17/1/2014, Dmitry Minin, Strategic
Culture
Traduzido pelo pessoal da Vila
Vudu
“Se desertei, desertei do governo para o
público” – E. Snowden
Nossos agradecimentos a Edward Snowden pelo seu sacrifício |
Um dos
eventos mundiais mais importantes de 2013 foi a revelação, por Edward Snowden,
de que os EUA trabalham para manter toda a humanidade sob vigilância, usando
equipamento eletrônico e tecnologia de ponta.
Nos últimos
dias do ano passado, o ex-empregado de uma empresa que prestava serviços
terceirizados à Agência de Segurança Nacional dos EUA falou por televisão à
comunidade mundial, para, mais uma vez, alertar para a gravidade do problema.
Em sua fala, Snowden referiu-se ao romance 1984
de George Orwell. [1] Disse que os significados da vigilância descritos por
Orwell (o romance foi escrito em 1948) parecem ingênuos e engraçados, à luz do
que está sendo feito hoje.
A discussão que se faz hoje determinará o
quanto confiaremos doravante, tanto na tecnologia que nos cerca por todos os
lados, como no governo que a regulamenta – Edward Snowden
Vídeo a seguir legendado pelo Jornal GGN:
Infelizmente,
o vídeo da fala de Snowden só foi distribuído pelo Canal 4 britânico. Os
grandes veículos da imprensa-empresa mundial fizeram o máximo que puderam para
diluir e diminuir o significado das palavras de Snowden. A rede BBC (em
russo), por exemplo, só fez lembrar que, antes, o mesmo Canal
4 havia entrevistado o ex-presidente do Irã, Mahmud Ahmadinejad e até
Marge Simpson, personagem de um desenho animado norte-americano.
Contudo,
por mais que Washington [e Grã-Bretanha] tente esquecer e fazer esquecer o mais
depressa possível o pesadelo das revelações de Snowden, elas continuam a
influenciar a política mundial e, em algumas regras, já assumiram traços de
influência propriamente estratégica.
1. Pode até haver quem diga que nos próprios EUA o
programa de monitoramento eletrônico da humanidade será reformado; mas
não há dúvida de que o programa sobreviverá, sobretudo no que tenha a ver com
monitorar e vigiar o resto do mundo.
Por
exemplo, a Comissão de Inteligência do Senado aprovou lei que aumenta o
controle sobre os programas do governo norte-americano de cibervigilância em
larga escala, mas não os extinguirá completamente. Em audiências secretas, a
Comissão aprovou a introdução de novas limitações à operação de agências de
inteligência que trabalham com grandes quantidades de dados de comunicações, e
a limitação do período de armazenamento desses dados por cinco anos: 11 votos a
favor das limitações e 4 contra. Depois da esperada aprovação dessa lei pelo
Congresso e de o presidente ter sancionado a lei, um tribunal especial nomeará
especialistas ‘independentes’ que serão encarregados de examinar questões de
interpretação da lei. E o Senado terá de confirmar o nome que o presidente
indique para os postos de diretor e de inspetor geral da Agência de Segurança
Nacional [orig. National Security Agency (NSA)] dos EUA.
Especialistas
já escreveram que “se os EUA pretendem reduzir sua perigosa dependência
do duplifalar, terão de submeter-se a supervisão real e a um debate aberto e
democrático sobre suas políticas. A era da hipocrisia acabou” .
A Era da Hipocrisia ACABOU |
Houve
momento em que essa virada deu sinais de que talvez viesse a ser efetiva e mais
decisiva. Dia 16/12/2013, uma Corte Federal Distrital em Washington julgou a
favor de dois norte-americanos que processavam o Estado e a Agência de
Segurança Nacional dos EUA pela gravação ilegal de dados de uma conversa
telefônica. A Corte decidiu que os programas de coleta de dados de conversas
telefônicas violam a 4ª Emenda, que protege
os cidadãos dos EUA contra escutas não autorizadas judicialmente. O mundo chegou a ver aí um prelúdio da
possível reabilitação de Snowden.
