3-5/1/2-14, [*] Andrew Levine, Counterpunch
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Neoconservadores e
intervencionistas liberais fizeram da expressão “mudança de regime” um
eufemismo para seu manobrismo imperialista. Eles, e os líderes políticos que os
seguem [e a imprensa-empresa que os segue (NTs)], macularam, deslustraram,
sujaram o conceito.
Mas quando, para
que se faça justiça, é indispensável substituir arranjos institucionais,
“mudança de regime” é a expressão perfeita e aplica-se corretamente ao que tem
de ser feito. É mais que hora de os defensores da democracia resgatarmos para
nós mesmos, de volta, a “mudança de regime”.
Agora, que
o agitar de sabres de norte-americanos e europeus amainou, a bomba atômica
(aspiracional) iraniana já não parece ser a mesma “ameaça existencial” de antes.
E muito temos a agradecer, por isso, à diplomacia russa e iraniana.
Claro que o
agitar de sabres israelense continua a todo vapor. Ameaças existenciais mantêm
os cidadãos judeus de Israel mais ou menos unidos, e mantêm sob ordem-unida os
apoiadores internacionais. A bomba iraniana é especialmente útil, porque, sendo
fantasia de bomba, é tão segura quanto efetiva.
Roubo de terras dos palestinos de 1947 até 2010 (e os palestinos é que são terroristas...) |
Ameaças
existenciais contra Israel operam verdadeira mágica na opinião pública, por
todo o ocidente global. Facilitam, para governos ocidentais, especialmente para
o governo dos EUA, garantir apoio diplomático, militar e econômico a Israel.
EUA e muitos países ocidentais inclinam-se, é claro, a fazer isso, por razões
políticas domésticas e geoestratégicas. Mas a ajuda é indispensável, e os israelenses
não se arriscam.
Ameaças
existenciais também mantêm constante o fluxo de doações ‘'caritativas'’, enviadas
a Israel por judeus e cristãos evangélicos privados ricos.
De fato, o
grande medo nas hostes sionistas é que, sem o espectro da bomba iraniana ou sem
a bomba-bomba, judeus da “diáspora” ponham-se a pensar sem bússola, e
protestantes gastadores mostrem-se menos dispostos que hoje, a gastar tempo e
dinheiro para aceleram o Juízo Final – quando judeus que não aceitarem Cristo
no coração serão lançados ao inferno por toda a eternidade.
Sátira sobre os planos iranianos de construção de bomba nuclear. Desenho de Peter Welleman. |
A
diminuição da ameaça iraniana não é o único tema a preocupar os atuais líderes
israelenses. Há também o fato, cada dia mais difícil de negar, de que o
movimento BDS (Boicote, Desinvestimento, Sanções) está ganhando força nos EUA. Por
mais que ainda falte andar, já andou o suficiente para causar preocupação.
Mas nem
tudo está perdido. O Congresso ainda está no bolso de Israel, e o presidente
continua sem espinha dorsal. O rabo continua a sacudir o cachorro.
Além do
mais, o programa nuclear iraniano foi suspenso, não destruído. Sempre poderá
voltar à vida e à utilidade de antes. Muitos dos capachos mais servis sobre os
quais Netanyahu limpa os pés no Congresso dos EUA agitam-se diligentemente para
obter que isso aconteça.
Mas a
possibilidade é fraca, e Telavive não dá sinais de disposição para sentar e
esperar. Sem desistir completamente do Irã, Telavive deslanchou um Plano B.
Fácil de prever, já foi abraçado com paixão por todos que obedecem ao comando
de Israel.
O Plano B é
uma estratégia híbrida; soma duas coisas: inventar ameaça existencial e, golpe
mais sujo e mais familiar, demonizar os que criticam Israel.
Chamar de
antissemita quem visivelmente não é antissemita sempre funcionou no passado, e
ainda funciona. Mas o truque já dá sinais de desgaste por excesso de uso.
