14/4/2014, [*]
MK Bhadrakumar, Strategic Culture
Traduzido pelo
pessoal da Vila Vudu
Imagem do Daily News de 28/8/2013 |
A narrativa
dos EUA sobre a Síria mudou dramaticamente durante a última quinzena. O
presidente Obama discutiu publicamente a opção militar contra a Síria.
Uma mão
invisível parece ter alterado a ordem dos arquivos sobre a Síria que se
empilham sobre a mesa de Obama no Salão oval e pôs bem em cima da pilha a pasta
“todas as opções estão sobre a mesa” datada de 31/8 do ano passado, que foi
quando Obama parou de falar do seu plano de lançar ataque “limitado” contra a
Síria e enveredou pela trilha lateral de pedir aprovação do Congresso para usar
força militar para “deter, destruir, impedir e degradar” o potencial sírio para
ataques químicos.
Em duas
audiências no Senado, fartamente divulgadas, com depoimentos de espiões-chefes
norte-americanos, durante a última quinzena, o governo Obama trabalhou para
outra vez atrair a atenção da opinião pública norte-americana para a Síria.
Simultaneamente, fez saber, mediante vazamentos pela mídia, que, com aprovação
pela Congresso, os EUA estão fornecendo armas aos rebeldes sírios.
James Clapper |
Entre uma e
outra audiência no Senado, o governo Obama avaliou o problema al-Qaeda na
Síria. O diretor da Inteligência Nacional, James Clapper, avaliou a força de
oposição que combate dentro da Síria em algo entre 75 mil e 115 mil
combatentes, dos quais “algo na vizinhança de mais ou menos 20 mil, chegando
talvez a um máximo de 26 mil, nós [a inteligência dos EUA] consideramos como
extremistas. E eles têm influência desproporcional, porque estão entre os
combatentes mais efetivos no campo de combate”.
A mensagem
para a opinião pública norte-americana tem três faces:
• A al-Qaeda
está convertendo a Síria em sua principal base operacional.
• A
“segurança da pátria” está ameaçada, dado que extremistas estão sendo treinados
em campos com planos específicos para atacar os EUA e seus aliados.
• O conflito
sírio ameaça prolongar-se, o que cria graves perigos à segurança internacional
e a interesses vitais dos EUA.
Além disso,
disseram-se várias coisas naquelas audiências no Senado:
(a) O governo sírio não arreda pé de
implementar o acordo sobre armas químicas;
(b) um “desastre apocalíptico” (usando a
expressão de Clapper) ameaça a Síria em termos da crise humanitária e nível
aterrorizante de mortes de civis; e
(c) na “avaliação profissional” de Clapper,
o governo sírio cometeu atrocidades em larga escala.
Cerca de 20 grupos " rebeldes" se recusaram a participar de Genebra 2 |
Clapper
avaliou que qualquer expectativa em torno de Genebra-2 tem de ser “muito
modesta” e possibilidades de solução política de longo prazo para o conflito
que já dura três anos continuam “problemáticas”.
Destacou
também que, entre os extremistas estrangeiros que combatem na Síria, há
veteranos da al-Qaeda que já lutaram no Afeganistão e no Paquistão e que
aspiram a atacar a Europa e os EUA. Para resumir: as audiências no Senado
serviram para implantar na opinião doméstica nos EUA a imperiosa necessidade de
os EUA agirem contra a Síria.
Claramente a
sinergia que se desenvolveu entre o governo Obama e o Capitólio sobre a Síria
refletiu-se imediatamente na visita que o Presidente da França, Francois
Hollande, fez a Washington essa semana. O que se percebe é que Obama parece ver
Hollande como o homem certo para assumir os riscos na Síria (ou Líbano) que,
digamos, o Primeiro-Ministro britânico, David Cameron, ou a Chanceler alemã,
Angela Merkel, preferirão não correr. De fato, Hollande já acumula considerável
currículo no campo das intervenções militares longe de casa – Líbia, Mali e
República Centro-Africana.
As
intervenções francesas parecem impressionar Obama, que reluta em engajar-se
militarmente no ultramar, por causa de um orçamento apertado e porque os
norte-americanos estão absolutamente fartos de guerras. No que tenha a ver com
a Síria, Hollande também é aliado íntimo da Arábia Saudita, e a França alega que
seria seu legado histórico e sua obrigação assumir papel de liderança nos
assuntos do Levante. Desnecessário dizer que há interesses comerciais franceses
substanciais, aí, também.
Em resumo, a
França, da noite para o dia, virou o melhor aliado dos EUA na Europa, “pelo
menos, sob o prisma do gerenciamento de crises e da cooperação militar”, como
observou, sardonicamente, o destacado analista francês Frederic Bozo. É. Quando
quer, Obama pode ser homem muito sedutor.
