18/9/2013, [*] Yoichi
Shimatsu, Global Research [1]
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Ake Sellstrom entrega Relatório a Ban Ki-Moon sobre armas químicas na Síria em 17/9/2013 |
Em
vez de assegurar investigação não politizada e análises laboratoriais, a
investigação pela ONU sobre ataques denunciados na Síria, por gás venenoso, foi
dirigida pelo professor Ake Sellstrom, homem cercado de mistérios, cujos
relacionamentos políticos e militares são envoltos num denso véu de sigilos.
O
Relatório sobre a Síria para a ONU e, antes, os relatórios sobre inspeções
feitas na Síria são ambos duvidosos, para dizer o mínimo. Aos olhos dos leigos,
sua aparente objetividade e a aparente isenção baseiam-se no mito da
neutralidade da Suécia. A opinião pública assume – erradamente – que a Suécia
jamais tomaria partido em guerras e nos conflitos geopolíticos.
A
fraude da neutralidade
O
verniz apenas cosmético da neutralidade sueca já foi outras vezes habilmente
explorado por Israel e pela OTAN para perpetrar falsidades, servindo-se para
isso do trabalho de Sellstrom na ONU, inclusive para negar as causas químicas e
biológicas da “Síndrome da Guerra do Golfo” e os embarques de armas químicas
fornecidas pelos EUA ao governo de Saddam Hussein.
Hans Blix |
No
Iraque, as equipes de inspetores de Hans Blix e Ake Sellstrom não investigaram
os bunkers de armas especiais que foram bombardeados por aviões
norte-americanos na invasão.
Sellstrom
jamais fez qualquer tentativa de examinar as embalagens de mais de um metro de
altura, fabricação norte-americana, do gás VX de efeito neurológico que foram
encontradas na Base Aérea de Balad por soldados da American National Guard.
A
missão de Sellstrom não era provar a culpa do Irã, mas livrar Washington do
crime de ter fornecido gás de destruição em massa a Bagdá. Salvar da desgraça
funcionários do governo dos EUA como Donald Rumsfeld, que seria acusado de
traição, é muito mais importante para o poder imperial que descobrir fatos num
teatro de guerra.
A
crítica mais radical das investigações da ONU no Iraque foi feita por um
investigador norte-americano, Scott Ritter, que acusou a equipe de ter espionado
a favor de Washington e da OTAN. A mesma dúvida surge hoje, sobre o relatório
Sellstrom sobre a Síria. Sellstrom trabalhou para Washington e Telavive?
Homem
de frente da OTAN
O
que se divulga publicamente sobre Sellstrom é que trabalha como bioquímico chefe
do Centro Europeu CBRNE, na Umea
University no norte da Suécia, patrocinado pelo Ministério da Defesa da
Suécia (FOI). Embora o país não seja membro da OTAN, os militares e a
polícia sueca têm papel importante nos negócios de segurança europeia, e são os
autores do projeto de ação repressiva de 2009 da União Europeia, baseado no
Programa de Contraterrorismo de Estocolmo.
Praticamente
todo o dinheiro que mantém os projetos de pesquisas interdisciplinares do CBRNE
vem do orçamento da União Europeia para guerra ao terror. Esses projetos
incluem: defesa estratégica para ataques terroristas de grande escala (o
relatório recém divulgado sobre a Síria usa inacuradamente a expressão
“relativamente grande escala”); recomendações à União Europeia para resposta
médica de emergência; e treinamento especializado para os especialistas na Umea University, inclusive para oficiais
militares ligados à OTAN.
O
complexo militar sueco, que inclui Saab e Bofors, é qualquer coisa, menos
pacifista ou neutro. A imagem de neutralidade que o reino oferece é útil,
sobretudo a Israel, que já explorou a imagem de limpeza da Escandinávia, quando
se tratou de montar uma política para palestinos e estados árabes, como se
comprovou nos Acordos de Oslo.
A
Umea University mantém vínculos
profundos de pesquisa com o Instituto Israel de Tecnologia (Technion), a
universidade com sede em Haifa que produz tecnologia de ponta para o exército
israelense e suas agências de inteligência. Vários departamentos, envolvidos em
pesquisas conjuntas com especialistas de Israel, participam de estudos
multidisciplinares no Centro CBRNE de Sellstrom, dentre os quais, o departamento
de computação, que coopera com o Technion israaelense no setor de sistemas de
controle desde 2004; a faculdade de Medicina; e no campo da química, área de
estudos do próprio Sellstrom.
Vista aérea do Technion -Israel Institute of Technology |
A
pesquisa em cooperação sueco-israelense é ativamente estimulada pela Real
Academia Sueca de Ciências, que oferece bolsas e prêmios para aproximar as
indústrias e as universidades dos dois países. Esse ano, o Estado de Israel está
patrocinando o programa Start Tel
Aviv de expansão de laços culturais, numa incansável campanha para subverter
a Escandinávia. A agenda fortemente política e os laços militares por trás da
cooperação bilateral já foram causa de uma ação de boicote anti-Israel, entre os
professores e acadêmicos suecos.
Nenhuma
credibilidade na questão síria
A
expressão “relativamente grande escala” que aparece na introdução do relatório
da ONU sobre a Síria é erro e exagero, porque qualquer ataque um pouco maior com
gás sarin teria resultado em dezenas de milhares de mortos, sobretudo se o gás
tivesse sido dispersado por foguetes militares. Os primeiros vídeos de Ghouta
mostravam moradores saindo das casas para a rua, ofegantes, à procura de ar
limpo. Se tivessem sido usados foguetes eficientes, todos eles, sem exceção,
teriam morrido na rua, instantaneamente. A liberação do gás, portanto, aconteceu
em ambiente fechado e tem de ter sido acidental, mais provavelmente num arsenal
secreto de grupos rebeldes.
