11/2/2014, [*] MK Bhadrakumar, Indian Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
A
imprensa-empresa israelense e iraniana noticiou ontem que Rússia e Egito
fecharam negócio de armas no valor de $2 bilhões. Matérias
especulativas em meses recentes já apontavam nessa direção, mas quando
realmente acontece veem-se olhares de surpresa, porque o negócio significa a
retomada de laços militares que passaram por rompimento de 40 anos que deixou
gosto amargo em Moscou e no Cairo.
Ao que se
sabe, o negócio estaria sendo financiado
por
Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, principais patrões da junta militar
egípcia. Se alguém se interessar (desnecessariamente) por misturar política e
moralidade, aí está um negócio que parece nada santo.
O Egito não
está diante de ameaça de agressão armada, mas enfrenta, sim, situação aguda de
insegurança interna, ampliada pelo caráter
repressivo do regime, que parece ter voltado à era de Hosni
Mubarak. Bem se pode dizer que o Egito é caso perfeito para um embargo
internacional de armas.
Mas está
emergindo um curioso consenso sobre o futuro trágico da Primavera Árabe, que
põe lado a lado Rússia e Arábia Saudita. Os dois países concordam que o que o
Egito enfrenta é terrorismo islamista. A Junta, é claro, insiste que a
Fraternidade Muçulmana é puro terrorismo.
Barack Obama |
Ironicamente,
só o governo Obama aparece como voz dissonante. E insiste numa reconciliação
nacional no Egito que leve a “democracia inclusiva, tolerante, governada por
civis” – itens que absolutamente não encontram hoje, por causa do “ambiente
político polarizado, a falta de um processo inclusive para redigir e debater a
Constituição (...) e as prisões dos que se posicionam contra a Constituição”,
etc. etc., como o secretário de Estado dos EUA John Kerry disse claramente em declaração
recente.
Mas os
conselhos dos norte-americanos caíram em ouvidos surdos, porque a junta militar
no Cairo aposta no fato de que os EUA não têm meios para pressionar na direção
da política que estão prescrevendo nem para apertar os parafusos contra os
generais egípcios. Enquanto isso, o negócio com a Rússia dá aos russos ímpeto e
meios para ganharem tempo com o governo Obama.
Bandar bin Sultan |
Mas os russos
não podem não estar vendo que tudo isso tem sabor de coquetel geopolítico
indigesto. Vejam bem: a Arábia Saudita paga salafistas na Síria com laços
duvidosos com a al-Qaeda, os mesmos contra os quais luta o regime em Damasco,
com a ajuda dos russos; e, no contexto do Egito, as mesmas Moscou e Riad
parecem concordar que o islamismo é veneno. É claro que tem de haver outra
explicação para tudo isso.
A Rússia,
pelo menos, é consistente sobre a absoluta necessidade de combater os
salafistas – seja no Norte do Cáucaso ou Ásia Central ou Levante.
Simultaneamente, o governo Obama fala diferentes falas, conforme a situação
exija – e, na Síria, segundo as últimas
revelações da mídia, enquanto
aparentemente trabalha com a Rússia sobre a Conferência Genebra-2 e professa
empenho no combate contra a al-Qaeda, não para, simultaneamente, de insistir no
golpe (“mudança de regime”) contra o governo Assad.
Todas essas
profundas contradições fazem do Oriente Médio uma espécie de arena para o jogo
geopolítico entre EUA e Rússia. Há elementos para mais uma “guerra à distância”
feita pelos EUA, na Síria. O Egito tem alta possibilidade de converter-se em
batalha campal. Os fortes laços entre Rússia e Irã criam espaço político e
diplomático para que o Irã negocie melhor com os EUA. Mas o namorico com os
generais egípcios pode até levar a um namorico também entre russos e sauditas,
bem agora quando Obama prepara-se para visitar Riad no final de março. O
príncipe Bandar, chefe da inteligência saudita já esteve duas vezes em Moscou –
e o golpe militar no Egito, ano passado, pode ser considerado sua obra-prima.
Bibi Netanyahu |
Onde entra
Israel em tudo isso? Com certeza Israel partilha a angústia saudita por o governo
Obama ter desistido de atacar a Síria. Israel também não conseguiu pôr fim ao
engajamento EUA-Irã. Simultaneamente, já surgiu novo atrito entre EUA e Israel,
também porque o governo Obama voltou a insistir sobre um acordo
palestinos-israelenses. Kerry alertou sobre o perigo de Israel enfrentar
campanha crescente de deslegitimação, em fala que causou mal-estar em
Telavive.
Nessa
conjuntura, o mínimo que Moscou pode fazer pelo Primeiro-Ministro Bibi
Netanyahu é deixar-se ver em público de mãos dadas com ele. É o que está
fazendo. De fato, a diplomacia russa não precisou de muito tempo para decifrar a charada de
EUA-Israel. Faz lembrar famosa lição do surfe, de origens imemoriais – “Se o
mar crescer, surfe” [1]. Porque, na dúvida entre serpentes venenosas ou recifes
pontiagudos, sempre se pode remar para fora.
[*] MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços
na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão,
Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e
escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as
quais The Hindu, Asia Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK
Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de
Kerala.
_______________________
Nota dos
tradutores
[1] Orig. “If it swells,
ride it!”. Assista a seguir
um swell épico:
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.