13/2/2014, Alexander Salitzki, Strategic Culture
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Xi Jinping e Vladimir Putin na abertura dos JO de Sochi-2014 |
Continua a
dança de duplas Rússia e China de patins sobre o gelo da política mundial. Em
Sochi, observamos com prazer mais um elemento na rotina desse dueto, cada vez
mais harmonioso. Pode-se chamá-lo de “apoio elegante”. Atletas que não se
intimidam diante de coisa alguma, exibiram a elegância sóbria de parceiros
confiáveis.
O fato de
que os parceiros têm bem desenvolvida compreensão mútua não é o seu único
mérito. Paradoxalmente, a antipatia com que a dupla foi recebida pelos públicos
estrangeiros contribuiu consideravelmente para o bom espírito de equipe.
As
cataratas de fatos sombrios que foram despejadas no mundo antes do início das
Olimpíadas de Pequim em 2008 e de Sochi em 2014 teriam de gerar, como geraram,
uma resposta.
O trabalho
imundo da imprensa ocidental contra os Jogos Olímpicos de Sochi é exatamente o
mesmo que foi feito em 2008, quando tantos chineses manifestaram-se indignados,
em todo o planeta. Esses fatos foram destacados na imprensa chinesa, que
devotou considerável atenção à visita do presidente chinês Xi Jinping a Sochi.
Alguns exemplos, recolhidos apenas de alguns veículos: “a nova guerra fria pela
qual tanto anseiam os soldados do Ocidente”, “a perseguição à Rússia está indo
longe demais.” E “crítica não deve sem confundida com hostilidade”.
Projeto do Parque Olímpico de Sochi-2014 (clique na imagem para visualizar) |
Também
interessante uma outra comparação que apareceu na imprensa chinesa. Apesar dos
tumultos de março em Lhasa, em 2008, George Bush e Nicolas Sarkozy mesmo assim
compareceram à cerimônia de abertura dos Jogos de Pequim; e Gordon Brown compareceu
à cerimônia de encerramento. Nada tem havido na Rússia sequer semelhante
àqueles tumultos nos últimos dois anos; mas os “grandes” líderes ocidentais não
deram as caras em Sochi. Daí colunistas e editorialistas extraíram conclusões
completamente óbvias, de que o Ocidente está-se mostrando hostil à Rússia. Como
resultado, entendem que a visita extraordinária de
Xi Jinping a Rússia tenha de ser interpretada como movimento
deliberado, estratégico.
Vladimir
Putin manifestou seu agradecimento pela ajuda que lhe deu o presidente da
República da China, à Rússia e a ele próprio, pessoalmente. No início da
conversa, o presidente russo destacou que os chineses raramente viajam durante
os feriados do Festival de Ano Novo, que é celebrado no Extremo Oriente dia 31
de janeiro, se não para visitar amigos ou parentes. “Recebemos sua visita a
Sochi como a visita de um bom amigo”.
Não sei se
todos que assistiram às cerimônias de abertura dos Jogos Olímpicos terão
percebido, mas a delegação chinesa foi das raras que levava bandeirinhas
russas, ao lado da bandeirinhas chinesas. Foi ou não foi gesto de amistosa
solidariedade?
Delegação da China desfila com pequenas bandeiras russas ao lado das bandeiras chinesas |
O fato de
que os dois lados declararam que qualquer interferência nos assuntos internos
de outros países seria inadmissível, ante a visita do líder chinês a Sochi
parece vir carregado de extrema importância. E parece ter a ver com o apoio
declarado e o encorajamento que o Ocidente tem dado aos rebeldes ucranianos,
inclusive na recente Conferência de Segurança de Munique; a visita de Xi a Sochi
está sendo vista como declarado
apoio, por Pequim, à posição do Kremlin.
* * *
Em Sochi, os dois presidentes estão
discutindo vários temas, mas em primeiro lugar e sobretudo, discutem temas
mundiais. Nesse ponto também, Moscou e Pequim têm abordagem comum ante vários
problemas e conflitos. De fato, estão coordenando atividades na arena
internacional com atenção crescente. Tanto no Conselho de Segurança da ONU como
na Organização de Cooperação de Xangai, tanto em terra como no mar. No final de
janeiro o cruzador movido a energia nuclear “Pedro o Grande” [Petr Velikiy],
que integra a Frota Norte da Rússia, participou da segunda fase do transporte
das armas químicas sírias, no comando da operação no Mar Mediterrâneo, com a
fragata chinesa “Yancheng”.