Mas poucos
dias depois, dia 3/1/2014, o Tribunal FISA [oficialmente Foreign
Intelligence Surveillance Court] dos EUA autorizou as agências de segurança
a continuar a coleta em massa de dados de conversações telefônicas dos cidadãos
norte-americanos. No mesmo dia, o Departamento de Justiça protocolou um
protesto na Corte de Apelação dos EUA contra a decisão da Corte Federal
Distrital que bloqueara o programa de escutas clandestinas. Até agora, o “Grande Irmão” está vencendo
esse round.
Michael Rogers |
Espera-se
que, por efeito do escândalo, o atual diretor da Agência de Segurança Nacional
dos EUA, general Keith Alexander, deixe o posto na primavera de 2014, fim de
seu atual mandato. Alexander dirige a Agência desde 2005. O jornal
britânico The Guardian
fala do vice-almirante Michael Rogers, atual comandante do Cibercomando da
Marinha dos EUA [orig. U.S. Navy Fleet Cyber Command], como provável
sucessor de Alexander no comando da ASN-EUA.
Alguma
coisa por aí sugere qualquer tipo de restrição ao arsenal de vigilância
eletrônica dos EUA? Absolutamente não. Apesar do barulho em torno do sistema de
vigilância global, a Casa Branca não cogita de abrir mão da força que criou; em
vez disso, cogita, isso sim, de tornar aquela estrutura ainda mais secreta,
escondendo-a nos porões do Pentágono, para o qual passarão muitas das atuais
funções da Agência de Segurança Nacional dos EUA, por ser “mais confiável” no
que tenha a ver com preservar segredos. Essa é uma das recomendações de uma
comissão especial que o presidente Obama criou, depois das revelações de
Snowden. Essa comissão sugeriu especificamente que o serviço de gestão da
segurança de informações da Agência de Segurança Nacional dos EUA seja
transformado em agência separada e posta sob jurisdição do Pentágono.
Para os
próximos cinco anos, o Pentágono planeja multiplicar por cinco as atuais
dimensões do Cibercomando, uma estrutura especializada dentro das Forças
Armadas dos EUA: passará dos atuais 900, para 4900 funcionários. E
especialistas não descartam a possibilidade de que esse número seja aumentado.
Outras divisões do Pentágono estão ameaçadas com cortes massivos de pessoal.
Além disso, o Cibercomando poderá ganhar status de órgão independente.
Atualmente, faz parte do Comando Estratégico dos EUA, com as forças
estratégicas nucleares, os mísseis de defesa e as forças espaciais. Espera-se
que o novo comando, além de proteger redes e coletar informação, conduzirá
ciberataques “contra estados e organizações hostis”, a partir do território dos
EUA ou de seus aliados.
Simultaneamente,
surgiram sérias linhas de discordância entre a comunidade de inteligência e o
governo dos EUA, quando funcionários da Casa Branca repetidas vezes tentaram
fazer crer que o governo e o presidente nada teriam a ver com a atividade da
inteligência, como se os agentes da inteligência espionassem por vontade
própria e para finalidades só deles. A comunidade de inteligência vê essa
atitude da Casa Branca como desleal e inescrupulosa, e a atitude causou
indignação. Em artigo publicado no Los Angeles Times,
representantes da comunidade de inteligência dos EUA refutaram a ideia de que o
presidente Barack Obama e seus assessores não soubessem coisa alguma sobre as
escutas implantadas, dentre outros, em gabinetes e até nos telefones privados
de autoridades de outros países. Todas as gravações ilegais obtidas de
telefones de governantes de países aliados dos EUA foram feitas com a aprovação
da Casa Branca e do Departamento de Estado, afirmam agentes da inteligência dos
EUA, em serviço e aposentados. “Há gente furiosa” – disse
uma fonte de alto escalão. “É como se a Casa Branca tivesse oficialmente
renegado a comunidade de inteligência”.