Netanyahu não aprendeu que não se pode enganar todos o tempo todo... |
No ginásio
de ricos na Filadélfia onde estudou, Benyamin Netanyahu deve ter ouvido de seu
professor de História que o maior presidente dos EUA sabia que você pode, sim,
enganar alguns, por algum tempo. Mas o Abe “Honesto” Lincoln esqueceu de
ensinar que, se você continua a fazer a mesma coisa que diz que não está
fazendo, sempre, sempre, sempre, o estoque de crédulos começa a declinar.
Netanyahu e
seus pensadores aliados estão aprendendo agora, e às próprias custas.
O mesmo
acontece com a conversa sobre “judeus auto-odiadores”. O que seria mais gasto,
mais desgastado, que isso, ou, em quase todos os casos, o que poderia ser mais
obviamente falso?
Hoje, ainda
mais que antes, com o movimento BDS ganhando ímpeto nos EUA e em todo o mundo,
judeus-amorosos-de-judeus, judeus-respeitadores-de-judeus estão em marcha,
abrindo caminho. E assim Israel descobriu que demonizar, só, não basta. É
preciso também converter os críticos de Israel em ameaças existenciais –
equivalentes bombásticos da imaginária bomba iraniana. Para que dê certo, é
importante dizer com eficácia – em outras palavras, encontrar a linguagem
certa.
Por isso a
frase a ser repetida diz que alguns dos que criticam Israel, o pessoal do
Movimento BDS, por exemplo, trabalham para “deslegitimar” Israel. Alguns deles
talvez até se vejam como amigos de Israel – mas “objetivamente”, como diziam os
stalinistas, são inimigos mortais do estado judeu. Não que a ideia seja
impossível de vender – por mais que a ideia seja conceitualmente confusa e
altamente distorcida. É. E foi concebida para ser exatamente assim.
* * *
Os
sionistas têm razão para temer uma bomba iraniana, mas não é a razão que eles
alegam. Se a bomba existisse, o que estaria por terra não seria a sobrevivência
de Israel, mas a capacidade do estado israelense para continuar a oprimir e
abusar e violentar como bem entenda.
As razões
pelas quais Israel teme o Movimento Boicote, Desinvestimento e Sanções e outros
movimentos sociais são mais complexas.
Movimento BDS - Boicote, Desinvestimento e Sanções (o código de barras de Israel começa com 729) |
Antes do
acordo provisório firmado dia 24/11/2013, que pôs o programa nuclear iraniano
em modo – talvez permanente – de espera, o Irã poderia desenvolver um programa
para armas nucleares num prazo de alguns vários anos. Depois, se o governo
iraniano decidisse, o Irã teria afinal condições para construir uma bomba
atômica.
A
proliferação nuclear é sempre desenvolvimento preocupante, mas esse caso é
menos preocupante que muitos – exceto para os sionistas linha-duríssima. Para o
resto da humanidade, uma bomba atômica iraniana talvez não fosse o pior dos
males.
Se não
servisse para mais nada, impediria que Israel continuasse a fazer o que bem
entendesse contra os vizinhos e contra os palestinos. Funcionaria mais ou menos
como o poder nuclear dos soviéticos, que ajudou a impedir que os EUA
continuassem a insistir no esforço de ocupar toda a Europa Oriental.
Dado que
guerra nuclear entre Israel e Irã resultaria na aniquilação de ambos, a bomba
iraniana jamais teria qualquer outra serventia mais preocupante ou mais
nefanda. Com certeza não ameaçaria a existência física de quem viva hoje em
Israel. O Irã pode até ser governado por teocratas, mas não são teocratas
suicidários; nem o povo iraniano é doido.
Nesse
quesito, muito mais motivos há para que o mundo se preocupe com Israel e sua
“opção Sansão” – fazer chover morte e destruição sobre os dois lados, sobre a
própria cabeça e sobre a cabeça dos inimigos, como narrado na Bíblia, sem
deixar alternativa além da rendição.
O Movimento BDS, por outro lado, realmente pode levar a mudanças que ameaçam o estado
israelense – não porque o deslegitime, mas porque pode forçar mudanças
profundas na própria natureza do estado sionista.
