6/9/2013, [*] Pepe
Escobar, Asia Times Online - The
Roving Eye
Traduzido
pelo pessoal da Vila
Vudu
Os cães da
guerra ladram, e a caravana dos países emergentes segue adiante. Eis um bom
resumo da reunião do Grupo dos 20 em São Petersburgo. Não faltaria a nação
indispensável (para bombardear) – via o presidente dos EUA, Barack “Linha
Vermelha” Obama – para atrapalhar uma reunião cuja agenda original eram os
imensos problemas que afligem a economia mundial.
Economia é
para maricas. Tragam aí, os meus Tomahawks. A doutrina Obama – “Sim
espionamos”, “Sim revistamos”, “Sim dronamos” – atingiu novo fundo do
poço, com sua solução “Sim bombardeamos” para o problema do ataque com armas
químicas em Ghouta, Síria, presenteando a opinião pública nos preparativos para
o G-20, com o show de ilusionismo de algum “debate” no Senado
dos EUA sobre os méritos de um novo surto de bombardeio
humanitário.
O que se viu
foi, isso sim, um horrendo espetáculo, em que Republicanos matadores seriais
alucinados, do molde de John McCain e Lindsey Graham, espremeram o desesperado
governo Obama como limõezinhos. O gambito orwelliano daqueles dois – “reverter
o momentum do campo de batalha” – levado avante pelo
senil McCain, foi devidamente aprovado pela Comissão de Relações Exteriores do
Senado. Significa bombardear Damasco até o osso durante uma “janela de
oportunidades”, com possível prorrogação. Obama Linha Vermelha está a bordo,
afirmando, antes de embarcar para a Suécia e para o G-20, que sua “palmadinha na
mão” prévia “harmoniza-se” com mudança de regime.
Nem algum
espectro de Maquiavel encontraria adjetivo que descreva o mundo inteiro à
espera, sem acreditar, para saber o que a quase universalmente desprezada Câmara
dos Representantes dos EUA (aprovada por 15% dos eleitores, segundo pesquisa
deRealClearPolitics) decide, ao estilo do Império Romano, e baixe o
polegar autorizando o bombardeamento de uma das mais antigas cidades que a
humanidade construiu (ora... mas há precedente ilustre! Eles também aplaudiram a
operação Choque e Pavor contra Bagdá, que derrubou os mongóis que se iam
tornando medievais no século 13).
E tudo isso
contra o desejo do “povo americano” do qual, segundo pesquisa Reuters/Ipsos, só
impressionantes 9% apoiam essa loucurada.
Sim Nós
Bombardeamos. Mas para quê? O diálogo transcrito abaixo poderia ter saído
diretamente de Monty Python. Desgraçadamente, é
real.
Martin Dempsey |
Comandante
do Estado Maior das Forças Conjuntas dos EUA general Martin Dempsey: A resposta sobre se eu apoio ajuda
adicional à oposição moderada é sim”.
Senador Bob Corker (R,
Tennessee): E essa autorização
apoiará aquelas atividades além de responder às armas de destruição em
massa
Dempsey: Não
sei como a resolução evoluirá, mas eu apoio...
Corker: O que
o senhor busca. O que é que o senhor está buscando?
Dempsey: Não
posso responder essa pergunta, o que nós estamos buscando...
O
Pentágono não tem ideia – melhor dizendo: faz que não tem. Mas Bandar Bush,
AIPAC/Israel e vastos setores do complexo industrial-militar sabem exatamente o
que estão buscando. E o Secretário de Estado, John Kerry sabe, não só o que
estão buscando, mas também quem paga a conta. E disse, precisamente:
(...)
os EUA estão preparados para fazer a
coisa completa assim como fizemos antes em outros locais, e eles [países árabes]
arcarão com esse custo. Mostra o quão
dedicados são à coisa.
Vídeo a seguir, em
inglês:
Bombas
grátis. Três meses. Com acordo prévio para prosseguir. Operação Tomahawk com queijo, bacon, cebolas,
chili, mayo, guacamole, serviço completo. Tudo cortesia do
príncipe Bandar Bin Sultan da Arábia Saudita – codinome Bandar Bush – mais seus
sabujos, Emirados e Qatar. O que haveria de errado? O inestimável Vijay Prashad,
autor de The Poorer Nations, usou a calculadora:
Vijay Prashad |
Prova A: Os
sauditas puseram “sobre a mesa” a oferta de pagarem por todo o assalto dos EUA à
Síria.