2. Além disso, os EUA e os demais países
membros da aliança conhecida como “Cinco Olhos” [orig. Five Eyes] – Grã-Bretanha, Canadá, Austrália e Nova Zelândia
[também chamado de Aliança
Anglo-sionista (NTs)] – também vivem dificuldades de relacionamento
político com outros países, depois que o papel deles foi revelado como elos do
sistema global de ciberespionagem. E já se sabe também que os EUA não foram
inteiramente honestos sequer com os seus aliados mais próximos.
Antenas operacionais da ASN em Teufelsberg Hill ou Devil's Mountain, Berlim em 5/11/2013 |
Os EUA
assinaram tratado de não espionagem mútua com Grã-Bretanha, Austrália, Nova
Zelândia e Canadá. Outros países parceiros, dentre os quais Alemanha e França,
esperam ainda por acordo similar. Mas, seja como for, o que todos viram é que
nenhum acordo impede a espionagem global norte-americana. Não há dúvida alguma
de que a Grã-Bretanha também está sob vigilância e, muito provavelmente, também
Canadá e Austrália.
Relações
nessa esfera entre Londres e Bruxelas ficaram gravemente tensas; Bruxelas se
organiza para mostrar diretamente aos britânicos que as práticas das agências
britânicas de inteligência violam a política de segurança da União Europeia. Em
conexão com o que aconteceu, a Comissão Europeia planeja recorrer à Corte Europeia,
em Luxemburgo, para que ponha fim à vigilância
eletrônica pelos britânicos, se violam leis da União Europeia. Decisão
da Corte Europeia prevalece sobre a legislação nacional britânica. A Comissão Europeia já requereu que os
britânicos apresentem justificativa legal para as atividades de espionagem do
Quartel-General das Comunicações de Governo [orig. Government Communications
Headquarters (GCHQ)], que recolhe informações de contatos pela Internet em
mais de 200 canais de comunicação por fibra ótica. A Alemanha não está
contente. A inteligência britânica comandava uma rede inteira de “postos de
escuta eletrônica” instalada a poucos passos do Bundestag e espionava o
gabinete da chanceler Angela Merkel, usando equipamento instalado no telhado
da embaixada britânica.
Houve
problemas também nas relações entre Londres e vários países do Oriente Médio,
quando se divulgou que as ações de espionagem contra seus governantes
(inclusive em Israel) eram conduzidas em estreita cooperação com agências de
inteligência dos EUA, a partir da base militar Dhekelia (território britânico)
em Chipre, próximo da linha que separa as áreas grega e turca da ilha. Tudo isso foi confirmado
por jornalistas investigativos do jornal grego Ta Nea.
Muitos
países na região do Pacífico Asiático apresentaram queixas contra Canberra,
quando documentos da ASN-EUA revelaram que a Austrália também permitira que
suas embaixadas na Indonésia, Tailândia, Vietnã, China e Timor Leste fossem
usadas pelos norte-americanos para atividades
de espionagem.
Canadá,
como se soube, especializou-se em espionagem econômica para a aliança dos
“Cinco Olhos”, contra México e Brasil, especialmente contra as respectivas empresas
nacionais de petróleo.
3. Apesar
da disposição que os EUA manifestaram para resolver “amigavelmente” as
complicações geradas por suas ações de espionagem contra aliados próximos, o
verme da dúvida implantou-se e não desaparecerá facilmente. Já não é possível
explicar esses fatos por necessidades do combate ao terrorismo. Tornou-se óbvio
para os governos de países aliados de Washington que os EUA os mantém sob
constante vigilância, o que põe os norte-americanos em posição de vantagem
desleal inadmissível em todas as negociações. Poucos falam sobre isso, mas não
há dúvida de que todos conjecturam e concluem. (...)
Viviane Reding |
Viviane
Reding, Comissária de Justiça, Direitos Fundamentais e Cidadania da União
Europeia, já
disse que: “Não se pode negociar num amplo mercado transatlântico, se
houver qualquer mínima suspeita de que nossos parceiros mantêm escutas dentro
do gabinete de nosso negociador chefe”.
