domingo, 16 de fevereiro de 2014

Rússia sob ataque

14/2/2014, [*] Paul Craig RobertsInstitute for Political Economy
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Guerra Fria
Em vários de meus artigos, tenho explicado que a União Soviética sempre serviu com força de contenção contra o poder dos EUA. O colapso da União Soviética abriu as comportas para a ambição de dominação dos EUA sobre o mundo. Agora, a Rússia de Putin, a China e o Irã são as únicas forças de contenção contra a agenda neoconservadora.

Os mísseis nucleares russos e a tecnologia militar fazem da Rússia o maior obstáculo militar contra a dominação norte-americana. Para neutralizar a Rússia, os EUA quebraram os acordos Reagan-Gorbachev e expandiram a OTAN para dentro de territórios que, antes haviam sido do império soviético; e agora querem incorporar à OTAN também territórios que foram da própria Rússia – a Geórgia e a Ucrânia.

Os EUA romperam o tratado que bania os mísseis antibalísticos e implantaram bases de mísseis antibalísticos na fronteira da Rússia. Os EUA mudaram a própria doutrina de guerra nuclear para permitir o primeiro ataque nuclear.

Tudo isso visa a diminuir o poder de contenção da Rússia e, assim, a diminuir a capacidade da Rússia para resistir aos desígnios de Washington.

O governo russo (e também o governo da Ucrânia) permitiu tolamente que várias ONGs mantidas pelos EUA operassem como agentes dos EUA, disfarçadas como “organizações de direitos humanos”, para “construir a democracia” etc.. O evento do “agito das bucetas” [orig. “pussy riot”] foi evento planejado e executado para expor imagem negativa de Putin e da Rússia. (As mulheres foram recrutadas como figurantes úteis).

O ataque pela imprensa-empresa ocidental contra os Jogos Olímpicos de Sochi são parte da operação para ridicularizar e demonizar Putin e a Rússia. Washington decidiu que Putin e a Rússia não terão espaço para exibir imagem de sucesso em nenhum setor, seja a diplomacia sejam os esportes ou os direitos humanos.

A imprensa-empresa nos EUA é um Ministério da Propaganda para o governo e as empresas, e ajuda Washington a pintar a Rússia sempre com cores nefandas. Stephen F. Cohen descreve a cobertura que a imprensa-empresa norte-americana dá à Rússia como “um tsunami de artigos vergonhosamente antiprofissionais e politicamente incendiários”.

Como restos da Guerra Fria, a imprensa-empresa nos EUA ainda conserva imagem de imprensa livre, na qual se poderia confiar. De fato, já não há imprensa livre nos EUA (exceto alguns sites de Internet).

Rússia - Vista aérea do parque olímpico de Sochi-2014
(clique na imagem para aumentar)
Durante os últimos anos do governo Clinton, o governo dos EUA permitiu que cinco conglomerados gigantes concentrassem toda a mídia ainda variada, dispersa e, em certo sentido, ainda independente, que havia. O valor dessas mega-empresas depende das licenças para operar concedidas por órgãos federais. Assim sendo, as empresas-imprensa não se atrevem a ir contra o governo, em nenhuma questão realmente importante.

No Brasil o fenômeno é mais complexo e muito menos estudado (de fato, NÃO É ESTUDADO). Aqui, as empresas-imprensa – não mais que cinco, seis empresas, todas de origem familiar – também dependem de concessão do Estado para operar.
Mas, muito estranhamente, essas privilegiadíssimas empresas-imprensa não fazem outra coisa além de distorcer fatos e acontecimentos sempre para fazer-crer que tudo, qualquer coisa, e exposta para soar como catastroficamente péssima para “o país”, é culpa exclusivamente do partido que está no governo e na chefia do Estado há mais de dez anos e nunca, em nenhum caso, seria culpa dos (sempre os mesmos) que governaram o Brasil sem parar um dia desde o golpe de 1964 até a primeira posse do presidente Lula.
Assim se vê que, no Brasil, a doença que já matou o jornalismo e está matando as próprias empresas-imprensa NÃO É a falta de “liberdade de expressão”, mas talvez seja... o excesso de “direitos” que o Estado e o governo garantem, mesmo depois de UMA DÉCADA de governos populares... a seis famílias-empresas “midiáticas”?! Será isso?! Como assim?! [NTs].

Além disso, as empresas-imprensa nos EUA já não são comandadas por jornalistas, mas por executivos de empresas de propaganda & marketing e ex-funcionários do governo – sempre com um olho posto no mercado publicitário e nos anunciantes e o outro olho posto no acesso fácil a “fontes” do governo.

