7/10/2013, [*] Nikolai BOBKIN, Strategic
Culture
Traduzido
pelo pessoal da Vila Vudu
Hamid Karzai, presidente do Afeganistão |
O
presidente do Afeganistão, Hamid Karzai, decidiu suspender os acordos de
segurança com os EUA, o que exasperou Washington. Barack Obama ameaça Karzai
com a “opção zero” (nenhum soldado norte-americano em solo afegão, ao final de
2014). A decisão de Kabul, de recusar diálogo direto com os Talibã, onde aspira
ao papel de intermediário a favor dos EUA causa frustração que pode acelerar a
retirada da coalizão liderada pela OTAN. O alto oficialato norte-americano
sugere que a retirada aconteça antes do início da temporada de combates,
deixando o país entregue à própria sorte, como já fizeram no Iraque.
Há risco
real de as forças do governo afegão serem deixadas face à face com os Talibã no
prazo de 5-6 meses. Os eventos podem desenrolar-se como no cenário sírio. Como
se antevê em Moscou, o terrorismo pode “respingar” de um país para o outro. A
questão é: os EUA retirar-se-ão completa e simultaneamente, ou será retirada em
fases, gradual, com cerca de 9-10 mil homens deixados permanentemente no
Afeganistão?
Hoje, a
Força Internacional Auxiliar de Segurança [orig. International Security Assistance Force
(ISAF)] de 100 mil soldados e os militares afegãos são responsáveis pela
estabilidade; essa última está sendo expandida em ritmo de urgência e deve
alcançar cerca de 260 mil elementos de pessoal ativo, em 2015. Atualmente com
150 mil soldados, os militares afegãos parecem força formidável, mas não têm
treinamento profissional. Os instrutores militares dos EUA admitem que os novos
recrutas têm recebido treinamento insuficiente para combate, no processo de
apressar o recrutamento. Segundo a ISAF,
a perda anual é de 34, 8% dos alistados, por deserção, baixas em combate,
licença por ferimento e condições precárias para a retenção dos alistados.
Localização da ISAF - Força Internacional Auxiliar de Segurança (clique na imagem para visualizar) |
Algumas
áreas e instalações militares vão sendo gradualmente postas sobre controle das
forças afegãs. Em março de 2014, as forças afegãs terão de assumir
integralmente os serviços de segurança, apesar de a luta contra os Talibã
jamais cessar.
2013 foi o
ano mais sangrento desde que as forças da coalizão chegaram ao Afeganistão. Os
Talibã estão mais ativos, as forças da coalizão evitam combates, o que deixa
desamparados os afegãos despreparados para enfrentar sozinhos o inimigo. Houve
13-27 baixas na coalizão por mês, desde que a luta recomeçou na primavera de
2013; e mais de 100 mortos e cerca de 300 feridos na força nacional afegã,
polícia nacional afegã e unidades de autodefesa. O número de mortos nas forças
armadas afegãs é mais de três vezes superior às baixas na coalizão em 2010 e 2011
(o maior número de baixas é de norte-americanos). Kabul parou de informar sobre
o número de militares mortos, para não abater a moral nacional. Os militares da ISAF entendem que as forças afegãs não poderão
suportar por muito tempo as atuais taxas de baixas nas suas forças.
A
liderança afegã tampouco confia nas forças armadas, porque nada assegura que os
soldados não desertem para unir-se aos Talibã. Não se pode esquecer que há ali
uma guerra civil, e a “ajuda externa” absolutamente não conseguiu resolver
grande número de problemas. A maioria dos especialistas entende que nenhuma paz
ou estabilidade serão jamais possíveis, se os Talibã não forem integrados no
processo político. O governo entende que conversações diretas entre Washington
e os Talibã (sem a participação de Kabul) é agressão à soberania nacional
afegã. Os EUA creem que as conversações diretas são o melhor meio para pôr fim
à violência. É possível que os Talibã apresentem candidato às próximas eleições
presidenciais em abril de 2014. Karzai, o atual presidente, não pode concorrer
a um terceiro mandado nos termos da Constituição; e não há sucessor à vista. É
altamente provável que o único candidato viável apareça entre os quadros dos
Talibã.