Novo cachorro de Obama. Um "poodle" francês chamado "Hollande" |
Creio, sim, que a aliança EUA-França jamais foi
mais forte, e os níveis de cooperação que vemos adiante numa ampla gama de
questões são mais profundos do que, me parece, há cinco anos, dez anos, 20 anos.
Dito de outro
modo, as longas referências ao conflito sírio na conferência de ambos com a
imprensa, depois das conversas bilaterais na 3ª-feira têm sempre alta
ressonância e de3vem ser cuidadosamente anotadas.
Obama
executou quatro movimentos. Primeiro e mais importante, marcou uma distância
entre EUA e Rússia quanto ao problema sírio. Marcou a posição dos EUA e pôs
sobre a Rússia o ônus de garantir que o governo sírio cumpra o acordo das armas
químicas. Não disse, mas sugeriu muito fortemente que a Rússia está impedindo
que a ajuda humanitária alcance as comunidades sírias colhidas em fogo cruzado.
Obama usou palavras extremamente duras:
A Rússia é atrasada [orig. Russia a holdout]. E o Secretário [de Estado John] Kerry e outros levaram mensagem direta aos
russos.
John Kerry |
Em segundo
lugar, Obama manifestou ceticismo sobre a possibilidade de o processo de
Genebra-2 ajudar em alguma coisa. Reiterou a decisão de Washington de
“fortalecer a oposição [síria] moderada”. Em terceiro lugar, Obama proclamou a
concordância EUA-França sobre a Síria:
É ruim para a segurança global que haja
extremistas que entraram no vácuo em certas partes da Síria, de um modo que
pode nos ameaçar no longo prazo. Essa portanto é uma das nossas mais altas
prioridades nacionais, e sei que François [Hollande] sente o mesmo.
Finalmente,
Obama discutiu a moribunda opção militar contra a Síria. Destacou sua “enorme
frustração” sobre o impasse sírio e disse:
Sempre reservo o direito de exercer ação
militar em nome dos interesses da segurança nacional dos EUA. Mas é ação a ser
empreendida com sabedoria (...) No momento não pensamos que haja solução
militar, per se, para o problema. Mas a situação é fluida, e
estamos sempre explorando todas as possíveis vias para resolver esse problema.
Desde então,
o Washington Post já noticiou várias vezes, sempre citando funcionários
do governo, que há “discussões internas” dentro do governo Obama sobre
“estender os poderes presidenciais para usar força letal contra organizações terroristas”
na Síria. Citou o Secretário de Imprensa do Pentágono, almirante (aposentado)
John Kirby, que insistia que os militares norte-americanos “realmente têm a
autoridade necessária, nos termos da lei doméstica e internacional, para
enfrentar a ameaça representada pela al-Qaeda e outras organizações terroristas”.
Contudo,
parece improvável que os EUA consigam autorização do Conselho de Segurança da
ONU para uma intervenção militar direta na Síria. Nem parece que tal
intervenção esteja hoje na cabeça de Obama.
Bashar al-Assad |
Qual, então,
é o plano de jogo? Uma explicação pode ser que Washington conte com aplicar
pressão máxima contra o governo sírio para que renuncie e abra espaço para um
cenário “transicional” em Damasco, com o Presidente Bashar al-Assad,
simplesmente, fazendo “a coisa certa” e partindo rumo ao ocaso. Segundo a
versão Obama, foi a ameaça que fez, de “ataque limitado” à Síria, que forçou
Moscou e Damasco a ceder e produzir o acordo das armas químicas, ano passado.
Provavelmente, espera, agora, que o “evento” se repita.
Por outro
lado, o governo Obama muito argumentou, ao longo da última quinzena, falando
para seu público interno, que continua farto de guerras, que algum tipo de
intervenção na Síria está-se tornando necessária, porque a segurança nacional
está sob mira.
É
perfeitamente concebível que Obama, em algum momento, ordene que os drones
dos EUA ataquem alvos na Síria. De início, serão alvos da al-Qaeda, mas a
“ação” pode ser gradativamente ampliada de modo a alterar o equilíbrio militar
e fazê-lo pender a favor de agenda mais ampla de “mudança de regime”... É onde
a recente visita de Hollande à Turquia – a primeira de presidente francês, nos
últimos 22 anos – ganha significado especial.
Fato é que
tudo indica que o governo Obama está retomando a opção de usar diplomacia
muscular armada contra a Síria.
___________________
[*] MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços
na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão,
Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e
escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as
quais Strategic
Culture, The Hindu, Asia Times Online e
Indian Punchline. É o filho mais velho de
MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de
Kerala.
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