14/2/2014, [*] Paul Craig Roberts – Institute for Political Economy
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Guerra Fria |
Em vários
de meus artigos, tenho explicado que a União Soviética sempre serviu com força
de contenção contra o poder dos EUA. O colapso da União Soviética abriu as
comportas para a ambição de dominação dos EUA sobre o mundo. Agora, a Rússia de
Putin, a China e o Irã são as únicas forças de contenção contra a agenda
neoconservadora.
Os mísseis
nucleares russos e a tecnologia militar fazem da Rússia o maior obstáculo
militar contra a dominação norte-americana. Para neutralizar a Rússia, os EUA
quebraram os acordos Reagan-Gorbachev e expandiram a OTAN para dentro de
territórios que, antes haviam sido do império soviético; e agora querem
incorporar à OTAN também territórios que foram da própria Rússia – a Geórgia e
a Ucrânia.
Os EUA
romperam o tratado que bania os mísseis antibalísticos e implantaram bases de
mísseis antibalísticos na fronteira da Rússia. Os EUA mudaram a própria
doutrina de guerra nuclear para permitir o primeiro ataque nuclear.
Tudo isso
visa a diminuir o poder de contenção da Rússia e, assim, a diminuir a
capacidade da Rússia para resistir aos desígnios de Washington.
O governo
russo (e também o governo da Ucrânia) permitiu tolamente que várias ONGs
mantidas pelos EUA operassem como agentes dos EUA, disfarçadas como
“organizações de direitos humanos”, para “construir a democracia” etc.. O
evento do “agito das bucetas” [orig. “pussy riot”] foi evento planejado
e executado para expor imagem negativa de Putin e da Rússia. (As mulheres foram
recrutadas como figurantes úteis).
O ataque pela imprensa-empresa ocidental contra os Jogos Olímpicos de Sochi são parte da
operação para ridicularizar e demonizar Putin e a Rússia. Washington decidiu
que Putin e a Rússia não terão espaço para exibir imagem de sucesso em nenhum
setor, seja a diplomacia sejam os esportes ou os direitos humanos.
A
imprensa-empresa nos EUA é um Ministério da Propaganda para o governo e as
empresas, e ajuda Washington a pintar a Rússia sempre com cores nefandas.
Stephen F. Cohen descreve a cobertura que
a imprensa-empresa norte-americana dá à Rússia como “um tsunami de
artigos vergonhosamente antiprofissionais e politicamente incendiários”.
Como restos
da Guerra Fria, a imprensa-empresa nos EUA ainda conserva imagem de imprensa
livre, na qual se poderia confiar. De fato, já não há imprensa livre nos EUA
(exceto alguns sites de Internet).
Rússia - Vista aérea do parque olímpico de Sochi-2014 (clique na imagem para aumentar) |
Durante os
últimos anos do governo Clinton, o governo dos EUA permitiu que cinco
conglomerados gigantes concentrassem toda a mídia ainda variada, dispersa e, em
certo sentido, ainda independente, que havia. O valor dessas mega-empresas
depende das licenças para operar concedidas por órgãos federais. Assim sendo,
as empresas-imprensa não se atrevem a ir contra o governo, em nenhuma questão
realmente importante.
No Brasil o
fenômeno é mais complexo e muito menos estudado (de fato, NÃO É ESTUDADO).
Aqui, as empresas-imprensa – não mais que cinco, seis empresas, todas de origem
familiar – também dependem de concessão do Estado para operar.
Mas, muito
estranhamente, essas privilegiadíssimas empresas-imprensa não fazem outra coisa
além de distorcer fatos e acontecimentos sempre para fazer-crer que tudo,
qualquer coisa, e exposta para soar como catastroficamente péssima para “o
país”, é culpa exclusivamente do partido que está no governo e na chefia do
Estado há mais de dez anos e nunca, em nenhum caso, seria culpa dos (sempre os
mesmos) que governaram o Brasil sem parar um dia desde o golpe de 1964 até a
primeira posse do presidente Lula.
Assim se vê que, no
Brasil, a doença que já matou o jornalismo e está matando as próprias empresas-imprensa
NÃO É a falta de “liberdade de expressão”, mas talvez seja... o excesso de
“direitos” que o Estado e o governo garantem, mesmo depois de UMA DÉCADA de
governos populares... a seis famílias-empresas “midiáticas”?! Será isso?! Como
assim?! [NTs].
Além disso, as empresas-imprensa nos EUA já
não são comandadas por jornalistas, mas por executivos de empresas de
propaganda & marketing e ex-funcionários do governo – sempre com um
olho posto no mercado publicitário e nos anunciantes e o outro olho posto no
acesso fácil a “fontes” do governo.
No Brasil também
isso é diferente: aqui, as empresas-imprensa (todas deficitárias e fracassantes) são também comandadas por
gente de propaganda & marketing a serviço de grandes anunciantes
(indústria da construção civil, indústria automobilística, indústria das escolas
e universidades privadas, indústria da saúde, indústria da alimentação, a
Federação das Indústrias de São Paulo (FIESP) em geral, inteirinha; e a
serviço, também, do latifúndio), mas ninguém tem interesse em ter acesso
fácil a qualquer fonte do governo: aliás, é o contrário.