Resíduos
químicos de supostos foguetes teriam sido oxidados pelo calor do impacto e com
absoluta certeza não restaria nenhum traço detectável de organofosfato, porque o
sarín decompõe-se quimicamente em 20 minutos. Os foguetes são desenhados com um
sistema binário, pelo qual dois precursores químicos misturam no ar, no momento
da dispersão. Portanto, não há necessidade de estabilizadores ou de
dispersantes, o que implica que não restam vestígios químicos identificáveis. Os
inspetores da ONU chegaram muito depois de expirado o prazo para testar
amostras. E é também possível que o local e os pedaços de foguete tenham sido
mascarados com sinais falsificados pelos rebeldes e seus conselheiros militares
estrangeiros.
Não
é possível conhecer o número exato de mortos, e com certeza não se veem nos
vídeos mais que uma dúzia de cadáveres em cada imagem. As cenas com crianças são
clássicas na propaganda de guerra e não são críveis, se só se veem poucos
rostos. O efeito somatório daquelas imagens é mais próximo da teatralização que
da reportagem confiável.
A
estratégia de Sellstrom, como tudo indica, é apontar o dedo acusatório contra o
regime sírio, ao mesmo tempo em que fecha a possibilidade de cenários
alternativos e, de fato, mais prováveis.
Agenda
Oculta
Samantha Power |
A
embaixadora dos EUA à ONU, Samantha Power, fez questão de esclarecer com muita
ênfase, que “o gás de efeito neurológico usado na Síria era mais concentrado que
o gás de efeito neurológico no Iraque”. A declaração dela, corretamente redigida
é: “Saddan pode até ter transferido para a Síria o gás letal que os EUA lhe
forneceram, mas não foi o nosso gás letal que matou civis sírios”.
O
ponto crucial do Relatório Sellstrom é: salvar Washington do crime de ter sido o
principal fornecedor de precursores do gás letal, das fórmulas, dos sistemas da
tecnologia de emprego e armazenagem do gás letal para todo o Oriente Médio,
incluindo Israel, Egito, Líbia, Iraque e, possivelmente, também para a Síria
(durante a era de boa vontade de Clinton).
O
relatório da ONU sobre armas químicas na Síria não tem os mínimos requisitos de
credibilidade, também dado o currículo duvidoso do inspetor chefe, Ake
Sellstrom, financeira e politicamente comprometido em todos os níveis. É
necessária uma missão técnica imparcial, de especialistas investigadores
internacionais conhecidos e respeitados pela própria comunidade de
especialistas, mas nem essa terá qualquer chance de fazer investigação
confiável, enquanto Washington continuar a fornecer armas e apoio político aos
insurgentes, inclusive à Al-Qaeda.
O
objetivo geopolítico que se oculta por trás da cenografia orquestrada pela Casa
Branca para a Síria é tirar de Damasco a sua já limitada capacidade de contenção
contra as forças nucleares israelenses. Gás de efeito neurológico não chega a
ser resposta à altura de um ataque com ogivas nucleares, mas o objetivo de
Israel parece ser a absoluta supremacia estratégica contra os estados árabes e o
Irã. Com o novo relatório da ONU sobre a Síria, Telavive está muitíssimo mais
perto de conseguir deixar todos os seus vizinhos, além de divididos, também sem
defesas.
_______________________
[*]
Yoichi Shimatsu é
jornalista especializado em ciências, que trabalha em Hong Kong e coordenou a
equipe de jornalistas investigativos do jornal Japan Times Weekly. Foi
consultor da revista Takarajima 30, na investigação sobre o ataque com
gás sarin, no metrô de Tóquio, em 1995.
Nota
dos tradutores
[1]
Este artigo foi dica de Pepe Escobar, pelo Facebook: “Até agora, a
melhor matéria sobre o caso da inspeção da ONU na Síria. Shimatsu é jornalista
de alta credibilidade. A hipótese mais aceitável, para ele, é que não houve
foguete algum; que o mais provável é que tenha sido um acidente, num arsenal dos
jihadistas; coincide com o que escreveu Dave Gavlak, que entrevistou moradores
de Ghouta” (Pastebin)
comentário enviado por e-mail e postado por Castor
ResponderExcluirInteressante, mesmo. Só me pergunto onde é que estava o senhor Yoichi Shimatsu, do Global Research, antes de a missão sequer chegar à Síria, conduzir a sua super investigação e divulgar o seu grande relatório. Porque se continuarmos só reagindo, vai continuar fácil para os que têm a empresa midiática nas mãos desacreditar ou ridicularizar o que tentamos dizer.
O que quero dizer é que devíamos ter feito um levantamento sobre a vida do cientista sueco antes, e feito alarde sobre isso antes, se é para questionarmos o envolvimento dele nas investigações, e não agora, que o resultado já saiu e tem sido usado para atribuir alguma responsabilidade ao governo sírio.
Moara Crivelente
Tem razão, Moara! Mas é melhor reagir, mesmo mais tarde do que não reagir...
ExcluirCastor
Amigos do Redecastor
ResponderExcluirPor que vocês não criam um meio de assinarmos este blog?Por 9,90,como outros blogs têm feito,vocês teriam muitos assinantes e poderiam traduzir mais textos(além dos muitos que já traduzem).
Eu assinaria na hora.
Marco ANL de almeida
Estamos pensando nisso...
ExcluirCastor Filho