21/12/2013, [*] Sharmine Narwani, Al-Akbar, Líbano
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Ver também: 25/12/2013, Asia
Times Online (traduzido em redecastorphoto): Pepe Escobar: “Tudo
em disputa no Novo Grande Jogo”.
Mapa do “Arco da
Segurança” (de S. Narwani, E. Adaime, A. Amacha) (clique na imagem para aumentar) |
Muitos
observadores acertam, ao perceber que está em andamento outra mudança sísmica
no Oriente Médio, a qual – com a destruição dos arsenais químicos da Síria,
negociada com intermediação dos russos; uma reaproximação EUA-Irã; a queda na
importância estratégica de Arábia Saudita e Israel; e a retirada dos EUA do
Afeganistão – contribuirá, como as demais, para alterar consideravelmente a sempre
mutável dinâmica regional.
Mas que
nova deriva é essa? De onde virá, a que levará, o que a definirá?
Já se vê
agora claramente que o novo “rumo”, essa nova deriva, no Oriente Médio é
dirigido, primariamente, contra a “ameaça de segurança” gerada pela
proliferação de combatentes islamistas extremistas sectários em número jamais
visto, nem no Afeganistão ou no Iraque. Esse perigo que ameaça todos foi o
ímpeto que fez surgirem inúmeros acordos diplomáticos globais que abriram
inesperadas áreas de cooperação entre grupos diversos de países, alguns dos quais
adversários.
Mas esses
desenvolvimentos recentes vêm com marca nova, rara, pós-imperialista. Pela
primeira vez em décadas, essa deriva será comandada de dentro da Região, pelos
estados, grupos, seitas e partidos do Oriente Médio mais diretamente ameaçados
pelo extremismo. Porque hoje já não aparecerá ninguém para “salvar” o Oriente
Médio.
Com
militantes salafistas voando em bandos através de várias fronteiras – do
Levante ao Golfo Persa, ao Norte da África e noutros pontos – estados
desintegram-se, com a integridade e a soberania territoriais sob ameaça, as
instituições e a economia em ruínas, as respectivas forças armadas impotentes
contra a guerra de guerrilhas que os infratores praticam.
Mas, de
dentro desse caos, um grupo de países na linha de frente dos combates decidiu
construir uma solução.
A resposta
deles é enfrentar diretamente os militantes, arrancá-los de suas áreas e
cortar-lhes as raízes. Atualmente, já partilham inteligência e cooperam nos
combates com recursos coletivos, trabalhando para obter apoio da comunidade
internacional.
Assim,
enquanto alguns estados noutros pontos da região estão enfraquecendo, está
emergindo uma aliança de segurança numa vasta área, do Levante ao Golfo Persa:
Líbano, Síria, Iraque e Irã.
Segundo
várias fontes bem informadas no Levante, entrevistadas ao longo de vários
meses, esse “Arco de Segurança” visará a alcançar vários objetivos. Primeiro,
manter a integridade e a soberania territoriais dos países participantes.
Segundo, estabelecer rigorosa cooperação militar e de segurança contra ameaças
imediatas e futuras que venham de extremistas. Terceiro, forjar uma visão
política de mundo comum àqueles países, que fortaleça a aliança e possa levar a
futura cooperação em outras arenas.
O rei
sunita Abdullah da Jordânia chamou certa vez essas quatro nações de “Crescente
Xiita”, denominação extraordinariamente sectária, logo quando começava a
crescer a influência de governos e partidos políticos xiitas naquelas quatro
nações. Mas a aliança de segurança que se está formando entre os quatro estados
muito pouco tem a ver com alguma “seita” comum. Em vez disso, o rei Abdullah e
seus aliados têm responsabilidade direta no desenvolvimento desse grupamento.
Afinal,
foram as monarquias árabes apoiadas pelo ocidente que lançaram a
“contrarrevolução” para esmagar os levantes populares árabes e redirecioná-los
contra seus adversários regionais, via a Síria. Qatar, Arábia
Saudita, Bahrain, Jordânia,
Kuwait, os Emirados Árabes Unidos e seus aliados ocidentais fizeram chover dinheiro,
armas, treinamento e recursos para derrubar o presidente sírio Bashar al-Assad
– numa jogada para enfraquecer o Irã, isolar o Hezbollah e acabar com a tal
“ameaça xiita” de uma vez por todas.
