19/2/2014, [*] Peter Lee, China Matters
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Recomendo
que os leitores que ainda não o tenham feito criem imediatamente uma conta de
Twitter e sigam-me sem demora (@chinahand). Para meu
grande embaraço e surpresa, descubro que já rabisquei mais de 800 tuítos desde que a coisa começou para
mim, em novembro passado.
Muitos são
bobagens efêmeras, é claro. Mas às vezes a tripa de mensagens inclui tuítos interessantes e bem sacados, que
ilustram a dinâmica do debate sobre a política externa dos EUA enquanto evolui
ao longo do mês, da semana, ou, às vezes, num só dia; e merecem ser repassados.
Eu, é
claro, acrescento ali meus dois centavos de ideias, sempre na esperança de soar
claro e interessante, sobre eventos que, muitas vezes, transformam-se depressa
demais para ser assunto de um postado, mas, mesmo assim, são significativos.
Por
exemplo, comecei a prestar mais atenção ao ir e vir entre os falcões
norte-americanos pró-confronto China-Japão, de um lado; e os falcões
(relativamente) moderados no governo Obama, de outro; e ao papel do governo Abe
como observador, participante, vítima ou beneficiário, dependendo de como se
encaminham os debates.
Um conjunto
dos tuítos que li tratava da
República Popular da China que se metera numa questão entre os EUA e o Japão
que se recusa a devolver algumas poucas centenas de quilos de plutônio
suficientemente enriquecido para ser usado em armas atômicas.
No nível
mais simples, claro, a China quer semear dúvidas sobre o caráter genuinamente
pacifista do Japão, que vai andando cautelosamente na direção de pleno status
soberano como potência militar, mas, ao mesmo tempo, tenta não perder as
vantagens de propaganda & marketing que lhe advêm dos 70 anos de
vida sob Constituição dita “pacifista”, e quer continuar a marketar suas iniciativas de segurança regional como “pacifismo
ativo”.
Em outro
nível, a República Popular da China parece estar cutucando discretamente os EUA
para que vivam de acordo com o que pregam em matéria de não proliferação,
pregação que já rendeu um (muito prematuro e precipitado) Prêmio Nobel da Paz
para o presidente Obama. Assim, quando a China firmemente levantou a questão, é
possível que os EUA tenham decidido ceder uma jogada à República Popular da
China, e falaram publicamente do assunto do plutônio.
Twitter na China |
A fala,
compreensivelmente, enfureceu o governo Abe, que sentia que esse seria assunto
a ser tratado com máxima discrição entre aliados, não como oportunidade que os
EUA desavergonhadamente colheram, para fazer gentilezas à China. Talvez
coincidentemente, indivíduos e veículos pró-confronto China-Japão nos EUA
vaiaram a questão plutônio e desviaram a atenção para a ameaça chinesa, mais
velada.
Acho que há
aí, também, mais uma questão.
O Japão, e,
de fato, qualquer potência tecnicamente capaz, não precisa de plutônio
enriquecido ao grau de produzir armas, para fazer uma bomba atômica.
Enriquecimento ao nível só de combustível também funcionará muito bem,
obrigado, se você estiver disposto a aceitar resultados de
alcance/tamanho/radiação menos ótimos. Assim sendo, as poucas centenas de
quilos de plutônio enriquecido não são, realmente, o problema.
Os problemas
são:
(a) as cerca de cinco toneladas de
plutônio-metal que o Japão tem no país e as vinte e tantas toneladas que tem
armazenadas em usinas de reprocessamento no Reino Unido e na França (uns
sujeitos do Pentágono tomaram, bem ad hoc, a decisão de consolar o Japão
pela normalização das relações com a República Popular da China, deixando que o
Japão seja o único parceiro atômico dos EUA, além de Reino Unido e França,
autorizado a “fechar o ciclo do combustível” – quer dizer: a recuperar o
plutônio do combustível usado, para prevenir a eventualidade de uma seca de
urânio que, como se pode perceber, não se materializou); e
(b) o programa de foguetes que o Japão,
apesar da localização desfavorável no hemisfério norte (que torna lançamentos
comerciais relativamente antieconômicos), gastou bilhões para desenvolver.
Para
encurtar a história, apesar das manifestações vociferantes e, em alguns
círculos, sinceras, do Japão, de que não tem interesse em armas nucleares, o
Japão é, por nomeação, uma potência nuclear in ovo, e continuará a
sê-lo, até que se evapore, seja lá como for, a ameaça militar, nuclear e
convencional, chinesa.
Shinzo Abe |
À guisa de lembrete,
cito o primeiro-ministro do Japão:
É com certeza verdade que o Japão tem
capacidade para ter armas atômicas, mas não as produziu.