O governo (poder
concedente dos licenças para que as empresas-imprensa de televisão operem)
ABSOLUTAMENTE NÃO TEM ACESSO aos veículos.
E aos veículos da
imprensa-empresa, no Brasil, só interessa acesso fácil à oposição... o que, afinal,
jamais foi difícil e sempre foi fácil, muito fácil, facílimo, é claro, sempre,
desde 1964. [NTs]
Washington
está usando a mídia para preparar o povo norte-americano para a confrontação
com a Rússia; e para influenciar os russos e outros povos do mundo contra
Putin. Washington adoraria ver, na presidência da Rússia, um russo mais
dobrável que Putin.
Muitos
russos são facilmente enganáveis. Tendo conhecido o fim do regime comunista e o
caos do colapso, muitos russos creem, ingenuamente, que os EUA são o melhor
país do mundo, em cujos governantes se pode confiar e crer. Essa ideia idiota,
que se vê manifesta na Ucrânia ocidental, enquanto os EUA vão desestabilizando
o país, preparando-se para tomar conta de tudo, é importante arma que os EUA
usam para desestabilizar a Rússia.
Há russos
que vivem a inventar desculpas para os EUA, explicando que a retórica
anti-Rússia não passa de um resto que teria sobrado dos velhos estereótipos da
Guerra Fria. “Velhos estereótipos” é engodo, mais uma ideia que se inventa para
desencaminhar a atenção, para distrair. Washington está bombardeando a Rússia.
A Rússia está sob ataque, e se os russos não se aperceberem do que está acontecendo,
serão varridos do mapa.
Muitos
russos estão dormindo ao volante, mas o Clube Izborsk está tentando acordá-los. Em artigo de 12/2/2014
publicado na revista russa Zavtra, militares e especialistas
estrategistas alertam que a utilização pelo “ocidente” dos protestos de rua,
para reverter a decisão do governo da Ucrânia de não se integrar à União
Europeia, produziu uma situação a partir da qual se torna possível um golpe por
forças fascistas. Esse golpe levaria a uma guerra fratricida na Ucrânia e
constituiria “séria ameaça estratégica contra a Federação Russa”.
Os
especialistas concluíram que, caso esse golpe seja bem-sucedido, as consequências
para a Rússia seriam:
— perder
Sebastopol como base da Frota do Mar Negro da Federação Russa;
— expurgos
de russos no leste e no sul da Ucrânia, o que geraria ondas massivas de
refugiados;
— perda de
capacidades de manufatura em Kiev, Dnepropetrovsk, Kharkov, onde estão
instaladas as indústrias que produzem para os militares russos;
— supressão
da população falante de russo, numa ucranização forçada;
—
estabelecimento de bases militares de EUA e OTAN na Ucrânia, inclusive na
Crimeia; e o estabelecimento de centros de treinamento para terroristas a serem
implantados no Cáucaso, na bacia do Volga e talvez até na Sibéria; e
—
disseminação de protestos orquestrados em Kiev para grupos étnicos não russos
em várias cidades da Federação Russa.
Bases navais e aéreas russas no Mar Negro (losangos vermelhos) |
Os
estrategistas russos concluem que consideram “catastrófica para o futuro da
Rússia a situação que está tomando forma na Ucrânia”.
O que
fazer? Nesse ponto, os estrategistas que analisaram corretamente a situação
presente, erram. Recomendam campanha nacional pela mídia, para expor a natureza
do ataque que está em andamento, e que o governo da Federação Russa invoque o
Memorando de Budapeste, de 1994, para convocar conferência de representantes
dos governos de Rússia, Ucrânia, EUA e Grã-Bretanha, para enfrentar as ameaças
que hoje pesam contra a Ucrânia. No caso de o Memorando de Budapeste que
determina e protege a soberania da Ucrânia ser desrespeitado por uma ou mais
das partes reunidas, recomendam que – usando como precedente as negociações
Kennedy-Khrushchev, que superaram a crise dos mísseis de Cuba em 1962 – a
Federação Russa negocie diretamente com Washington uma solução para a crise que
se desenrola na Ucrânia.
Essa
proposta é delírio. Os especialistas russos estão-se autoenganando. Os EUA são
autores perpetradores do que se vê acontecer na crise ucraniana e têm planos
para tomar a Ucrânia, e exatamente pelas mesmas razões que os especialistas
diagnosticaram com acerto. Trata-se exatamente de um plano para desestabilizar
a Rússia e para negar a Putin qualquer sucesso diplomático por, até agora, ter
conseguido impedir que os EUA atacassem militarmente a Síria e o Irã.
Na
essência, se os EUA forem bem-sucedidos na Ucrânia, a Rússia estará
praticamente eliminada como fator de contenção contra a dominação dos EUA sobre
o mundo. Com isso, só restará a China.