Ed Husain |
Mas em seu
obcecado movimento para esmagar inimigos, as monarquias árabes (apoiadas por aliados
ocidentais) apoiaram quaisquer dos seus “parceiros religiosos” preparados para
envolver-se naquela guerra, e ignoraram as ideologias sectárias, extremistas, a
que aderiam aqueles combatentes. Calcularam, contra qualquer lógica e qualquer
bom-senso, que, quando a missão estivesse cumprida, conseguiriam
controlar aqueles militantes fanáticos.
Como escreveu Ed
Husain, do Council on Foreign
Relations, em agosto de 2012:
O cálculo político jamais declarado entre os
políticos dos EUA é, primeiro, livrar-se de Assad – enfraquecendo a posição do
Irã na região – e, depois, lidar com a
al-Qaeda.
No final, o
que se vê é que Assad não caiu, o Irã não foi enfraquecido, o Hezbollah tem
cada vez mais prestígio e poder, e russos e chineses pularam para dentro do
caldeirão. Com o conflito sírio ampliado e convertido em batalha geopolítica
internacional, com armas pesadas, fronteiras porosas e retórica cada vez mais
sectária, criou-se oportunidade ótima – do Líbano ao Iraque – para salafistas
militantes, inclusive para a Al Qaeda, ganharem influência e criarem um corredor
altamente desejável para eles, do
Levante ao Golfo Persa.
Michael Hayden |
Michael Hayden,
ex-diretor da CIA, diz:
A história dominante que se vê na Síria é uma
tomada sunita fundamentalista de parte significativa da geografia do Oriente
Médio, a explosão do estado sírio e do Levante como o conhecemos.
Hoje, essa griffe
ideológica de violência política, marcada por execuções sumárias,
suicidas-bombas, degolas e sectarismo ameaça incendiar toda a área e
converter-se em lócus de ação ideal para “emires’ e seus feudos
governados pela Lei da Xaria. Para alguns, é preço que vale a pena pagar – os sauditas
continuam ininterruptamente
a financiar e armar esses conflitos. Outros
apoiadores, sobretudo no ocidente, começam a temer que a avançada jihadista
não se deterá ante nenhuma fronteira.
Mas poucos
tomaram qualquer medida concreta para inibir – financeiramente ou militarmente
– a proliferação desse extremismo. Assim, coube aos países atacados enfrentar o
problema.
O mesmo “eixo”
árabes-ocidentais que tentou sustar o crescimento “xiita” no Oriente Médio,
estimulando o sectarismo e produzindo uma reação “sunita” armada, acabou por
oferecer uma causa comum, de urgência, que está unindo iranianos, sírios,
libaneses e iraquianos; não necessariamente por alguma comunidade de religião,
mas baseada, quase completamente, na ameaça à “segurança” daqueles países. Há
quem diga que é profecia que se autocumpriu.
Não é união
uniforme
No Líbano,
na Síria e no Iraque, há significativa população (principalmente sunita), que
atualmente não apoia uma união de segurança entre os quatro estados. Décadas de
propaganda sectária, vinda do Conselho de Cooperação do Golfo e do ocidente,
tornaram essas populações altamente desconfiadas das intenções do Irã xiita e
seus aliados.
Apesar de
essas população também já serem alvos de militantes salafistas, que já
assassinaram sunitas moderados (além de cristãos, curdos e xiitas) na Síria, no
Iraque e no Líbano, a relutância ante a possibilidade de verem crescer seus
inimigos políticos já significou várias vezes que lhes caberia dar “cobertura”
a militantes de mesma fé religiosa; isso os fez proliferar localmente. É
escolha dolorosa para essas populações: ou deixar crescer seus adversários, ou
deixar os extremistas agir livremente.