Cruzador leve russo Petr Velikiy (Pedro, o Grande) |
Esse ano,
russos e chineses têm também uma extensa agenda de cooperação bilateral. Em
maio, o presidente Putin fará visita oficial à República Popular da China e
participará da reunião de cúpula da Conferência sobre Interação e Medidas para
Construir Confiança na Ásia, que será realizada em Xangai. E está sendo
organizado um encontro entre os primeiros-ministros dos dois países, que acontecerá
na Rússia no outono.
Há grandes
expectativas associadas aos números crescentes do comércio bilateral (o
comércio entre Rússia e China já alcançou a marca de 90 bilhões de dólares
norte-americanos) e à cooperação econômica. As áreas chaves são energia,
incluindo os setores de petróleo e gás e de construção de usinas nucleares, as
indústrias aeronáutica e automobilística, tecnologias de informação, cooperação
tecno-científica e militar, e turismo. Há rumores de que a discussão sobre
preços de gás – negócios que, quando finalizados, gerarão contratos
multibilionários para os dois países – já entraram na reta final. Considerado o
clima funéreo da economia europeia e a estagnação geral nos mercados mundiais,
os investimentos chineses serão passo importante e oportuno para a economia
russa. Os investimentos chineses podem acelerar a expansão econômica das
regiões o Extremo Oriente da Rússia, pré-requisito para a integração daquela
área na dinâmica Região do Pacífico-Asiático, que interessa ao desenvolvimento
tanto da Rússia Trans-Ural como do país como um todo.
Russia, China e Coreias - ligações ferrviárias sendo ampliadas (clique na imagem para visualizar) |
Russos e
chineses estão em estreita comunicação, cada vez mais intensa, e Moscou e
Pequim estão usando as esferas da educação e da cultura como catalisadoras de
uma ampla cooperação humanitária. Rússia e China declararam 2014-2015 “Ano das
Trocas Amistosas entre Jovens”. A cerimônia de lançamento desse projeto de
diplomacia pública em larga escala acontecerá em São Petersburgo no final de
março.
Em Sochi,
os dois presidentes declararam que já trabalham na organização de eventos para
comemorar os 70 anos da vitória sobre o fascismo alemão e o militarismo japonês
na 2ª Guerra Mundial – comemoração conjunta em grande estilo, absolutamente
adequada à situação complicada em que vive o mundo hoje. A China é o único
estado aliado da Rússia na luta sem tréguas contra a “desconstrução” histórica
daquela tragédia terrível, e para impedir que o mundo esqueça os horrores
daquela guerra e o heroísmo de nosso povo.
* * *
É simbólico
que as praias do Mar Negro tenham sido beneficiadas por uma fatia da primavera
chinesa, e é interessante que, quando pela primeira vez na história um líder
chinês assistiu a evento esportivo fora da China, o evento estivesse
acontecendo no ponto mais ameno do duro inverno russo. O fato de que Sochi seja
inscrita no mapa de viagem dos turistas chineses também é importante. Há boa
chance de que as legiões de turistas chineses que, com o tempo, acorrerão a
Sochi, ajudem a Rússia a recuperar os investimentos feitos para a realização
desses Jogos Olímpicos.
Numa das
entrevistas que deu em território russo, o presidente da China, que é um
erudito, mencionou a densa concentração de objetos culturais ancestrais na
região em torno de Sochi, pelos quais os chineses sempre manifestaram
reverência especial – como também, aliás, por pessoas e monumentos associados
ao período revolucionário na Rússia. [1]
E até um
certo atraso relativo da China nos esportes de inverno (esportes que na China,
por definição, logo assumirão grande escala) é mais uma evidente oportunidade
prática para cooperação entre os dois países, inclusive nas regiões da Sibéria,
onde os invernos são longos e o ar é mais puro que nas montanhas Khingan. Por
essa razão, dentre outras, a Rússia está apoiando a candidatura da China para
acolher os Jogos Olímpicos de Inverno de 2022, apoio absolutamente natural; e
movimento que pode ser mais um importante estímulo para a indústria do turismo
na Rússia.