Prova B: em caso
de assalto à Síria, o preço do petróleo subirá de $109 para $125 o barril
(cenário básico), com possibilidade de chegar a $150 o barril. A Arábia Saudita
produzirá 9,8 milhões de barris de petróleo por dia. Se se verificar o cenário
básico, os sauditas terão um super lucro extra de $156,8 milhões por dia. Caso
se verifique o outro cenário, nesse caso os sauditas embolsarão $401,8 milhões
por dia. Não é mau negócio de arbitragem, vindo do Sr. Bandar e sua gangue de
sauditas “democratas”.
Addendum: cada Tomahawk custa apenas US$1,5 milhão. Com a
perspectiva de despejo livre de dinheiro de Bandar Bush, haverá fluxo compatível
de [cerveja] Krug no quartel-general da empresa Raytheon.
Confrontados
com o casamento suntuoso do complexo industrial-militar com a Casa de Saud já
produzindo rebentos letais devidamente empregados como Força Aérea da
al-Qaeda... um pequeno detalhe, como jihadis chechenos linha duríssima formando sua
própria milícia, os Mujahedin do Cáucaso e do Levante, é, bem... É irrelevante.
Também é irrelevante o fato de aqueles jihadis serem comandados por ninguém menos que o
próprio Bandar Bush, que se pavoneou, para o presidente Putin, de que pode
ligá-los e desligá-los da tomada, como bem entenda.
Quer dizer:
se aqueles chechenos são sabujos a serviço de Bandar, são também Amigos de
Obama/Kerry/Rice/Power. Como os jihadis que estão tentando ocupar a cidade “dos
Cruzados”, Maloula – onde ainda há gente que fala aramaico, a língua de Jesus –
e onde alegremente conseguirão degolar dúzia e meia de cristãos infiéis.
O que diz
Zbig?
Obama Linha Vermelha, seja como for, já avisou que, sim,
bombardeará – e decida o Congresso o que decidir. Obama, claro, é pau mandado –
não consegue nem encontrar Maloula num mapa (para nem se lembrar dos seus
“conselheiros de segurança” do tipo Ben Rhodes). A Síria é um pêssego a ser
devorado. Independente demais. Aliada de Irã e Rússia. Aquelas fontes de rio no
Golan, que Israel cobiça. A chance de provocar ainda mais a Rússia no Cáucaso. A
chance, no longo prazo, de desestabilizar a China em Xinjiang. A chance de
isolar o Hezbollah, de permitir outra invasão israelense no sul do Líbano. E
abrir a estrada (letal) para Teerã.
Recep Tayyip Erdogan |
Mas as
agendas continuam divergentes. O Primeiro-Ministro, Recep Tayyip Erdogan na
Turquia abençoaria uma “mudança de regime”, mas está petrificado de medo de que
os curdos sírios tornem-se completamente independentes e metam mais ideias
tóxicas na cabeça dos curdos turcos. A Casa de Saud só quer total “mudança de
regime”, e é capaz de, num só golpe, tentar varrer o Irã, o Iraque e o
Hezbollah. E se aqueles Amigos de Kerry Allahu Akbar & Cia. enlouquecerem de vez? Eles não
estão em solo da Arábia Saudita nem ameaçam a petromonarquia. Assim sendo... é
deixar que combatam os “apóstatas” xiitas nas mais variadas latitudes.
Vejamos o
que pensa sobre tudo isso o homem quem, em teroia, instilou essas perolazinhas
de realidade das relações internacionais no cérebro de Obama Linha Vermelha.
Zbigniew “Grande Tabuleiro de Xadrez” Brzezinski está a favor de “alguma ação militar simbólica”. Taí!
Modalidade custo efetiva para fazer isso poderia ser descer Kerry, de
paraquedas, diretamente em Maloula.
O Dr. Zbig
quer também “envolver as potências orientais”, dado que “têm de estar muito
preocupadas com para onde essa coisa está indo”. Correto: foi o que disse o
presidente Xi Jinping da China, a Putin, que está preocupado com o petróleo a
$150 o barril. Os russos, segundo o Dr. Zbig, estão usando “linguagem agressiva
e insultante”. Ridículo – quando Putin chamou Kerry de mentiroso, disse pouco.