Mas no
início desse ano, quando o Hezbollah tomou a decisão de engajar-se diretamente
e abertamente na guerra em Qusayr, Síria, lutando ao lado do exército sírio,
tornou-se claro que os partidos que apoiam essa aliança de segurança não mais
se dedicariam a satisfazer os dissidentes. O “Arco de Segurança” seria
constituído, com ou sem o acordo dos que discordavam dele. E forte estímulo
para que se dê atenção total ao imperativo
da segurança está vindo de fonte muito improvável até agora: dos EUA.
Nos últimos
meses, Washington repentinamente mudou: de apoiar uma “rebelião” principalmente
sunita na Síria, para recompor-se com o Irã. Essa quase meia-volta total é
resultado da percepção de que os EUA arriscaram perigosamente demais no seu
jogo geoestratégico e permitiram que a militância religiosa crescesse muito
além do ponto do qual os EUA poderiam fazê-la retroceder. Nem Washington nem
seus parceiros armados da OTAN poderão fazer retroceder a onda, sem ajuda.
De fato,
Washington e a OTAN falharam miseravelmente ao longo da tal superficial “guerra
ao terror” que se arrastou por uma década, e que, para dizer o mínimo, só fez
ajudar a semear
cada vez mais extremismo. Os EUA entendem agora que
precisam da ajuda de parceiros estatais regionais e de potências locais
emergentes, que enfrentam ameaça mais iminente vinda dos militantes – Irã, Rússia, China, Índia, Síria,
Iraque. E não só para combater o extremismo, mas, também, para cortar a linha
que o abastece... na Arábia Saudita, no Paquistão, no Iêmen, na Líbia, no Afeganistão
e em outros pontos.
A posição
dos EUA é extremamente difícil: para conter a expansão dos extremistas, têm de
apoiar soluções militares e de segurança controladas pelos seus antigos
inimigos na região: Irã, Síria, Hezbollah. Para começar, implica que mais de 30
anos de “política” externa dos EUA serão literalmente postos no lixo; e os EUA
correm o risco de afastar seus mais antigos aliados regionais. Para piorar, o
sucesso nessa nova empreitada – quer dizer: eliminar o extremismo – quase com
certeza implicará ver aumentar a influência do Irã e ver diminuir a influência
da Arábia Saudita, aliada dos EUA, dentre muitas outras reverberações que haverá
no Oriente Médio.
Nouri al-Maliki |
Os sinais
conflitantes que saem de Washington sobre o Oriente Médio são resultado dessa
escolha torturante. Mas ações sempre falam mais alto que discursos: os EUA
acabam de firmar um acordo nuclear com o Irã, em Genebra, em tempo recorde,
depois de ter aberto e usado canais secretos de comunicações. Mês passado, o
presidente dos EUA solicitou um encontro com o presidente do Iraque, Nouri
al-Maliki. Pouco depois, os EUA começaram a partilhar informações de
inteligência com o Iraque, pela primeira vez desde a retirada das tropas
norte-americanas daquele país.
Segundo Az-Zaman,
a primeira peça de inteligência cedida pelos EUA foi sobre o movimento de
militantes armados no deserto de Anbar.
Hoje as
relações EUA-Sauditas azedaram a ponto de até funcionários já se perguntarem se
ainda há alguma convergência real de interesses entre os dois países;
embaixadores europeus começam a trilha de volta para Damasco, com seus
funcionários de inteligência fazendo fila para reuniões com os contrapartes
sírios, para partilharem informações sobre os jihadistas; os
inarredáveis israelenses foram deixados de lado em algumas decisões cruciais
sobre o Oriente Médio; a Turquia, membro da OTAN, tem de fazer horas extras de
trabalho para melhorar suas relações com Irã e Iraque. E a lista continua.
Esses
desenvolvimentos extraordinários seriam irrealizáveis há apenas seis meses,
quando os antolhos permaneciam levantados. A velocidade com que se iniciou e
pôs-se em marcha uma “nova era de concessões” entre adversários é prova da
absoluta urgência com que se está tratando o problema jihadista/salafista – e mostra até que ponto os países irão para
resolvê-lo. Mesmo que isso implique detonar políticas profundamente entrincheiradas
e virá-las de cabeça para baixo.