Seja como
for, seria prematuro dizer que no momento atual esse seria objetivo claro, seja
de quem for. Os militantes do Movimento BDS, como em geral outros grupos que
criticam Israel, são grupos misturados. Os seus objetivos estão longe de ser
claros.
Alguns
querem o fim das décadas de ocupação israelense, apenas na pequena área da
Palestina do Mandato, que ainda é terra oficialmente palestina. Outros querem
que Israel seja estado do povo israelense, não estado religioso ou étnico.
Outros apoiam uma solução de dois estados; outros, um estado unitário
binacional ou multinacional.
O
denominador comum é moral: todos os envolvidos são motivados pela consciência
de que os palestinos são vítimas de grave injustiça. O Movimento BDS é
movimento de solidariedade, aliado da causa palestina.
Isso “deslegitimaria”
Israel? De fato, poderia isso implicar qualquer tipo de “deslegitimação” de
Israel? A resposta é fácil: NÃO. Movimentos de solidariedade jamais visam a
deslegitimar coisa alguma.
O que fazem
os movimentos de solidariedade é operar para manter alta a moral das vítimas e
para influenciar a opinião pública mundial. Qualquer outro objetivo extrapola o
núcleo significante de qualquer movimento de solidariedade. Passa-se o mesmo
com o movimento BDS.
Movimentos
de solidariedade, neles próprios, não visam a meter medo, nem são ameaçadores.
Ainda quando seus objetivos sejam claros e a extensão do movimento supere tudo
que o mundo conheça, a eficácia dos movimentos de solidariedade é limitada.
Por isso,
se se chegar a algum novo acordo na Palestina, será por efeito dos esforços dos
próprios palestinos. Aconteceu assim também com os negros e mulatos na África
do Sul; e é sempre assim. Movimentos de solidariedade podem ajudar; de fato, só
fazem oferecer apoio moral.
Mas o papel
dos EUA para assegurar e preservar a dominação israelense e, portanto, a
subordinação dos palestinos, é evento sem precedentes na história. Portanto,
conseguir que a opinião pública norte-americana tenha oportunidade de ver as
coisas de um ângulo menos obcecado, menos manipulado-dirigido, pode ser, sim,
mais útil do que usualmente se poderia esperar de movimentos de solidariedade.
Ainda
assim, o fato básico permanece: o Movimento BDS e outros assemelhados podem
fazer pouco. Só os palestinos podem criar condições reais para uma vida mais
justa.
Se forem
bem-sucedidos, os seus esforços podem, sim, levar à mudança de regime em
Israel. Mas nada do que façam ou possam fazer conseguiria “deslegitimar”, ou
poderi “deslegitimar” o estado israelense.
Pode
parecer distinção, sem diferença importante. Mas não é.
Neoconservadores
e intervencionistas liberais fizeram da expressão “mudança de regime” um
eufemismo para seu manobrismo imperialista. Eles, e os líderes políticos que os
seguem [e
a imprensa-empresa que os seguem (NTs)], macularam, deslustraram,
sujaram o conceito.
Mas quando,
para que se faça justiça, é indispensável substituir arranjos institucionais,
“mudança de regime” é a expressão perfeita e aplica-se corretamente ao que tem
de ser feito. É mais que hora de os defensores da democracia resgatarmos para
nós mesmos, de volta, a “mudança de regime”.
É preciso
que haja mudança de regime, para que se faça justiça em toda a ex Palestina do
Mandato? Ainda não há consenso sobre isso – sequer dentro de movimentos de
solidariedade como o Movimento BDS.
Mas não se
deve excluir a possibilidade – o status quo é terrível demais, para que
se descartem soluções radicais. E aí está um dos xis da questão: encobrir,
esconder, fazer-não-ver essa ideia, ou, melhor, detoná-la no berço, é, precisamente,
o objetivo de tanta conversa sobre “deslegitimação” (de Israel, ou qualquer
outra).
