17/2/2014, [*] Eva
Golinger (entrevista à Juan
Manuel Karg, Tiempo Argentino)
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Eva Golinger |
Filha de
família venezuelana, Eva Golinger [*] nasceu em New York em 1973. Premiada várias vezes
por suas pesquisas acadêmicas, estuda atualmente a ingerência dos EUA na
Venezuela e em outros países da América Latina. É conhecida por seus livros,
dentre outros El código Chávez y La agresión permanente, [1]
no qual decifra a vinculação das agências norte-americanas USAID e NED
com várias tentativas de desestabilizar a Venezuela. Tiempo Argentino (TA) entrevistou-a, com
exclusividade, para ouvir sua opinião sobre os eventos recentes na Venezuela,
as semelhanças com a tentativa de golpe de estado de 2002, diferenças na
oposição, solidariedade continental com o governo de Maduro e a ligação entre
esses fatos e o momento econômico pelo qual a Venezuela está passando.
TA – Depois da violência durante uma manifestação
da oposição, o oficialismo rapidamente denunciou que Leopoldo López,
ex-prefeito de Chacao e que, em 2002, assinou o Decreto Carmona, estava por
trás daquilo. O Decreto Carmona suprimiu as garantias constitucionais e “formalizou” o golpe de Estado. Qual sua opinião sobre tudo isso? A senhora vê
alguma relação entre o golpe de 2002 e o que houve 4ª-feira passada (12/2/2014)?
Leopoldo López |
Eva
Golinger – Há semelhança muito contundente entre o que se passa
hoje na Venezuela e o golpe de Estado em abril de 2002 contra o presidente Hugo
Chávez. Por exemplo, durante o golpe de 2002, os veículos da imprensa-empresa
privada tiveram papel protagonista, distorcendo os fatos e “desnoticiando” o
que se passava no país, tanto nacional como internacionalmente, para justificar
qualquer tipo de ação contra o governo. Usaram franco-atiradores para matar
chavistas e opositores nas ruas durante as manifestações, e tudo passou a ser
manipulado para responsabilizar o governo pelo massacre.
O governo
dos EUA condenou imediatamente o governo de Chávez, condenação que se baseou
nas mentiras publicadas, e também imediatamente reconhecer o governo dos
golpistas, que só permaneceu dois dias no poder, de 11 a 13 de abril. De fato,
Washington havia apoiado o golpe desde o início, inclusive com dinheiro para os
grupos envolvidos, e ajuda de equipamentos militares e de estrategistas
políticos e de comunicações.
Agora, se
vê algo parecido com os veículos da imprensa-empresa privada na Venezuela, e
também os meios internacionais, que mentem sem parar sobre a violência,
culpando o governo de Nicolás Maduro por tudo que acontece, quando, na
realidade, são os manifestantes da oposição que estão provocando toda a
violência. Nas manifestações de 12/2/2014 houve três mortos, opositores e
chavistas. As autoridades venezuelanas já informaram que dois desses jovens –
um chavista e um opositor – foram mortos por tiros que partiram da mesma arma.
É claro que isso sugere a presença de um franco-atirador ou de um agente
infiltrado para matar gente dos dois lados e, assim, provocar mais violência de
um lado contra o outro.
Nicolás Maduro caminha com o povo venezuelano |
Já se sabe
também que os veículos
internacionais estão divulgando imagens de protestos e atos de
repressão em outros países (Grécia, Cingapura, Chile, Egito, Argentina – em
2001) e noticiando que seriam imagens da Venezuela, para divulgar uma falsa
imagem do governo venezuelano como repressor.
Mas o
governo dos EUA apoiou os opositores violentos desde o início – com dinheiro e
apoio político. O Departamento de Estado já fez declarações “condenando” o
governo de Maduro por uma suposta repressão contra os manifestantes e exortando
que “respeite os seus direitos humanos”.
Nada
poderia ser mais hipócrita, porque nos EUA o estado jamais permitiu
manifestações tão violentas como as que a oposição está fazendo na Venezuela,
bloqueando estradas, destruindo edifícios públicos, queimando lixo e pneus nas
ruas, lançando coquetéis molotov.
Os
envolvidos nas atuais manifestações e em abril de 2002 também são os mesmos.
Gente como Leopoldo López, radical de extrema direita, que sempre esteve por
trás de atos de violência contra o governo Chávez, agora contra o governo de
Maduro. Em abril de 2002, López era prefeito de Chacao, em Caracas. Hoje, ele e
outra dirigente da extrema direita, María Corina Machado – que também estava
ativa no golpe de 2002 e assinou o decreto do ditador Pedro Carmona, que
dissolveu todas as instituições do país – são os responsáveis pela “nova”
violência. Passaram meses convocando seus seguidores para tomarem as ruas e
derrotar o presidente Maduro. Disseram, até, publicamente, que a saída para o
governo não é “eleitoral”.
A grande
diferença entre 2002 e hoje são os personagens das ações: hoje são grupos de
jovens e estudantes; e em 2002 eram os próprios políticos que antes haviam
estado no poder. Sim, os jovens opositores vem, principalmente, da classe média
e da classe alta. Não estão na rua para lutar por direitos populares. O que
querem é tomar o poder do povo para “devolvê-lo” às grandes empresas e às
elites ricas. E muitos deles fizeram parte de ONGs que recebem centenas de
milhares de dólares das agências de Washington ao longo dos últimos sete anos,
com o objetivo de treiná-los e formá-los nas táticas e estratégias de
desestabilização, para derrotar o governo e pôr aqui um governo que favoreça os
interesses dos EUA.