Montanhas de Khingan, Norte da China - local proposto para os JO de inverno de 2022 |
O fato de
que a dança em dupla de Xi e Putin, esquiadores experimentados, não esteja
sendo mostrada, para conhecimento de todo o público telespectador do planeta,
era e é obviamente previsível. Alguns, nervosos, estão trocando seus
embaixadores, na Rússia, como na China. Afinal, qualquer aproximação em aliança
desses dois países (o que ainda não entrou em pauta) seria o pesadelo dos
pesadelos da tradicional geopolítica atlanticista. Também é igualmente impalatável
a ideia de mobilizarem-se os recursos da Sibéria para ativar a manufatura
global (o que já está em pauta, mas só em escala limitada).
O mais
necessário, talvez, seja descartar conceitos já ultrapassados e atualizá-los
para os pôr em harmonia com as reais condições de um mundo em mutação; e
livrar-se de preconceitos ideológicos.
Bem
analisadas as coisas, parece ter sido o que escreveu o conhecido analista
norte-americano Robert Kaplan, dentre outros, às vésperas dos Jogos Olímpicos
de Inverno em Sochi. Kaplan manifestou-se muito interessado nas vantagens de
uma maior concentração de poder face à crescente anarquia que se observa no
mundo; e concluiu que enfraquecer os governos autoritários na Rússia e na China
criaria o risco de enfraquecer a democracia, fazendo aumentar a instabilidade e
o separatismo étnico naqueles países, além de outros. Nesse contexto, a conclusão
é lógica:
O que venha depois de Putin pode ser pior,
não melhor, que Putin. E vale o mesmo para qualquer enfraquecimento da
autocracia na China.
Como diz o
ditado, temos de dar graças, até, pelas menores dádivas.
Paisagem de inverno de um mirante das montanhas de Khingan , norte da China |
Não
descarto, sequer, a possibilidade de que alguns detalhes e o contexto
geopolítico dos Jogos Olímpicos de Sochi começarão a aparecer, com o tempo, nos
livros de história. Ou na história da diplomacia. Mas não, provavelmente, em
todos os países.
O tema do
“Encontro Xi-Putin em Sochi, aos pés do Cáucaso” [2],
ilustrado ao estilo das pinturas revolucionárias dos anos 1950s e 1960s já
aparece em gravuras vendidas na República Popular da China e continua a ser
encomendado aos artistas. Sabe-se lá sobre o que mais o dueto conversou. Com
absoluta certeza não haverá vazamento por YouTube e todos os documentos estão
guardados em local seguro.
Notas dos tradutores
[1] Sochi foi praticamente
reconstruída por Stálin, em 1934; em sete anos, de 1932 a 1939, a população da cidade
saltou de 17 mil para 72 mil habitantes. Construíram-se novas estradas,
teatros, praças, hotéis e resorts, e a cidade ganhou as características que tem
hoje.
[2] O primeiro encontro importante em Xi e Putin, aconteceu dias
22-24/3/2013. Foi a primeira visita oficial de Xi como presidente da China. Os
leitores-consumidores de “informação” “jornalística” no ocidente ignoram
completamente absolutamente tudo sobre esse encontro.
Xi e Putin em março/2013 |
Mas dia 24/3/2013, a revista
Forbes publicou:
“O encontro absolutamente histórico e
importantíssimo entre Xi e Putin aconteceu no mesmo dia em que todas as
manchetes nos EUA foram dedicadas à viagem de Obama a Israel. Por isso, aquele
encontro não foi registrado na mídia. Por que isso aconteceu é tema a ser
investigado. Talvez tenha sido coincidência. Talvez não. Se não foi, o mais
provável é que os norte-americanos tenham cuidado de distrair a atenção da
opinião pública. Porque a visita oficial que Xi, já eleito presidente, fez à
Rússia pode muito bem ter marcado o início de uma histórica e lamentável nova e
potencialmente antiamericana aliança no Leste da Ásia. (...) Em conferência
conjunta de imprensa depois do encontro, Xi e Putin enfatizaram que resoluções
e vereditos aplicados contra as “potências derrotadas” (leia-se Japão e
Alemanha) na 2ª Guerra Mundial, pelas potências vitoriosas (leia-se Rússia e
China) não podem ser revertidos. O que isso sugere é coordenação e apoio mútuo
entre Rússia e China na resolução de disputas internacionais e especialmente na
ONU, onde os dois países têm poder de veto” (24/3/2013, Forbes, The
Xi-Putin Summit, China-Russian Strategic Partnership, And The Folly Of Obama’s “Asian
Pivot” [O encontro Xi-Putin, Parceria Estratégica Sino-Russa, e a
loucura do “pivô para a Ásia” de Obama]..
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