19/12/2013, [*] MK Bhadrakumar,
Indian Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Viktor Yanukovich (E) e Vladimir Putin (D) riem dos esforços do "Ocidente"... na Ucrânia |
É possível
que a Rússia tenha acabado de obter seu ganho mais significativo de toda a era
pós Guerra-Fria, quando o Kremlin movimentou-se com firmeza na 3a-feira e
ofereceu grande
pacote de resgate à depauperada economia da Ucrânia; e pode ter dado
grande salto adiante na direção de engajar aquele país na União Eurasiana, que
Moscou planeja como grande organização guarda-chuva que reunirá as repúblicas
ex-soviéticas.
É, sem
dúvida, um dos melhores momentos de Putin do Kremlin. O caso é simples: se a
Ucrânia caminhar na direção da órbita ocidental, a Rússia tem de recair na
posição de defesa, em termos estratégicos; sem a Ucrânia, a União Eurasiana
permanece praticamente inexistente ou gravemente inadequada; com a Ucrânia, a
União Eurasiana restaura, nada mais nada menos que a União Soviética, em termos
político-econômicos.
Não
surpreendentemente, o
Ocidente está em surto, e o humor dos velhos guerreiros da Guerra Fria
não poderia ser pior ou mais feio. A Rússia está derrotando o ocidente no
próprio jogo ocidental de diplomacia do talão de cheque. E nenhum tanque russo
será visto nas ruas de Kiev, como em Budapeste em 1956.
Os
ministros de relações exteriores da União Europeia já desceram, sem cerimônias,
do alto pedestal do qual incansavelmente tentaram doutrinar a Ucrânia, pregando
os valores dos direitos humanos e as vantagens da democracia liberal, e já
esbravejam que estão prontos a assinar uma associação em reunião
especial essa semana mesmo, se o presidente Yanukovich assim quiser. Mas já é
pouco e tarde demais.
Washington
também, gagueja, sem
saber o que dizer. Agora, só restam ao “ocidente” os manifestantes
vindos de áreas do leste da Ucrânia, reunidos na praça central de Kiev.
Bastarão, para a CIA fazer deles uma revolução colorida? É o único raio de
esperança que resta ao “ocidente”.
Dívida externa da Ucrânia consolidada até julho/2013 |
A
dificuldade está em que nem os EUA nem a União Europeia tem dinheiro algum (ou
a vontade política de fazer aparecer o dinheiro) para ajudar a aliviar a
impressionante dívida externa da
Ucrânia. A Rússia, por sua vez, está oferecendo suporte econômico de
$15 bilhões; a redução de 1/3 no preço do gás natural vendido à Ucrânia; e está
ajustando proporcionalmente os $2 bilhões que Kiev deve à Gazprom, de vendas
passadas.
Além disso,
foram assinados acordos comerciais pelos quais Moscou faz várias concessões
para aumentar as exportações ucranianas para o mercado russo. Está marcada para
o final do mês uma reunião de cúpula do Conselho da União Eurasiana; vale a
pena verificar se os desenvolvimentos de ontem efetivamente se convertem em
processo de integração do espaço pós-soviético, sob a liderança de Moscou.
E há,
claro, um “ângulo chinês” nisso tudo. Yanukovich fez visita de quatro dias a
Pequim e há sinais de que a China
também se ofereceu para ajudar a Ucrânia. O relato chinês da reunião
entre Yanukovich e o presidente Xi Jinping tinha cheiro de relações
estratégicas em construção, o que terá consequências importantes para a
política eurasiana. Interessante: na viagem de volta de Pequim, Yanukovich
encontrou-se rapidamente com Putin em Sochi, presumivelmente para informá-lo
das suas
conversas com Xi e deixar claro que mantém o acertado com Moscou.
Ainda é
cedo demais para dizer se o padrão de coordenação Rússia-China nas questões do
Oriente Médio pode repetir-se noutros pontos. Sabe-se que os laços que a Rússia
está desenvolvendo com o Vietnã auxiliam
indiretamente a China,
ao manter os EUA à distância; e, por outro lado, os laços entre China e
Ucrânia ajudariam a criar espaço para que a China não tenha de depender tanto
do ocidente, o que, de certo modo, também interessa a Moscou.
Os presidentes da Ucrânia e China, Viktor Yanukovick (E) e Xi Jinping (D), em 5/12/2013 |
De fato, a
Índia tem muito o que aprender da abordagem russa para a integração da região
eurasiana. Como “Big Brother”, a Rússia fez o possível e mais um pouco para
cortejar o “Pequeno Irmão” ucraniano. A economia russa também tem seus próprios
desafios, mas Moscou encontrou meios para fazer sacrifícios e montar um pacote
de resgate para a economia ucraniana, mostrou disposição para ceder fatia
substancial da própria renda da exportação de energia para a Ucrânia e, ainda,
oferecer acesso preferencial às exportações ucranianas, apesar da concorrência
que podem vir a criar para a indústria e agricultura russas. Tudo isso, porque
Moscou decidiu que é vital para os interesses russos de longo prazo que a
Ucrânia permaneça país amigo, mesmo que haja um preço a pagar em dinheiro. É
desafio semelhante ao que a Índia enfrenta no Nepal ou Sri Lanka ou Maldivas.
Um segundo
ponto é que se se estuda mais atentamente a diplomacia russa para a Ucrânia,
não é, tampouco, jogo de soma zero, em que um lado ganha tudo e o outro só
perde. A Ucrânia permanece livre, mesmo hoje, para exercer seus direitos
soberanos de desenvolver laços com a União Europeia. Além disso, Moscou
reconhece que porções consideráveis do povo ucraniano está fascinado pela
Europa ocidental, e essa é questão legítima de padrões de vida, e por que
outros (inclusive russos) não quereriam boa vida? A Rússia concede que a Europa
não pode ser partida e que a União Europeia tem interesses legítimos na
Ucrânia.
No que
tenha a ver com geopolítica, não há analogias completas, mas é inevitável que
se comece, na Índia, a pensar sobre a Índia e seus vizinhos menores, ante o
crescimento da China. Moscou também tem seus medos maniqueístas de um “colar de
pérolas” [de bases militares]. Mesmo assim, conseguiu pensar racionalmente e
está claramente orientada para o que realmente faz diferença: a expansão da
OTAN para a Ucrânia, o que poria os exércitos da Aliança Atlântica bem ali, na
soleira da porta da Rússia. Não se cogita tampouco de permitir que os EUA
instalem seu sistema de defesa de mísseis em território ucraniano. Por outro
lado, rodear as questões sem nada fazer tampouco ajuda, uma vez que laços
amistosos com a Ucrânia também ajudam a Rússia a manter presença efetiva na
região do Mar Negro, dos Bálcãs e na Europa Central como um todo, e, claro, no
Transcáucaso.
[*] MK
Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou
serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão,
Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e
Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações,
dentre as quais The Hindu, Asia Times Online, Strategic Culture,
Global Research e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK
Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de
Kerala.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.