No Brasil também isso é diferente: aqui, as empresas-imprensa (todas deficitárias e fracassantes) são também comandadas por gente de propaganda & marketing a serviço de grandes anunciantes (indústria da construção civil, indústria automobilística, indústria das escolas e universidades privadas, indústria da saúde, indústria da alimentação, a Federação das Indústrias de São Paulo (FIESP) em geral, inteirinha; e a serviço, também, do latifúndio), mas ninguém tem interesse em ter acesso fácil a qualquer fonte do governo: aliás, é o contrário.
O governo (poder concedente dos licenças para que as empresas-imprensa de televisão operem) ABSOLUTAMENTE NÃO TEM ACESSO aos veículos.
E aos veículos da imprensa-empresa, no Brasil, só interessa acesso fácil à oposição... o que, afinal, jamais foi difícil e sempre foi fácil, muito fácil, facílimo, é claro, sempre, desde 1964. [NTs]

Washington está usando a mídia para preparar o povo norte-americano para a confrontação com a Rússia; e para influenciar os russos e outros povos do mundo contra Putin. Washington adoraria ver, na presidência da Rússia, um russo mais dobrável que Putin.

Muitos russos são facilmente enganáveis. Tendo conhecido o fim do regime comunista e o caos do colapso, muitos russos creem, ingenuamente, que os EUA são o melhor país do mundo, em cujos governantes se pode confiar e crer. Essa ideia idiota, que se vê manifesta na Ucrânia ocidental, enquanto os EUA vão desestabilizando o país, preparando-se para tomar conta de tudo, é importante arma que os EUA usam para desestabilizar a Rússia.

Há russos que vivem a inventar desculpas para os EUA, explicando que a retórica anti-Rússia não passa de um resto que teria sobrado dos velhos estereótipos da Guerra Fria. “Velhos estereótipos” é engodo, mais uma ideia que se inventa para desencaminhar a atenção, para distrair. Washington está bombardeando a Rússia. A Rússia está sob ataque, e se os russos não se aperceberem do que está acontecendo, serão varridos do mapa.

Muitos russos estão dormindo ao volante, mas o Clube Izborsk está tentando acordá-los. Em artigo de 12/2/2014 publicado na revista russa Zavtra, militares e especialistas estrategistas alertam que a utilização pelo “ocidente” dos protestos de rua, para reverter a decisão do governo da Ucrânia de não se integrar à União Europeia, produziu uma situação a partir da qual se torna possível um golpe por forças fascistas. Esse golpe levaria a uma guerra fratricida na Ucrânia e constituiria “séria ameaça estratégica contra a Federação Russa”.

Os especialistas concluíram que, caso esse golpe seja bem-sucedido, as consequências para a Rússia seriam:

— perder Sebastopol como base da Frota do Mar Negro da Federação Russa;

— expurgos de russos no leste e no sul da Ucrânia, o que geraria ondas massivas de refugiados;

— perda de capacidades de manufatura em Kiev, Dnepropetrovsk, Kharkov, onde estão instaladas as indústrias que produzem para os militares russos;

— supressão da população falante de russo, numa ucranização forçada;

— estabelecimento de bases militares de EUA e OTAN na Ucrânia, inclusive na Crimeia; e o estabelecimento de centros de treinamento para terroristas a serem implantados no Cáucaso, na bacia do Volga e talvez até na Sibéria; e

— disseminação de protestos orquestrados em Kiev para grupos étnicos não russos em várias cidades da Federação Russa.

Bases navais e aéreas russas no Mar Negro (losangos vermelhos)
Os estrategistas russos concluem que consideram “catastrófica para o futuro da Rússia a situação que está tomando forma na Ucrânia”.

O que fazer? Nesse ponto, os estrategistas que analisaram corretamente a situação presente, erram. Recomendam campanha nacional pela mídia, para expor a natureza do ataque que está em andamento, e que o governo da Federação Russa invoque o Memorando de Budapeste, de 1994, para convocar conferência de representantes dos governos de Rússia, Ucrânia, EUA e Grã-Bretanha, para enfrentar as ameaças que hoje pesam contra a Ucrânia. No caso de o Memorando de Budapeste que determina e protege a soberania da Ucrânia ser desrespeitado por uma ou mais das partes reunidas, recomendam que – usando como precedente as negociações Kennedy-Khrushchev, que superaram a crise dos mísseis de Cuba em 1962 – a Federação Russa negocie diretamente com Washington uma solução para a crise que se desenrola na Ucrânia.

Essa proposta é delírio. Os especialistas russos estão-se autoenganando. Os EUA são autores perpetradores do que se vê acontecer na crise ucraniana e têm planos para tomar a Ucrânia, e exatamente pelas mesmas razões que os especialistas diagnosticaram com acerto. Trata-se exatamente de um plano para desestabilizar a Rússia e para negar a Putin qualquer sucesso diplomático por, até agora, ter conseguido impedir que os EUA atacassem militarmente a Síria e o Irã.