Verdade é que o Dr. Zbig está petrificado de medo de que “os russos usem esse
conflito, se explodir, para minar toda a nossa posição no Oriente Médio”. Em
tempo: vossa “posição” já está super minada em todo o planeta, não só no Oriente
Médio.
Zbigniew Brzezinski |
E quando o
Dr. Zbig diz que os russos “têm medo de estabilidade no Cáucaso” e que “Putin vê
que os Jogos de Inverno estão ameaçados” e “há alavancagem aqui, que nós podemos
usar inteligentemente”, fala como sub-do-sub, de Bandar Bush, ameaçando Putin de
soltar os chechenos “de Bashar” em Sochi em 2014.
Muito mais
esclarecedor, e sem dupliconversa, é o que deseja a “oposição” manipulada. Irã,
Irã, só Irã, e o “terrorista aliado” Hezbollah (está tudo aqui, na página 6).
O show Xi-Putin
Apesar de
imensa nessa histeria geral, a caravana dos BRICS conseguiu fazer discussão
séria, no G-20. Organizaram mini-reunião para coordenar sua posição comum – a
qual, no que tenha a ver com a Síria, é totalmente antiguerra (o que ninguém
lerá nos jornais da imprensa-empresa ocidental). Declararam, en bloc, que a guerra de Obama terá
“efeito extremamente negativo sobre a economia global”.
Assim sendo,
como grupo, discutiram como fazer aumentar o comércio entre eles mesmos, usando
suas próprias moedas; como desenvolver seus mercados (parte da agenda russa
original para esse G-20); e como melhorar as relações comerciais. Estratégia
comum: várias rotas de fuga para bem longe da – e contra – a hegemonia do dólar
norte-americano.
Avançaram
nas negociações relacionadas à estrutura do capital, acionistas e governança do
banco de desenvolvimento dos BRICS; capital inicial de $50 bilhões e um fundo de
emergência de $100 bilhões, uma espécie de Fundo Monetário Internacional dos
países emergentes. O banco deve dar a partida de fato, na próxima reunião de
cúpula dos BRICS, no Brasil, em 2014.
Presidentes dos BRICS reunidos em São Petersburgo em 5/9/2013 |
No que tenha
a ver com Rússia e China, há a reunião anual da Organização de Cooperação de
Xangai [orig. Shanghai Cooperation
Organization (SCO)], semana que vem. Antes disso, já antecipando os $200
bilhões de comércio bilateral em 2020, Xi e Putin discutiram uma vasta série de
megaprojetos – não só para o Oleogasodutostão – e a proverbial “mais coordenação
estratégica internacional”. A versão em chinês dessa parceria estratégica é uma
beleza: “Semear na primavera e colher no outono”.
Barack Obama |
É como
dormir numa daquelas famosas camas do hotel Four Seasons. Nada de histerias.
Nada de “linhas vermelhas”. Nada de Tomahawks. Nada de “está em jogo a nossa
credibilidade”.
Eis o
que Obama disse em agosto de
2012:
Nós fomos muitos claros para o
regime Assad, mas também para outros jogadores em campo, que uma linha vermelha
para nós é quando começarmos a ver toda uma gama de armas químicas andando por
lá ou sendo utilizadas. Isso mudaria meu cálculo. Isso mudaria a minha
equação.
Observe-se o
“meu” [cálculo] e outra vez a “minha” [equação], invocando para ele mesmo, não
para algum “o mundo”, a responsabilidade.
Assim se vê
que, enquanto as caravanas de Xi e Putin fazem reviver o espírito da Rota da
Seda, os cães da guerra só fazem latir, e a opinião pública bem informada por
todo o planeta começa a considerar a possibilidade de que Obama, que já deixou de assumir a plena
responsabilidade pelo
que diz e, em 2013, tenta culpar “o mundo”, bem pode ser também, covarde.
[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista brasileiro; vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista e correspondente das redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera; além de vários bloogs e sites. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu, no blog redecastorphoto.
Livros
- Globalistan:
How the Globalized World is Dissolving into Liquid
War,
Nimble Books, 2007
- Red Zone Blues: A Snapshot of
Baghdad During the Surge,
Nimble Books, 2007
- Obama Does
Globalistan,
Nimble Books, 2009
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.