A evidência
de que a noção de “mudança de regime” não se aplica estrita e completamente
sempre, não muda nada. O serviço de encobrir, esconder, fazer-não-ver pode ser
sempre muito efetivo, seja para truncar um debate, seja para supressão completa
e total de qualquer coisa.
Movimento BDS atuando fortemente na Austrália |
Nesse caso,
a sensibilidade, à flor da pele, das premissas, torna especialmente difícil
discutir com honestidade e franqueza as questões morais e políticas envolvidas.
E pouco importa que aquelas sensibilidades sejam as vezes extremamente ou
excessivamente ou artificialmente excitadas ou agitadas. Na verdade, nesse tipo
de circunstâncias, o encobrimento, o desencaminhamento, a distorção podem ser
ainda mais incapacitantes.
Agora,
quando movimentos de solidariedade à causa dos palestinos, como o Movimento
Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS), tomam forma nos EUA e em outros
países ocidentais, é, portanto, muito mais importante tratar de dissipar todos
os encobrimentos, desencaminhamentos e distorções.
* * *
A
legitimidade política tem sido tema exclusivo da filosofia. Ainda é problema
filosófico básico. A maioria dos outros problemas filosóficos têm sido
discutidos, desde tempos imemoriais – porque são inerentemente intrigantes e
porque, pela discussão, evitam-se soluções simples, fáceis e erradas, que
qualquer um pode aceitar. Esses problemas, assim, parecem ter um aspecto
atemporal. O livre arbítrio é outro exemplo, ou a natureza de Deus, ou a
natureza do bem.
Relações de
autoridade também existem nas sociedades humanas desde tempos pré-históricos.
Mas as formas e limites dessas relações variaram significativamente e mudaram radicalmente
ao longo do tempo.
Quando as
relações de autoridade estão em transição ou quando estão em algum outro tipo
de fluxo, passa a interessar muito encontrar argumentos para justificar que
algumas pessoas podem, de pleno direito, comandar outras. Em tempos menos
turbulentos, de modo geral, esse interesse sai do centro das atenções.
Contudo,
formas institucionais fundamentais raramente mudam radicalmente, mesmo por
longos períodos de tempo. E as perplexidades hoje provocadas pelas relações de
autoridade são as mesmas às quais os filósofos se dedicavam nos primeiros
tempos da era moderna.
Max Weber |
Emergiram
como consequência de duas transformações históricas de época pelas quais
passava a Europa Ocidental naquele momento: a dissolução das sociedades feudais
baseadas nas relações de vassalagem e solidariedade social, e o nascimento da
forma estatal de organização política.
Graças à
primeira delas, os indivíduos e seus interesses, não Deus e os interesses Dele,
tornaram-se pontos de partida para pensar sobre como justificar os arranjos
institucionais básicos. Graças à segunda, as difusas relações de autoridade
características das sociedades tradicionais deram lugar a formas políticas que
concentram a autoridade num único nexo institucional: o Estado.
Há cerca de
um século, Max Weber definiu o Estado como forma institucional que detém e
exerce um monopólio mediante violência “legítima”. Como podem os Estados, assim
definidos, se justificar? Disso precisamente se trata, quando se fala do
problema filosófico da legitimidade política.
Jean Jacques Rousseau |
O modo
usual de enfrentar esse problema tem sido argumentar a favor, ou pressupor,
algum padrão que, se satisfeito, justifica o exercício legal da força coerciva,
por agentes do Estado, e por nenhum outro agente.
Esse padrão
pode ser difícil de satisfazer. Por exemplo, a ideia de legitimidade política
de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) afirma que o Estado só obriga a obedecer
se, e somente se, os indivíduos, ao serem comandados, de algum modo continuam a
obedecer exclusivamente a eles mesmos.
Ou pode ser
facilmente satisfeito. Thomas Hobbes (1588-1679) entendia que, para ser poder
legítimo bastava o Estado ser capaz de garantir a ordem civil.
Pelo
primeiro padrão, nenhum estado existente satisfaz o ideal; pelo segundo, todos
os estados o satisfazem.