Como me
disse importante fonte do Hezbollah:
Os EUA estão focados em conseguir acordos com
os inimigos deles, para não dependerem dos aliados deles.
Bandeira do Partido Hezbollah, Líbano |
E há boas
razões para isso. Muitos dos aliados regionais históricos de Washington são as
fontes da instabilidade e estão tendo de ser conversados, seduzidos ou
forçados, coercitivamente, a aceitarem as novas realidades.
Alguns
desses aliados são partidos políticos dentro do Arco de Segurança. Estão sendo
postos na linha mais rapidamente agora, em parte porque as ameaças terroristas
já estão chegando aos quintais deles. No Líbano, por exemplo, um exército
nacional até aqui dominado por interesses políticos pró-sauditas parece pronto
para enfrentar militantes salafistas nas cidades chaves, em vilas e em campos
de refugiados, onde aumentou muito o número desses militantes. É mudança
tremenda, depois de três anos durante os quais aquele exército descansou sobre
o muro, à espera que a guerra Síria “respingasse” sobre o Líbano e sem tomar
praticamente nenhuma medida para evitar que acontecesse.
O Arco da
Segurança: Plano de Ação
Em todos os
fronts as coisas estão andando
depressa. A convergência de milícias sectárias para formar a “Frente Islâmica”,
de 50 mil homens, deu mais coesão à causa comum que une o lado adversário. EUA
e Reino Unido, semana passada, cortaram o apoio
que vinham dando aos “rebeldes”, temendo, com meses de atraso, uma
radicalização da “rebelião”. E o Irã lançou esforços
diplomáticos nos vizinhos estados do Golfo, para dividir
as fileiras locais e quebrar as velhas solidariedades; o primeiro sucesso já
surgiu: Omã recusou-se a apoiar
uma iniciativa saudita pela união do Conselho de Cooperação do
Golfo.
Mas para
derrotar o jihadismo na Síria, é
preciso alcançar três objetivos – e para alcançá-los será indispensável o
esforço coletivo:
Primeiro, arrancar os extremistas das áreas nas
quais crescem em número e influência e onde há vontade política: dentro do Arco
de Segurança, de dentro do Líbano, Síria, Iraque e Irã. É solução primariamente
militar – embora alguns militantes possam sair/render-se mediante negociação,
ou onde estados ou lideranças individuais locais obtenham que se
rendam/retirem.
Patrick Cockburn |
Segundo, estabelecer um regime de sanções globais
para bloquear financeiramente redes jihadistas/salafistas,
atacando suas fontes de financiamento. Já está sendo feito em pequena escala,
mas as relações do ocidente com muitos dos estados e indivíduos violadores
sempre impediu, no passado, que essa via avançasse. Como Patrick Cockburn escreveu recentemente em coluna no The Independent
(“Mass
Murder in The Middle East is Funded By Our Friends The Saudis”):
Todo mundo sabe onde a Al-Qaeda obtém
dinheiro, mas, por mais sectária que seja a violência, o ocidente nada faz.
A nova
reaproximação EUA-Irã – em ritmo de urgência, para controlar o terror – pode
mudar isso, dado o dramático realinhamento das prioridades e das novas alianças
criadas a partir dali.
Terceiro, os estados vizinhos – e mesmo outros,
fora da região – devem fechar as fronteiras e impor segurança total na
imigração. Nas fronteiras da Síria, já se veem Turquia e Jordânia implantando
medidas drásticas, mas a fronteira do Iraque continua porosa e perigosa. Daí a
recente reaproximação das inteligências norte-americana e iraquiana.
A
gravitação na direção da segurança como prioridade
Vê-se que o
cálculo já vai mudando também em nações fora do Arco de Segurança. Muitos
facilmente entendem o papel vital que esses quatro países terão de desempenhar
para conter os militantes jihadistas.
Todos os olhos estão voltados para a Síria, onde a situação é a mais precária
para toda a região – sobretudo no Egito, Jordânia e Turquia.