Na essência, se os EUA forem bem-sucedidos na Ucrânia, a Rússia estará praticamente eliminada como fator de contenção contra a dominação dos EUA sobre o mundo. Com isso, só restará a China.

Suspeito que a Ucrânia tenha sido levada ao ponto de ebulição, para tirar vantagem de um momento em que Putin e a Rússia concentravam-se na preparação dos Jogos Olímpicos de Sochi. Não parece haver dúvida alguma de que a Rússia está diante de grave ameaça estratégica. Quais são, então, as reais opções, para a Rússia? Com certeza, nenhuma real opção para salvar a Rússia inclui contar com qualquer boa vontade de Washington.

Foto aérea parcial da Base Naval russa de Sebastopol, Ucrânia (Mar Negro)
Uma possibilidade é a Rússia operar segundo o script norte-americano. Se a Rússia tem drones, pode usá-los como fazem os EUA, para assassinar os líderes dos protestos patrocinados por Washington. Ou a Rússia pode mandar equipes de suas Forças Especiais para assassinar os agentes que estão operando contra a Rússia. É o que os EUA estão fazendo em todo o mundo. Se a União Europeia continuar a trabalhar para desestabilizar a Ucrânia, a Rússia pode cortar o fornecimento de petróleo e gás para todos os governos europeus fantoches dos EUA (seriam “sanções incapacitantes”, do tipo que Hillary Clinton tanto aprecia).

Outra possibilidade é o Exército Russo ocupar a Ucrânia ocidental, enquanto se tomam medidas para dividir a Ucrânia, a qual, por 200 anos e até recentemente, foi parte da Rússia. Não há dúvida de que a maioria da população da Ucrânia ocidental prefere a Rússia, à União Europeia. É possível, até, que muitos da população ocidental, que passaram por lavagem cerebral, parem de babar ódio pela boca por tempo suficiente para que percebam que entregar-se às mãos de EUA/União Europeia implica entregar-se para serem saqueados, como já aconteceu na Letônia e na Grécia.

Listo aqui os desdobramentos menos perigosos da crise que EUA e seus estúpidos fantoches que governam países europeus criaram; não estou dando conselhos ou fazendo recomendações à Rússia. Porque o pior desdobramento possível é uma guerra muito perigosa.

Base aérea russa de Gudauta, Abicássia - Georgia
Se os russos nada fizerem, a situação se converterá num quadro inadmissível para eles. Se a Ucrânia se mover na direção de integrar-se à OTAN, com supressão da população russa, o governo russo terá de atacar a Ucrânia e derrubar o regime ali instalado por forças externas à região; sem isso, só restará ao governo russo render-se aos EUA. Dado que não haverá rendição, o efeito da temerária ameaça estratégica que Washington está impondo à Rússia pode ser a guerra atômica.

Victoria Nuland, a hiper-neoconservadora, está em sua sala no Departamento de Estado, escolhendo, risonha, os nomes que imporá como governantes da Ucrânia. O governo em Washington não sabe dos riscos de imiscuir-se nos assuntos internos da Ucrânia? O presidente e o Congresso dos EUA não sabem que Nuland está fabricando o apocalipse?

Quanto aos cidadãos, não, ninguém está prestando atenção. Ninguém sabe que menos de meia dúzia de ideólogos neoconservadores trabalham a favor de empurrar o mundo para destruição cada vez maior.

NOTA: Recebi, num e-mail da Moldávia, país que tem fronteiras com Romênia e Ucrânia, com cidades sobre a fronteira Moldávia-Ucrânia, com denúncia de que há moldávios  recebendo 30 euros/dia para posar como “manifestantes” ucranianos. Peço que quem tenha informação consistente, distribua; ou me indique alguma fonte publicada que comprove essa denúncia.



[*] Paul Craig Roberts (nascido em 03 de abril de 1939) é um economista norte-americano, colunista do Creators Syndicate. Serviu como secretário-assistente do Tesouro na administração Reagan e foi destacado como um co-fundador da Reaganomics. Ex-editor e colunista do Wall Street Journal, Business Week e Scripps Howard News Service. Testemunhou perante comissões do Congresso em 30 ocasiões em questões de política econômica. 

Durante o século XXI, Roberts tem frequentemente publicado em Counterpunch, escrevendo extensamente sobre os efeitos das administrações Bush (e mais tarde Obama) relacionadas com a guerra contra o terror, que ele diz ter destruído a proteção das liberdades civis dos americanos da Constituição dos EUA, tais como habeas corpus e o devido processo legal. Tem tomado posições diferentes de ex-aliados republicanos, opondo-se à guerra contra as drogas e a guerra contra o terror, e criticando as políticas e ações de Israel contra os palestinos. Roberts é um graduado do Instituto de Tecnologia da Geórgia e tem Ph.D. da Universidade de Virginia, pós-graduação na Universidade da Califórnia, Berkeley e na Faculdade de Merton, Oxford University.

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