John Rawls |
Filósofos
políticos liberais, de John Locke (1632-1704) a John Rawls (1921-2002), defenderam
posições menos extremas. No conjunto, porém, tenderam a concordar mais com
Hobbes que com Rousseau. Segundo suas luzes, os estados existentes deixam a
desejar em muitos aspectos, mas sua legitimidade fundamental jamais é
seriamente contestada.
Os
argumentos desses e de outros filósofos, sobre a legitimidade política, são
complexos, sutis e, em muitas dimensões incompatíveis entre eles. Mas, pelas
avaliações de todos eles, é evidente que a ideia de que os críticos de Israel
estariam procurando “deslegitimar” Israel não se sustenta – não, pelo menos, se
a legitimidade política é entendida como tem sido entendida tradicionalmente.
Mas já vai
longe o tempo em que os filósofos monopolizavam as discussões sobre
legitimidade política. No século passado, um pouco mais, um pouco menos,
as abordagens filosóficas coexistiram com ideias que focam causas, não razões;
e que se baseiam mais na ciência e na psicologia sociais, não na filosofia
moral.
A
existência de Deus é outro venerando problema filosófico que também pode ser
abordado pela ‘via’ nova: pode-se perguntar se há razões racionalmente
necessárias e suficientes para crer em Deus; ou se pode investigar por que
(algumas) pessoas realmente creem (ou não creem).
É claro que
razões podem ser também causas; alguém que pense que há razões para crer em
Deus pode crer por causa daquelas razões. Mas é caso raro, talvez nem
haja tal caso, e não só porque razões racionalmente convincentes para crer em
Deus não são, para dizer com gentileza, abundantes.
Causas não
racionais ou extra-racionais para crer na legitimidade das relações de
autoridade são evidentemente mais difíceis de superar que causas com as quais
as pessoas contem para crer em Deus.
Independente
do que as pessoas pensem das reflexões filosóficas sobre legitimidade política,
algumas pessoas todo o tempo, e provavelmente todas as pessoas uma ou outra
vez, creem – ou agem como se cressem – que as relações existentes de autoridade
são justificadas.
À parte os verdadeiros
anarquistas (se existirem), todos nós tendemos mais a obedecer ordens dadas
pela polícia, que por civis; e não só porque tememos o poder repressivo do
Estado. Mas esse é problema – como, em geral, todo o comportamento político no
mundo real – para cientistas sociais, não para filósofos.
Os que
falam hoje da legitimidade das nações, de modos que se aproximam da política
internacional ou mundial, como que ultrapassam essa barreira. Mas a abordagem
deles anda mais de acordo com o espírito da ciência social, que da filosofia.
Poderia ser
diferente. Quando pela primeira vez surgiram instituições do estado, a política
tratava, mais, de coordenar comportamentos individuais dentro de territórios
geograficamente definidos. Daí se geraram as perplexidades às quais as teorias
da legitimidade política responderam.
Mesmo que
essas perplexidades permanecessem ainda sem resolver, a forma estatal de
organização política foi efetivamente assumida, quando começaram a formar-se
estados nas regiões mais desenvolvidas da Europa, das Américas, Austrália e
Nova Zelândia.
E a coisa
foi ainda mais fortemente dada por resolvida e certa, no século 20: com novos
estados nascendo dos velhos impérios baseados na terra da Eurásia, depois da 1ª
Guerra Mundial; e nos que foram depois esculpidos nos impérios coloniais de
além-mar da Europa Colonial, depois da 2ª Guerra Mundial.
As velhas
questões continuam a ser filosoficamente frutíferas, mas a influência delas na
política do mundo real é hoje, no melhor dos casos, mínima.
Entrementes,
novas rodadas de formação de estados levantaram novos problemas e novas
perplexidades que tocam mais diretamente em temas de interesse político atual.
Essas
perplexidades parecem suficientemente incomodativas para motivar reflexões
filosóficas tão originais e de tão longo alcance quanto as que acompanharam o
surgimento do estado-nação, há séculos. Mas, ou não são perplexidades
suscetíveis de tratamento filosófico, ou, então, nunca se materializaram pensadores
à altura da tarefa.