Esses três
são os estados regionais que mais provavelmente virão a apoiar os objetivos de
segurança do Arco de Segurança, embora com reservas, que correspondem a algumas
bem demarcadas diferenças políticas.
A Jordânia,
por exemplo, “hospedou” todos os tipos de forças especiais estrangeiras,
soldados, agências de inteligência e mercenários, todos dedicados a derrubar o
atual governo sírio. Mas nem a dependência financeira da vida inteira que liga
a Jordânia aos sauditas vale o risco de manter milhares de jihadistas em território jordaniano, à espera de entrar em ação em
áreas de conflito. A mídia árabe fala de aterradores 1 milhão de jihadistas
de origem jordaniana dentro da Jordânia. E os europeus, por sua vez, vivem
aterrorizados ante a possibilidade de meia dúzia de seus próprios islamistas
militantes começarem a voltar para casa.
Segundo
fonte libanesa muito bem relacionada, há cerca de quatro meses Jordânia, Síria
e Iraque iniciaram discussões discretas (em grupos bilaterais separados) sobre
cooperação econômica e de segurança. De início, os jordanianos reclamaram das
mudanças de segurança; depois se compuseram. Não estão preocupados só com o
extremismo, mas também com o colapso econômico – qualquer dos dois pode
reforçar o outro. O pior de tudo sempre será a total irrelevância numa região
que passa por mudanças rápidas. Os jordanianos não são lobos solitários;
apertados entre Síria e Iraque, não é difícil adivinhar o rumo que adotarão.
Em Amã,
cortes de segurança do estado já estão prendendo salafistas proeminentes e jihadistas jordanianos que tentam cruzar
a fronteira para a Síria. A Jordânia fechou as fronteiras, reforçou a segurança
em torno do campo Zaatari para refugiados sírios, e provavelmente tomará outras
medidas, enquanto as relações com o governo sírio continuam a melhorar.
Recep Erdogan |
Os turcos
também tomaram medidas para fechar as fronteiras – na prática. No plano
interno, prossegue terrível disputa dentro d establishment islâmicos,
com um primeiro-ministro temperamental, Recep Tayyip Erdogan, que há apenas
três anos apostou todas as suas fichas na oposição síria. Sua intransigência
nessa questão custou caro à Turquia: militantes armados refugiaram-se do lado
turco da fronteira com a Síria, a violência avançou dentro do país, a
popularidade da Turquia despencou no mundo árabe, em todas as seitas; a ação
de repressão que o próprio Erdogan ordenou contra manifestações de rua o
marcaram como hipócrita; e a “autonomia” curda na Síria faz crescer a ambição
dos curdos também na Turquia.
Os turcos
compreenderão o imperativo da segurança, mas o fator decisivo será o econômico.
A Síria precisa de muita reconstrução, e o Iraque tem o dinheiro do petróleo
para gastar quando voltar a calma. Além do mais, o traçado de um gasoduto que
irá do Irã ao Mediterrâneo pode passar ao largo, bem longe da Turquia – se a
Turquia não jogar o jogo.
O Egito
provavelmente se incorporará ao Arco da Segurança, pela simples razão de que,
hoje, enfrenta problemas iguais. Por mais endividado que esteja o governo
militar provisório, dependente dos petrodólares da Arábia Saudita e outros
patrocinadores do Golfo, o Egito estará em total bancarrota se facções
religiosas armadas tomarem conta do país, como agora ameaçam fazer. Ataques
contra forças de segurança no Sinai já aconteceram durante o levante popular no
Egito no início de 2011; e ganharam ímpeto desde o verão passado, quando o establishment
militar voltou ao poder. Hoje, militantes não beduínos de fora da área acorrem
em enxame para o Sinai, com o armamento pesado que trouxeram dos conflitos da
Líbia e do Sudão. Durante o curto reinado da Fraternidade Muçulmana, que
apoiava “rebeldes” sírios, milhares de egípcios partiram para lutar na Síria. É
muito provável que um estado governado ou dominado por um establishment militar
secular acompanhe o exemplo sírio e implemente pesadas soluções de segurança
para partir a espinha dorsal dos extremistas.
