François Hollande |
Publicado
em 05/09/2013 por Rui Martins
[*]
Berna
(Suiça)
- O que diria o velho De Gaulle ao ver a França, governada pelo socialistas, se
ter colocado na humilhante posição de bombardear a Síria se o Congresso
americano assim decidir ? Mesmo se 64% da população francesa se declara contra
qualquer tipo de ataque, seja o pretensamente cirúrgico, ou francamente
destrutivo como acabaram sendo os ataques contra a Líbia.
Não
tenho nenhuma simpatia pelo ditador Assad, nessa Síria onde o poder político é
transmitido de pai para filho. Muito menos pelos grupos rebeldes importados de
diversos países, composto em grande parte de jovens treinados no Afeganistão,
islamitas seguidores da Al Qaeda.
Uma
rápida análise nos leva à seguinte conclusão - já
está ruim e poderá ficar pior, porque os islamitas da Al Qaeda e outros
fundamentalistas significam o fim de uma série de avanços da humanidade em
termos de direitos humanos e o retorno das mulheres à cozinha, à situação de
objeto com o fim de todas as conquistas, inclusive no
vestir.
Nesse
caso do "pode ficar ainda pior", a melhor solução é a de se deixar a ONU
encontrar uma saída. A própria Suíça, que sempre foi neutra, saiu da sua
tradição, se pronunciando por uma solução diplomática e oferecendo Genebra para
um encontro entre as partes beligerantes.
Alguns
dirão que isso não vai levar a nada, pois existem países irredutíveis por trás
da guerra-civil na Síria: Rússia, China e Irã a favor de Assad; Estados Unidos,
Inglaterra, França e Arábia Saudita contra Assad.
Seria,
então, o caso de se jogar bombas na Síria, provocando a morte de centenas ou
milhares de civis, sabendo-se que provavelmente isso em nada ajudará a acabar
com o conflito?
Ao
contrário, depois da guerra contra o Iraque, causadora de uma mudança total no
equilíbrio de forças no Oriente Médio, destruindo um país laico e favorecendo os
xiitas iranianos, uma guerra contra a Síria poderá detonar reações inesperadas e
equivaler à abertura de outra Caixa de Pandora, cujas consequências são
imprevisíveis mesmo para a Europa.
Nestes
últimos dias, entrou um novo fator nos ataques à Síria, até então considerados
como inevitáveis - o Parlamento inglês desmoralizou o "guerreiro" David Cameron
desautorizando-o de jogar bombas na Síria, depois dos resultados desastrosos dos
ataques à Líbia de Kadafi, em parceria com a França de
Sarkozy.
O
Parlamento inglês nada mais fez que espelhar o sentimento da população inglesa,
cansada da submissão do trabalhista Tony Blair ao chefe de guerra George Bush, e
agora de uma nova parceria Cameron-Obama. Ou seja, de repente o povo pôde dar
sua opinião através de seus representantes. E o povo, em qualquer parte do
mundo, não quer guerras, insufladas na maioria das vezes pelas indústrias
armamentistas, que precisam rodar e modernizar o estoque de armas dos países
clientes.
Cameron
foi desmascarado e engoliu seus discursos de mais mortes para vingar mortes.
Sumiu de cena, mas sua derrota obrigou Obama a rever sua estratégia - se a
Inglaterra tem de ouvir o Parlamento para declarar ações de guerra, por que os
Estados Unidos dariam carta branca ao seu presidente? E Obama foi obrigado a
modificar seu discurso, já não querendo arcar sozinho com os assassinatos de
civis sírios. Democratas e republicanos decidirão por maioria se os Estados
Unidos continuam sua missão de policiais do planeta.
E
isso criou uma situação grotesca para não se dizer ridícula envolvendo o
presidente socialista François Hollande da França. Na França a Constituição não
exige aprovação parlamentar no caso de ataques bélicos à Síria, porém o discurso
guerreiro do presidente Hollande não pode ser levado à prática de maneira
isolada e solitária. Hollande tinha certeza de poder fazer uma parceria européia
com a Inglaterra.
Ora,
com a Inglaterra descartada pelo Parlamento criou-se uma situação nunca
imaginável na época de De Gaulle - a França só atacará a Síria se assim decidir
o Congresso americano. Uma parceria quase tão absurda quanto é o apoio de Obama
aos rebeldes "sírios", na verdade contingentes de combatentes islamitas da Al
Qaeda, que partem dos países europeus e dos países vizinhos da Rússia para
engrossar as fileiras de combatentes treinados pelos talibãs no
Afeganistão.
Para
os evangelistas, adventistas e testemunhas de Jeová tudo parece indicar estar
próxima a profetizada Batalha do Armagedon no Apocalipse, a última das batalhas,
o fim do mundo que conhecemos. Não será, mas poderá provocar convulsões
inesperadas dentro da própria Europa e, sem dúvida, estaremos perto de uma
guerra mundial, caso Rússia e China tomem as dores de Assad. E para os franceses
e europeus socialistas e de esquerda uma enorme decepção com o governo francês
de François Hollande (foto).
Longe
está a posição de independência da França, com seu Ministro das Relações
Exteriores, Dominique de Villepin, se opondo no Conselho de Segurança da ONU ao
ataque de Bush ao Iraque. Paradoxo, o presidente era Jacques Chirac, gaulliste, de direita. E onde está hoje
a França socialista?
____________________
Rui
Martins [*] – é
jornalista, escritor,
ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura, é líder emigrante, membro
eleito do Conselho Provisório e do atual Conselho de Emigrantes (CRBE) junto ao
Itamaraty. Criou os movimentos Brasileirinhos Apátridas e Estado dos Emigrantes,
vive em Berna, na Suíça. Escreveu o livro Dinheiro Sujo da Corrupção sobre as
contas suíças secretas de Maluf. Colabora com o Expresso, de Lisboa, Correio do
Brasil e agência BrPress.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.