Karzai é
pashtun e muçulmano sunita; absolutamente não exclui um diálogo direto (sem a
participação dos EUA) com os Talibã, que também são pashtuns e sunitas. A
presença da OTAN sempre foi obstáculo a qualquer conversação, mas foi a OTAN
quem assegurou dois mandatos presidenciais a Karzai. Agora, a situação mudou;
Karzai deixará a presidência; e a ISAF tem prazo marcado para deixar o país. Obama
tem certeza de que até outubro estará assinado um acordo de segurança, mas
Karzai não tem pressa para definir coisa alguma até depois das eleições
presidenciais. Foi atitude muito claramente visível, quando ele disse que se o
acordo puder ser assinado durante seu mandato, OK. Se não, o novos governantes
do país tomarão a decisão que lhes pareça melhor. Washington continua a insistir
que o acordo seja assinado antes das eleições, mas sem sucesso. Oriental no
espírito e no temperamento, Karzai não é dado a decisões apressadas; e, além do
mais, também tem seus próprios planos.
Os
norte-americanos têm de saber quantos soldados poderão permanecer depois da
retirada, mas a Karzai interessa saber o que ganhará por seu governo aprovar a
permanência, caso se chegue a formalizar o acordo de segurança. É serviço que
se avalia na casa dos bilhões de dólares.
Ronald E. Neumann |
O
ex-embaixador dos EUA no Afeganistão, Ronald E. Neumann, avalia que o custo da
permanência a ser definido em função do tamanho da força que permaneça no
Afeganistão não será menor que US$5 bilhões/ano, além dos gastos da embaixada.
Ano que vem, os EUA e aliados terão de gastar US$7,7 bilhões para cobrir os
custos militares no Afeganistão, e a fatia de Kabul não ultrapassará US$2
bilhões.
O governo
de Karzai continua mergulhado num pântano de corrupção. Segundo relatório
distribuído pela ONU em fevereiro de 2012, o povo afegão pagou US$3,9 milhões
em propinas a agentes do estado afegão. Empresas ocidentais, que trabalham na
reconstrução do país, gastaram mais de US$1 bilhão para molhar a mão de
funcionários afegãos e obter contratos. Em Washington, já é voz corrente que o
gasto foi completo desperdício. O fato de que Karzai admite as dificuldades
torna ainda mais forte a crítica contra o governo Obama.
Os EUA
gastaram mais de US$1 trilhão nas operações do Iraque e do Afeganistão; os
contribuintes norte-americanos pagaram cerca de 11 milhões de dólares por hora,
para financiar as operações militares desde 2001. É quase impossível
compreender a lógica dos EUA, com tantos mortos, tantos bilhões de dólares
desperdiçados e, isso, só para matar um terrorista?! Outras missões tampouco
foram cumpridas, o que obriga a questionar as razões do Pentágono e do governo
dos EUA.
Manter o
apoio ao governo dos EUA não faz sentido algum para Washington, mas é
impossível suspender os gastos. A retirada das forças dos EUA será
provavelmente a operação mais cara e mais complexa de toda a história das
forças armadas norte-americanas. Os britânicos já declararam que a retirada dos
seus soldados é operação sem precedentes no século 20 – e os britânicos têm de
retirar apenas 9 mil soldados do país, nada que se possa comparar à retirada do
contingente norte-americanos de mais de 60 mil homens, armamentos pesados e
estrutura de logística. Essa retirada é muito mais complexa que a retirada do
Iraque.
Guerreiros Talibã preparando-se para a luta no Afeganistão (foto de 2010) |
O
Afeganistão não tem acesso ao mar. Há poucas rotas terrestres possíveis: a
estrada de Karachi; a ferrovia para a Rússia, passando pelo Uzbequistão e pelo
Kazaquistão; e a rota aérea para aviões de carga até o Golfo Persa. O
Departamento de Defesa dos EUA está prevendo um gasto de cerca de US$80 bilhões
em 2014 , para essa retirada. Esse número aparece no pedido de autorização para
gastos extraordinários submetido ao Congresso. Dia 30/9, quando se encerrou o
ano fiscal de 2013, o gasto chegava a US$37 bilhões.
Tudo isso
implica dizer que a “opção zero” para o próximo ano custará duas vezes mais
cara, o que faz do adiamento da retirada a opção “mais barata”. Mas o governo
afegão e seus vizinhos muito provavelmente se oporão a isso, temerosos de que a
instabilidade aumente no país.
[Continua]
__________________________
[*] Nikolay Bobkin; PhD em Ciências Militares,
professor associado e pesquisador sênior no Center for Military-Political
Studies, Institute of the U.S.A. & Canada. Colaborador especialista
na revista online New Eastern Outlook. Escreve habitualmente para
diversos sites e blogs tais como: Strategic Culture, Troubled
Kashmir, Make Pakistan Better e muitos outros.
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