Por seja
qual for a razão, fato é que as investigações filosóficas sobre a legitimidade
política permanecem focadas nos mesmos problemas que preocupavam os filósofos
dos séculos 17 e 18; e os problemas dos novos estados e as questões
inter-estados que brotam dos novos problemas foram entregues a cientistas
políticos e a advogados especialistas em Direito Internacional.
A visão
consensual, portanto, é que os estados são legítimos quando a comunidade
internacional, ou parte significativa dela, declare que são.
É como dizer
que Deus existe quando (enquanto?!) há gente que crê em Deus. Não é resposta
satisfatória, de modo algum, de um ponto de vista filosófico. Mas as coisas,
hoje, estão nesse pé.
Assim
aconteceu que Israel tornou-se estado tão legítimo como qualquer outro, no
instante em que os EUA e a União Soviética (foram os primeiros), reconheceram
Israel como estado. Na sequência, outros estados também deram ao estado de
Israel o reconhecimento diplomático, e Israel foi recebida como estado da
Organização das Nações Unidas, ONU.
Ainda há
estados, sobretudo no mundo muçulmano, que não reconhecem, até hoje, o estado
de Israel. Diplomaticamente, embora só por essa via, estão em estado de
negação, como os EUA estiveram, quando se recusavam a reconhecer a República
Popular Democrática da China, quase 30 anos depois da Revolução Chinesa.
Porque a
Grã-Bretanha governava a Palestina por um Mandato herdado da Liga das Nações, a
Assembleia Geral da ONU teve de aceitar a divisão do país. O acordo real foi
logo atropelado pelos fatos, quanto Israel entrou em guerra contra estados
árabes vizinhos, mas a aprovação pela ONU e a subsequente aceitação, pela ONU,
de novas ‘fronteiras’, quando cessaram as hostilidades, garantiram a Israel
tanta legitimidade internacional quanto a de qualquer outro estado no mundo.
Na verdade
os mais de 45 anos de ocupação, por Israel, da porção da Palestina do Mandato
que Israel não controla depois de 1948 levantam os mais graves problemas legais
e políticos. As colônias em terras palestinas e as anexações de terra palestina
são itens especialmente problemáticos.
Mas, por
mais que haja oposição mundial contra essa ocupação continuada, ninguém até
agora propôs que se revogue, por causa disso, a legitimidade de Israel. Não se
sabe ainda com clareza, sequer, se em termos legais ou praticamente, em termos
políticos, seria possível revogar a legitimidade de um estado, ou como seria
feita essa revogação, se possível.
É claro que
se Israel for literalmente “varrida do mapa” – por arma nuclear ou por guerra
convencional – o estado deixará de existir. Nesse caso, a legitimidade deixará
de existir. Mas nem assim seria possível dizer que Israel teria sido
“deslegitimada” – senão indiretamente, ou só como força de expressão.
Mas nada
disso acontece no mundo real, e é inconcebível que Israel, estado nuclear
armado até os dentes, venha a ser o primeiro caso de “deslegitimação de Estado”,
em todo o mundo, em todos os tempos.
A
legitimação, sim, acontece; a deslegitimação, não, não existe.
Novos
estados surgem, tipicamente, por secessão de estados anteriores. O Sudão do Sul
é exemplo recente: antes, era parte do Sudão. Quando o Sudão foi dividido, o
estado sudanês não foi “deslegitimado”, por mais que se force o significado da
palavra. Foi reduzido, porque parte de seu território deixou de pertencer-lhe,
e essa parte foi reconhecida internacionalmente como novo estado.
Coisa
semelhante aconteceu com os estados que foram repúblicas soviéticas, antes de a
União Soviética deixar de existir. As partes que a compunham passaram a ser
independentes e ‘o todo’ deixou de existir. Mas a União Soviética absolutamente
não foi “deslegitimada”. Foi dissolvida, autodissolvida.