TA – Depois dos eventos da 4ª-feira (12/2/2014),
vê-se que a oposição conservadora parece seguir duas linhas diferentes. Uma,
pode-se dizer, “mais dialoguista”, com Capriles e Falcón, que denunciam o
governo, mas têm medo de voltar às ruas; e outra, ainda mais de direita,
encabeçada por López e Machado, que quer continuar com os protestos e a
confrontação. A que se deve essa mudança na tática de alguns setores da
oposição, depois da derrota de dezembro passado? Terão escolhido “outra via”
para tentar derrotar Maduro?
Eva
Golinger – Sempre houve divisões entre os setores da oposição. Eles
não são partido unido, nem partilham a mesma ideologia, como é o caso dos
chavistas e do chavismo. Há mais de 20 partidos diferentes na oposição, além
das ONGs e outros grupos, cada um com agenda própria. A única ideia comum a
todos é o desejo de derrubar o chavismo, agora o governo de Nicolás Maduro. Mas
daí a apresentar qualquer alternativa de governo ou modo de governar, que reúna
todos esses grupos, não, não há, e jamais houve, em 15 anos.
Henrique Capriles |
Então vivem
a operar táticas diferentes, novos “alinhamentos” para a “luta” política deles.
Faz alguns meses, Capriles levou seus seguidores à mais extrema violência,
quando foi derrotado nas eleições presidenciais, e Maduro foi eleito, em abril
de 2013. Mas quando a ação dele resultou na morte de 11 pessoas e teve alto
custo político para ele, Capriles baixou o tom. Outros, como Antonio Ledezma,
atual prefeito metropolitano da Grande Caracas, que também já tentou convocar golpes,
agora está interessado em não perder o poder que tem hoje, para talvez
concorrer à presidência, daqui a alguns anos. Quer dizer: cada um tem sua
própria agenda.
López e
Machado estão mais desesperados: os dois querem ser presidentes “já”; mas a verdade
é que têm poder político muito limitado.
TA – A Chancelaria da Venezuela recebeu
inúmeras manifestações de solidariedade com a Revolução Bolivariana, ante os
eventos desses dias. Argentina, Brasil, Equador, Bolívia, Nicarágua e Cuba
manifestaram seu apoio ao governo de Maduro, contra as tentativas de
“desestabilizá-lo”. A senhora acredita que o momento político da América Latina
e Caribe, com maioria de governos pós-liberais, torna menos provável um golpe
de estado na Venezuela?
Eva
Golinger – Acredito que, certamente, a união, a força, a
consciência da própria soberania que se vê hoje na América Latina, graças aos
esforços e ao impulso que lhes deu o presidente Hugo Chávez, serve como
principal anteparo e como proteção para os governos democráticos da região. As
mostras de solidariedade e apoio, vindas de países da região, ao governo de
Maduro comprovam essa força. E não é a primeira vez que a união e a
solidariedade regional impedem um golpe de estado por aqui, contra governo
progressista: já aconteceu na Bolívia em 2008 e no Equador em 2010. Agora, o
apoio oferecido à Venezuela mostra que a região não aceitará outro golpe ou
ruptura constitucional contra governo democrático, e isso é muito importante.
O MERCOSUL
repudia a tentativa de golpe
Os Estados-membros
do MERCOSUL emitiram comunicado
conjunto sobre a situação na Venezuela, no qual
(...) repudiam todo tipo de violência e
intolerância que visem a atentar contra a democracia e suas instituições,
qualquer que seja a origem. Reiteram seu firme compromisso com a plena vigência
das instituições democráticas e repudiam as ações criminosas dos grupos
violentos que querem disseminar a intolerância e o ódio como instrumento de
luta política. Expressam o mais firme repúdio às ameaças de ruptura da ordem democrática
legitimamente constituída pelo voto popular e reiteram sua firme posição na
defesa e preservação da institucionalidade democrática. Conclamam a continuar a
aprofundar o diálogo sobre os problemas nacionais, no marco da
institucionalidade democrática e do estado de direito, como foi promovido pelo
presidente Nicolás Maduro com todos os setores da sociedade.
[*] Eva Golinger é advogada, especialista em leis internacionais sobre
direitos humanos e imigração. Desde 2003, investiga, analisa e escreve sobre a
intervenção dos EUA na Venezuela, recorrendo ao Freedom of Information Act (FOIA) para obter informações sobre
os esforços do governo norte-americano para minar os movimentos políticos
progressistas da América Latina. Desde 2005, Golinger vive em Caracas,
Venezuela. Em 2009, venceu o Prêmio Internacional de Jornalismo no México. “A
noiva da Venezuela” como era chamada pelo presidente Hugo Chávez, é autora de
vários títulos de sucesso: Bush vs. Chávez: Washington’s War on Venezuela
(2007, Monthly Review Press), The Empire’s Web: Encyclopedia of
Interventionism and Subversion, La Mirada del Imperio sobre el 4F: Los
Documentos Desclasificados de Washington sobre la rebelión militar del 4 de
febrero de 1992 e La Agresión Permanente: USAID, NED y CIA.
_______________________
Nota dos tradutores
[1] GOLINGER, Eva. El
Código Chávez – Descifrando la intervención de los Estados Unidos en Venezuela,
La Habana: Editorial de Ciencias Sociales, 2005. É seu primeiro livro; foi
traduzido e publicado em oito idiomas: inglês, espanhol, francês,
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