Sejam quais
forem as inclinações políticas, não cabe dúvida alguma de que a inação contra jihadistas salafistas, na atual
conjuntura, levará à desintegração de estados em todo o Oriente Médio.
Os estados
que estão hoje em situação mais perigosa são a Síria e o Irã, nessa ordem,
porque são estados política e geograficamente centrais na região; e há risco
real de acabarem cercados por vizinhos menores e mais fracos tomados pelo caos.
A luta
contra o extremismo, pois, começa dentro do Arco da Segurança e receberá
imediato apoio dos países BRICS e dos países do Movimento dos Não Alinhados. O
ocidente pode escolher permanecer nos papeis protagonistas, embora por trás das
cortinas, para não incomodar seus aliados regionais – pelo menos por algum
tempo. Mas, à medida que o confronto crescer, os países terão de “escolher
lados claros” nessa batalha crucial, seja no Oriente Médio ou longe de lá.
Deve-se esperar que o oportunismo mostrará a cara – em algum ponto, é possível
que o “impasse” seja desejável para alguns. Ninguém se atreverá a defender ou
apoiar extremistas. Assim sendo, deve-se esperar algumas importantes mudanças
nas narrativas, com “mocinhos” e “vilões” trocando de nome, no Oriente Médio.
Agora, sim,
começa a verdadeira Guerra ao Terror. Mas, dessa vez, será conduzida de dentro
do próprio Oriente Médio, obterá apoio universal e mudará o equilíbrio político
regional por muitas gerações, para o futuro.
[*] Sharmine Narwani é analista de política e comentarista de geopolítica
do Oriente Médio além de ser professora sênior no St Antony’s College, Oxford University (julho de 2013). Ela é também, articulista regular do
jornal libanês Al-Akhbar (edição em inglês). Seus artigos ocasionalmente são
publicados no The Guardian (UK)
Quase não há o que se comentar, pois está bem explicado o texto e as citações.
ResponderExcluirPor questões estratégicas e financeiras, aquela Região é meio de grandes potências exercer influência de imagem no mundo todo. Algumas forças do Oriente, antes mal vistas, por causa da propaganda contrária, estão conseguindo aproveitar a situação atual para direcionar o modo como são vistas aos olhos do mundo: países com grande potencial e poder, em vez de terroristas (generalização convencional).
Quase dois anos depois dessa matéria, muito aconteceu e tanto vem se cumprindo. Financiamentos de terroristas e “rebeldes moderados” por parte dos aliados norte-americanos estão cada vez mais evidentes como responsáveis pela situação de carnificina e destruição. <<“mocinhos” e “vilões” trocando de nome, no Oriente Médio>> é o que parece vir a acontecer mesmo: países orientais fortes, aliados dos EUA e OTAN ficando ofuscados, enquanto a Rússia age “na cara dura” contra aqueles que o mundo todo vê como verdadeiros bandidos desumanos, o EI. Com isso, se nada mais surpreendente acontecer, a Rússia, Irã e outros países poderão se fortalecer. Tudo isso, causado pelos (des)planejamentos e (des)caminhos tomados por alguns países europeus, EUA e seus aliados no Oriente, que tentaram usar daqueles que também tinham interesse em desestabilizar a Síria, por razões próprias. Não se importaram quem eram esses aliados, apenas os armaram, provavelmente com a intenção de derrubá-los depois e sair de mãos limpas.
Primavera árabe (sem lideranças sólidas); invasão norte-americana sem planejamento nem fundamento ao Iraque; ataques à Líbia, são o contexto em que torna possível a situação daqueles países.
Não são ingênuos a ponto de acreditar que vão instalar democracias, somente derrubando ditaduras. É claro que quando são aliados, chamam-se ditaduras de reinados.
E, quando na mídia, não há o que defender, diz-se que o país era pobre, ou que o povo era oprimido. Conversas! Há muitos interesses geopolíticos e petrolíferos, isso sim. Se for por motivo de opressão e pobreza, isso existe no mundo todo, e quem se importa? E pra que mais miséria, barbárie e opressão do que agora?
O que será a Síria quando a guerra acabar?