Suspeito
que a Ucrânia tenha sido levada ao ponto de ebulição, para tirar vantagem de um
momento em que Putin e a Rússia concentravam-se na preparação dos Jogos
Olímpicos de Sochi. Não parece haver dúvida alguma de que a Rússia está diante
de grave ameaça estratégica. Quais são, então, as reais opções, para a Rússia?
Com certeza, nenhuma real opção para salvar a Rússia inclui contar com qualquer
boa vontade de Washington.
Foto aérea parcial da Base Naval russa de Sebastopol, Ucrânia (Mar Negro) |
Uma
possibilidade é a Rússia operar segundo o script norte-americano. Se a
Rússia tem drones, pode usá-los como fazem os EUA, para assassinar os
líderes dos protestos patrocinados por Washington. Ou a Rússia pode mandar
equipes de suas Forças Especiais para assassinar os agentes que estão operando
contra a Rússia. É o que os EUA estão fazendo em todo o mundo. Se a União
Europeia continuar a trabalhar para desestabilizar a Ucrânia, a Rússia pode
cortar o fornecimento de petróleo e gás para todos os governos europeus
fantoches dos EUA (seriam “sanções incapacitantes”, do tipo que Hillary Clinton
tanto aprecia).
Outra
possibilidade é o Exército Russo ocupar a Ucrânia ocidental, enquanto se tomam
medidas para dividir a Ucrânia, a qual, por 200 anos e até recentemente, foi
parte da Rússia. Não há dúvida de que a maioria da população da Ucrânia
ocidental prefere a Rússia, à União Europeia. É possível, até, que muitos da
população ocidental, que passaram por lavagem cerebral, parem de babar ódio
pela boca por tempo suficiente para que percebam que entregar-se às mãos de
EUA/União Europeia implica entregar-se para serem saqueados, como já aconteceu
na Letônia e na Grécia.
Listo aqui
os desdobramentos menos perigosos da crise que EUA e seus estúpidos fantoches
que governam países europeus criaram; não estou dando conselhos ou fazendo
recomendações à Rússia. Porque o pior desdobramento possível é uma guerra muito
perigosa.
Base aérea russa de Gudauta, Abicássia - Georgia |
Se os russos
nada fizerem, a situação se converterá num quadro inadmissível para eles. Se a
Ucrânia se mover na direção de integrar-se à OTAN, com supressão da população
russa, o governo russo terá de atacar a Ucrânia e derrubar o regime ali
instalado por forças externas à região; sem isso, só restará ao governo russo
render-se aos EUA. Dado que não haverá rendição, o efeito da temerária ameaça
estratégica que Washington está impondo à Rússia pode ser a guerra atômica.
Victoria
Nuland, a hiper-neoconservadora, está em sua sala no Departamento de Estado,
escolhendo, risonha, os nomes que imporá como governantes da Ucrânia. O governo
em Washington não sabe dos riscos de imiscuir-se nos assuntos internos da
Ucrânia? O presidente e o Congresso dos EUA não sabem que Nuland está
fabricando o apocalipse?
Quanto aos
cidadãos, não, ninguém está prestando atenção. Ninguém sabe que menos de meia
dúzia de ideólogos neoconservadores trabalham a favor de empurrar o mundo para
destruição cada vez maior.
NOTA:
Recebi, num e-mail da Moldávia, país que tem fronteiras com Romênia e Ucrânia,
com cidades sobre a fronteira Moldávia-Ucrânia, com denúncia de que há moldávios recebendo 30 euros/dia para posar como “manifestantes” ucranianos. Peço que
quem tenha informação consistente, distribua; ou me indique alguma fonte
publicada que comprove essa denúncia.
[*] Paul Craig
Roberts (nascido em 03 de abril de 1939) é um economista norte-americano,
colunista do Creators Syndicate. Serviu como
secretário-assistente do Tesouro na administração Reagan e foi destacado como
um co-fundador da Reaganomics. Ex-editor e colunista do Wall Street
Journal, Business Week e Scripps
Howard News Service. Testemunhou perante
comissões do Congresso em 30 ocasiões em questões de política econômica.
Durante
o século XXI, Roberts tem frequentemente publicado em Counterpunch,
escrevendo extensamente sobre os efeitos das administrações Bush (e mais tarde
Obama) relacionadas com a guerra contra o terror, que ele diz ter destruído a
proteção das liberdades civis dos americanos da Constituição dos EUA, tais como
habeas corpus e o devido processo legal. Tem tomado posições diferentes
de ex-aliados republicanos, opondo-se à guerra contra as drogas e a guerra
contra o terror, e criticando as políticas e ações de Israel contra os
palestinos. Roberts é um graduado do Instituto de Tecnologia da Geórgia e
tem Ph.D. da Universidade de Virginia,
pós-graduação na Universidade da
Califórnia, Berkeley e na Faculdade de Merton, Oxford University.
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