, que lutam ao lado da oposição [da Síria], como
organizações terroristas. Esse conflito interno, sustentado por armas
estrangeiras fornecidas à oposição, é um dos mais sangrentos do
mundo.
Os mercenários dos países árabes, as centenas de militantes de países ocidentais e até mesmo da Rússia que lá combatem são objeto de preocupação profunda. Eles não devem retornar a nossos países com a experiência adquirida na Síria? Afinal, depois de lutar na Líbia, os extremistas foram para o Mali. Isso nos ameaça a todos.
Desde
o princípio a Rússia tem advogado um diálogo pacífico que permita aos sírios
desenvolver um plano de compromisso com seu próprio futuro. Não estamos
protegendo o governo sírio, mas o direito internacional. Precisamos utilizar o
Conselho de Segurança da ONU e acreditar que a preservação da lei e da ordem no
mundo complexo e turbulento de hoje é um dos poucos meios de impedir que as
relações internacionais escorreguem para o caos. A lei ainda é a lei, e devemos
segui-la, quer gostemos, quer não. De acordo com o direito internacional, a
força somente é permitida em caso de defesa própria ou por decisão do Conselho
de Segurança. Tudo o mais é inaceitável, segundo a Carta das Nações Unidas, e
constitui ato de agressão.
Ninguém duvida de que o gás venenoso foi usado na Síria. Mas existem todas as razões para acreditar que não foram utilizados pelo Exército sírio e sim pelas forças de oposição, para provocar uma intervenção de seus poderosos patrões estrangeiros, que se mantêm ao lado dos fundamentalistas. Relatos de que os militantes preparam outro ataque – dessa vez contra Israel – não podem ser ignorados.
É alarmante que intervenções militares em conflitos internos de países estrangeiros tenham se tornado um lugar-comum nos Estados Unidos. Elas interessam, a longo prazo, aos Estados Unidos? Duvido. Milhões de pessoas no mundo inteiro cada vez mais veem os Estados Unidos não como modelo de democracia, mas como um país que confia apenas na força bruta, pavimentando coalizões sob o slogan “ou vocês estão conosco ou estão contra nós”.
Mas
a força tem se provado ineficaz e inútil. O Afeganistão está descarrilhando, e
ninguém é capaz de dizer o que acontecerá depois que as forças internacionais se
retirarem do país. A Líbia está
dividida em tribos e clãs. A guerra
civil continua no Iraque, com montes de mortos a cada dia. Nos Estados Unidos,
muitos fazem a analogia entre Iraque e Síria, e perguntam por que seu governo
quer repetir erros recentes.
Não
importa quão dirigidos sejam os ataques ou quão sofisticadas sejam as armas as
baixas de civis são inevitáveis, incluindo idosos e crianças, aos quais os
ataques supostamente deveriam proteger.
O
mundo reage perguntando: se você não pode contar com o direito internacional,
então deve encontrar outros meios de garantir sua segurança. Por isso um número
crescente de nações vem procurando adquirir armas de destruição em massa. É uma
questão de lógica: ninguém vai mexer com quem tem a bomba em seu arsenal. Somos
iludidos com a conversa da necessidade de fortalecer a não proliferação quando,
na verdade, a não proliferação vem sendo corroída.
Precisamos
parar de usar a linguagem da força e voltar à via dos acordos civilizados,
diplomáticos e políticos.
Uma
nova oportunidade de evitar a ação surgiu há poucos dias. Os Estados Unidos, a
Rússia e todos os membros da comunidade internacional devem aproveitar a boa
vontade do governo da Síria de colocar seu arsenal químico sob controle
internacional, para subsequente destruição. A julgar pelas declarações do
presidente Obama, os Estados Unidos veem essa possibilidade como uma alternativa
à ação militar.
Saúdo
o interesse do presidente no sentido de dialogar com a Rússia e a Síria. Devemos
trabalhar juntos para manter essa esperança acesa, como concordamos na reunião
do G8 em Lough Erne, na Irlanda do Norte, em junho, e levar a discussão de volta
à mesa de negociações.
Evitar
o uso da força contra a Síria vai melhorar a atmosfera para os negócios
internacionais e reforçar a confiança mútua. Será nosso sucesso compartilhado e
abrirá as portas para a cooperação e outros assuntos decisivos.
Meu
trabalho e meu relacionamento pessoal com o presidente Obama são marcados por
uma confiança crescente. Analisei atentamente seu pronunciamento à nação na
terça-feira. E gostaria de discordar do que ele disse sobre o excepcionalismo
dos Estados Unidos, ao declarar que a política do país é “o que torna os EUA
diferentes. É o que nos torna excepcionais”. É extremamente perigoso encorajar
as pessoas a considerar a si mesmas excepcionais, seja qual for a intenção.
Existem
países grandes e pequenos, ricos e pobres, com tradições democráticas antigas e
aqueles que ainda procuram seu caminho rumo à democracia. Suas políticas também diferem. Somos todos diferentes, mas, quando pedimos
as bênçãos de Deus, devemos nos lembrar de que Ele criou a todos nós como
iguais.
(Tradução
sem valor oficial de Baby Siqueira Abrão)
__________________________
[*]
Baby Siqueira Abrão é jornalista,
tradutora, escritora e pós-graduada em filosofia, é correspondente dos veículos
Brasil de Fato e Carta Maior no Oriente Médio, além de
ativista por direitos humanos e justiça social. É autora de dois livros sobre
história da filosofia, para as editoras Moderna e Ática. Eventualmente colabora
com a redecastorphoto.
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