Mesmo
assim, seria ingenuidade assumir que Washington, que tem posições estáveis e de
raízes profundas na Europa, cederá facilmente nesse seu forte ciberabraço pouco
amistoso. Foi o que ficou bem evidente, ano passado, quando se cogitou de
convocar Edward Snowden para uma audiência do Parlamento Europeu dia 18 de
dezembro, ou de ouvi-lo por videoconferência. Um representante do Partido
Popular Europeu [orig. European People’s Party] “consistentemente
pró-atlanticista”, com ampla maioria no Parlamento Europeu, comunicou, dia
12/12, que membros conservadores do Parlamento haviam votado contra qualquer
contato, mesmo por vídeo, entre Snowden e parlamentares europeus; e a proposta
foi bloqueada. Segundo esse deputado europeu “consistentemente atlanticista”,
tal iniciativa teria “consequências negativas nas relações transatlânticas,
altamente indesejáveis nesse momento, às vésperas da assinatura de um acordo de
livre comércio entre EUA e União Europeia”.
Jonathan Pollard - Cana brava por espionagem nos EUA pró Israel... |
Até Israel,
aliado estratégico dos EUA já se inclui entre as vítimas; soube-se que líderes
israelenses estavam sob total vigilância, inclusive em quartos de hotel em
Jerusalém, alugados como base de escutas clandestinas, próximos de instalações
do governo. E, isso, quando os EUA recusam-se, há muitos anos, a devolver a
Israel o agente israelense Jonathan Pollard, condenado a prisão perpétua e
mantido numa prisão norte-americana, por sentença que declara que seus atos de
espionagem são comportamento “amoral e inaceitável em relações entre aliados
próximos”. Agora, Israel já fala da “hipocrisia monstruosa da Casa Branca” e já
exigiu a imediata
libertação de Pollard, em termos de, praticamente, um ultimato.
[Continua]
Nota dos
tradutores
[1]
ORWELL, George [1948], 1984, São Paulo: Companhia das Letras, 2009, 416 p. (Há
outras edições.)
Manchete do Huffington Post (de 17/1/2014), depois da fala (e do besteirol) de Obama: "VINGADO!", acima de foto de Snowden.((em http://www.huffingtonpost.com/).
ResponderExcluirAchamos MUITO PRECIPITADA, a manchete. A única segurança de vida que ainda protege Snowden são os documentos que ele tenha guardados, que os EUA não sabem quais são. No instante em que Snowden entregar tudo, ele passa a ser alvo vivo, onde quer que esteja -- e não há dúvidas de que será morto. Como assim... "Vingado!"?!
Boa notícia é que o Twitter (se se segue as pessoas que interessa ouvir) já está dizendo TUDO q interessa dizer:
(1) Obama falou como se o único problema da espionagem norte-americana fosse a agressão à tal de "privacidade". (em: http://www.huffingtonpost.com/2014/01/17/obama-edward-snowden_n_4617970.html) Nem uma palavra sobre a espionagem econômica, comercial, industrial, científica...
(Comentário enviado por e-mail e postado por Castor)
E o grande problema da espionagem norte-americana é que ela é espionagem econômica, comercial, industrial, científica: o estado norte-americano espiona A SERVIÇO DAS EMPRESAS NORTE-AMERICANAS e a favor do Império anglo-sionista.
Mas nem Snowden nem ninguém fala disso. Então... qualquer coisa é qualquer coisa, nesse trololó liberal: não se podem espiar os namoros de dois capitalistas. Mas podem-se espionar os negócios dos mesmos dois capitalistas.
Obama disse, excepcionalista arrogante idiota: "Afinal, os EUA não podemos ser castigados por que nossos serviços são melhores que os do resto do mundo".
Foi como se dissesse: dados que somos capazes de obter informações empresariais e industriais e comerciais e científicas com mais eficácia que a concorrência... a concorrência que coma poeira, ora bolas!"
Pensando bem... no mundo do capital, Obama está coberto de razão: "Ladrão que rouba ladrão tem 100 anos de perdão".
Mas, se tudo é, sempre, a questão da PROPRIEDADE PRIVADA, se a riqueza pertence, por 'direito' ao mais forte... pra ke ki serve e ke ki minteressa essa porra de privacidade?!