O
primeiro-ministro Hata fez essa declaração ante o Parlamento japonês (a
“Dieta”), em 1994. Conservem, por favor, no fundo da cabeça, a informação
acima, para usá-la quando começarem as conversas sobre o quanto o Japão é
estrategicamente desamparado. E é algo que a República Popular da China muito
apreciará ver injetado nas discussões sobre o posicionamento do Japão nas
questões da segurança.
Uma das
mais interessantes
especulações sobre o programa nuclear do Irã, é que o
país, para o seu sapateado na direção de ultrapassar o limiar nuclear, teria
copiado o exemplo do Japão.
E, com
esses antecedentes, sempre penso que o motivo dos EUA para elevar Yukio Amano à
presidência da Agência Internacional de Energia Atômica (depois que finalmente
viram-se livres do irritantemente independente ElBaradei) bem pode ter sido que
Amano, veterano do establishment nuclear japonês, sabe exatamente como
foi jogado o jogo do armamento nuclear japonês, e jamais se inclinaria a facilitar
a vida do Irã.
É quando
sempre penso se sub rosa o toma-lá-dá-cá não terá sido algo como: a
firmeza de Amano contra o dossiê iraniano foi recompensada com EUA fazerem-se
de cegos – e azar dos demais premiados com o prêmio Nobel – à cuidadosa construção
de capacidades nucleares no Japão – e às 30 toneladas de plutônio das quais o
Japão tem a posse.
John Kerry |
E, para
meter o pé, de vez, em território de xadrez em 12 dimensões, desconfio que o
governo Abe está em surto silencioso de pânico por causa do foco de John Kerry
no Oriente Médio – onde a China, porque apoia o Irã e a Síria, tem papel muito
mais significativo e importante a representar, que o Japão.
O medo
seria de que a República Popular da China prometa – ou dê! – ajuda
significativa no Oriente Médio e exija de Kerry, como retribuição, uma atitude
mais conciliatória em relação à China.
Assim
sendo, é possível que o incidente do plutônio seja, mesmo, um osso que Kerry
jogou aos seus camaradinhas de Pequim – e uma fissura no acerto inicial segundo
o qual os EUA não fariam barulho algum em torno da “nuclearização” do arsenal
japonês.
Seja como
for, apareceu uma onda de tuítos no
Twitter, todos reclamando que Kerry estava focado demais no Oriente Médio e não
andava devotando os devidos tempo e atenção à ameaça chinesa.
De fato,
surpreenderam-me muito
(a) a quantidade de comentários devotados
à ameaça chinesa (tática “de fatiar salame”, que é a fórmula usada para
inspirar terror paralisante, sempre que se fala sobre os passos cautelosos e
graduais, mediante os quais a China vai cuidando de melhorar sua posição no
âmbito marinho); e
(b) a insistência em que a até aqui
bem-sucedida tentativa dos chineses para impedir a militarização de todas essas
questões (é estratégia chave da República Popular da China, dada a imensa
superioridade militar dos EUA) deveria ser detonada, mediante política
abertamente confrontacional.
Sinto-me
firmemente confiante de que
(a) essa abordagem é piração; e
(b) Kerry & Biden sentem o mesmo que
eu e, enquanto fazem a encenação de urrar e bater no peito contra a China, eles
estão, sim, realmente mais interessados em reduzir as tensões, que em
inflá-las.
Twitter no Japão |
O problema
é que não há eleitorado, em Washington, interessado em redução de tensões. As
forças dos falcões pró-confronto China-Japão, por sua vez, têm vastíssimo poder
político, financeiro e “de segurança” para atrair para suas recomendações e
política um governo de “contenção”, o que lhes ampliará as forças. O crescente
entusiasmo por algo chamado “dinâmica de contenção” – impulso que se aproxima
perigosamente da confrontação – cria um ambiente de escalada (a China, claro,
também subirá o tom da sua contenção, em reação) que vai ganhando ares de farsa
da profecia que se autocumpre, mascarada como se fosse doutrina de segurança.
E isso
empurra as fricções EUA-China para mais perto da área militar, na qual os
estrategistas dos EUA mais se sentem confortáveis.
Para
garantir, entra no circuito também a demonização de uma palavra, mais
demonizada a cada vez que aparece: “apaziguamento”. A facção dos que se
autodeclaram “apaziguadores” é, como se poderia prever, bem pequena.
O jogo na
Ásia continua a ser econômico, e sinto/espero que o governo Obama entende/pensa
que pode deixar que o complexo militar/industrial/de-segurança/vigilância
embarque e nesse trem da alegria da “ameaça chinesa”, enquanto o negócio dos
negócios vai prosseguindo.
Mas se você
quer aprender a derrotar a China, não deixe de estudar os seus tuítos.
[*] Peter Lee é jornalista
norte americano de origem chinesa que escreve sobre assuntos dos países do sul
e leste da Ásia e a intersecção de negócios entre essa região e os EUA. Além de
articulista de várias publicações anima o blog China Matters.
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