Há modos
muito piores de um estado morrer. Na teoria, pelo menos, os estados podem
degenerar internamente, de tal modo que já não sejam capazes de manter a ordem
em territórios que nominalmente estão sob seu poder. Esses, viram “estados
fracassados” [orig. failed states]. Estados genuinamente fracassados não
satisfazem o critério de Hobbes, da legitimidade política. São estados que, se
poderia dizer, se autodeslegitimaram. Mas jamais aconteceu, no mundo real,
completamente ou irremediavelmente – nem na Somália, nem nas chamadas áreas
tribais do Afeganistão, nem em lugar algum. É zero a chance de Israel – uma super
funcional “democracia do Povo Escolhido por Deus” [orig. “a Herrenvolk democracy”]
– vir a ser o primeiro caso de estado deslegitimado da história do mundo. (...)
Negar essa
obviedade serve, exclusivamente, para obscurecer, para fazer não-ver a diferença
entre mudar fundamentalmente as coisas para melhor, de um lado; e, de outro
lado, o mais desprezível, irracional, niilismo.
E Israel
quer que o mundo creia que o Irã estaria dedicado a “deslegitimar” Israel com
sua bomba inexistente!
E Israel
quer que o mundo creia que esse seria “o golpe” das campanhas de solidariedade
aos palestinos, como o Movimento Boicote, Desinvestimento, Sanções preparam,
para ‘'deslegitimar'’ Israel!
Muito
frequentemente, movimentos de solidariedade alistam-se lado a lado com forças
que promovem a mudança de regime. Foi exatamente o que se viu, nos movimentos
que se alistaram a favor das lutas anticoloniais, depois da 2ª Guerra Mundial,
ou que se alistaram ao lado de forças populares para derrubar ditaduras
autoritárias quase-fascistas, na Espanha, Grécia, Chile, Portugal, Argentina e
em vários pontos do mundo.
A luta
anti-apartheid na África do Sul, foi, sim, luta para mudança de regime. (...) E
muitos sonham, hoje, com mudança de regime também em Israel. Não é hoje o
objetivo do Movimento Boicote, Desinvestimento, Sanções; muitos dos apoiadores
do Movimento BDS estão mais interessados em mudança de políticas, que em
mudança de regime em Israel.
Mas há
alguns, dentro do Movimento BDS, que sonham com um futuro estado, nas atuais
fronteiras de Israel, ou de volta às fronteiras da Palestina do Mandato, que
será muito diferente da Israel de hoje. Pode continuar a ser país falante do
hebraico; com certeza manterá as tradições culturais que se estabeleceram sob
os atuais arranjos políticos. Mas será estado de seus cidadãos. Não será estado
confessional. Não será estado étnico. Isso, sim, será mudança de regime; aquela
democracia Herrenvolk, transformada em democracia tout court.
Será,
afinal, pequena mudança, de muito menor alcance que a mudança de regime que os
sul-africanos promoveram em seu país. Para os judeus israelenses, de fato, é
preciso mudar bem pouco. Mas o estado dos cidadãos israelenses terá de deixar
de ser estado religioso, com privilégios para os judeus e discriminação contra
os não judeus. Que ameaça existencial
haveria nisso? E, se houver, será ameaça benigna.
A coisa,
afinal, é bem simples: a ideia de mudança de regime em Israel ameaça
existencialmente, sim, a ideia sionista. Absolutamente não ameaça as realizações
culturais positivas. E com certeza não ameaça a existência física dos povos que
vivem hoje em Israel.
_____________________
[*] Andrew Levine é professor sênior do Institute
for Policy Studies, e autor de THE
AMERICAN IDEOLOGY (Routledge) e POLITICAL
KEY WORDS (Blackwell), bem como de muitos outros livros e artigos em
filosofia política. Seu livro mais recente é In
Bad Faith: What’s Wrong With the Opium of the People. Foi professor de
Filosofia) na University of
Wisconsin-Madison e professor pesquisador (filosofia) na University of Maryland-College Park. Foi também co-autor
de Hopeless: Barack Obama and the
Politics of Illusion (AK
Press).
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