27/5/2014, Coups de dent n. 144 [Ayman El Kayman, Mordida
n° 144]
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Eleições na Europa - 2014 |
No mesmo
domingo, votaram os eleitores ucranianos, colombianos e da União Europeia.
Nesse começo de semana, é a vez dos egípcios se achegarem às urnas. De Kiev a
Bogotá, passando por Bucareste, Toulouse, Manchester, Rovaniemi, Kaunas,
Wuppertal, Port-Saïd e Gizé, essa efervescência eleitoral não trouxe nem trará
nenhuma verdadeira surpresa. No Egito, o marechalíssimo SiSSi com
certeza papará uma eleição-trapaça-burla-mistificação, cuja única função é
aplicar um verniz de legalidade ao seu golpe de estado contra presidente
eleito. Na Colômbia, onde 6 de cada 10 eleitores não saíram de casa para meter
o pedacinho de papel no buraquinho da urna, saberemos dia 15 de junho quem
vencerá o segundo turno, se Santos, aluno e sucessor do U(bu)ribe, ou Zuluaga,
chamado “Z”, também aluno do U(bu)ribe.
Colômbia 2014; Venceram os votos em branco! |
Mas
consideremos, para começar, os dois vencedores mais espetaculares das
euro-eleições: na França, Marine-la-Azul; na Grécia, Alexis-el-cor-de-rosa.
O Front National tornou-se o “primeiro partido de França” e Syriza,
o “primeiro partido de Grécia”. Surfando o mesmo desgosto da política de
desastre dos euroburocratas, essas duas forças políticas oferecem discursos
muito divergentes: ao nacionalismo velhote tendência “poder branco”
retravestido em neo-gaullismo pós-moderno da vaca-marina, opõe-se um
internacionalismo socialista que se livrou dos vanguardismos, da ditadura do
proletariado e da luta de classe contra classe, em resumo, uma variante
rejuvenescida de social-democracia, da qual o velho Karl Marx deu a melhor
definição histórica:
O caráter próprio da social-democracia
resumia-se a ela exigir instituições republicanas como meio, não para eliminar
os dois extremos, o capital e o salariato, mas para atenuar o antagonismo entre
eles e transformá-lo em harmonia (O 18 Brumário de Louis-Napoléon
Bonaparte, 1852).
De modo
geral, um bom um terço dos eleitores da União Europeia – 56,89% deles não
apareceram para votar – deram a entender, pelo voto, que estão fartos dessa tal
Europa formatada em Bruxelas, Luxemburgo, Estrasburgo e Berlin. Nenhuma
alternativa real a essa tal Europa jamais sairia, de qualquer modo, das urnas.
Enquanto aguarda, a União Europeia será governada por democracia
cristã/social-democracia, ou, como escreveu em manchete um jornal italiano, “o
governo Angela Renzi”...
Volto ao que
me agita mais que tudo, já há algum tempo: a eleição presidencial na santa
Ucrânia. Imaginem que a eleição foi precedida, na véspera, por uma missa na
catedral de Santa Sofia de Kiev, à qual assistiu o conjunto do governo de fato,
brotado do putsch de fevereiro.
Domingo pela manhã, Angie, François e Vladimir tiveram conversinha a três pelo
telefone, e se puseram de acordo o suficiente para se declararem “interessados
em que a eleição presidencial na Ucrânia transcorra de maneira calma e
pacífica” e quanto “à necessidade de intensificar as discussões entre
representantes da Rússia, da União Europeia e da Ucrânia com vistas a resolver
os problemas relacionados ao setor de energia’. Esses problemas podem
resumir-se como segue: a Ucrânia deve à Rússia uma dívida-pepino de cerca de
3,5 bilhões de dólares, de fatura não quitada por gás russo devidamente
entregue. Os russos estão cansados de esperar e ameaçam: se Kiev não comparecer
ao caixa, fecham-se as torneiras dos gasodutos. Se forem fechadas, o risco é
que os ucranianos puxem para eles mesmos o gás russo destinado ao resto da
Europa que passa pelo território ucraniano. Em outras palavras, finlandeses,
suecos, alemães, húngaros, austríacos e vários outros correm o risco de gelar
no próximo inverno, se a coisa não for acertada rapidamente. Razão a mais para
pôr “o homem certo” no trono em Kiev.
A principal
serventia da eleição presidencial na Ucrânia sempre foi santificar o putsch de fevereiro contra o presidente
eleito Yanukovitch, “virando legalmente” a página do golpe, com a bênção do
Eixo do Bem VBBPLW (Varsóvia-Berlim-Bruxelas-Paris-Londres-Washington).
Conscientes do caráter ilegal do regime provisório imposto em Kiev, os doidos e
doidas “ocidentais” precisam urgentemente repintar a fachada com as belas cores
da democracia eleitoral. E para que o Kremlin engula a pílula, é preciso pôr “o
homem certo no lugar certo”. Ao longo dos meses de março e abril, elaborou-se
um consenso: nem falar de Yulia, matadora neurótica; nem de Klitschko, boxeador
brutamontes, para a presidência. Para o boxeador brutamontes, arranjou-se um
prêmio de consolação: será prefeito de Kiev. Não conseguiria ser pior que “Schwarzie”,
governador da Califórnia. Os gângsteres Yarosh e Tiagnibok tiveram, claro, de
ficar de fora, porque não são gente que se apresente. Yatseniouk? Meio branquelo
demais e, pior, com grave handicap: é
judeu. Difícil imaginar que os ucranianos elegeriam presidente, um judeu. Só
restou Poroshenko. Ganhou, longe, dos 17 demais candidatos, que absolutamente
não ameaçaram sua eleição. É que o rei do chocolate tinha tudo para agradar
todo mundo, ou quase, ou, pelo menos, para agradar aos que contam, pelo mundo.
E desde o anúncio da vitória dele, todos se dizem contentes, de
Rasmussen-o-Viking (OTAN) a Vlad, o Ogre do Kremlin.
Poroshenko,
mais que oligarca, é plutocrata, no sentido que a palavra tem no dicionário:
Diz-se de quem a riqueza torna poderoso,
politicamente influente.
O próprio
plutocrata dizia, em 2004 :
Oligarca não é quem tem dinheiro, mas quem
utiliza as próprias relações políticas para eliminar a concorrência.
Sem dúvida,
Don Petro é, mais, o contrário:
Quem utiliza a própria força de ataque
financeiro para eliminar concorrentes políticos.
Poroshenko em campanha |
Slogan
eleitoral: Chiti po-nowomu, “Viver de um modo novo”. Dito de outro modo,
nada de “mudar a vida”, mas “mudar de vida”. Programa simples, que se declina
como:
– “Viver livre” (“desde o primeiro ano de
minha presidência, os ucranianos poderão viajar livremente para a União
Europeia, sem visto”, promessa lançada por Guy Verhofstadt, o candidato liberal
belga à presidência da Comissão Europeia e grande influência no coração da
besta que ele mesmo chama “O Império”, aos manifestantes da praça Maidan, na
noite de 20/2/2014);
− "viver confortavelmente” (“Contem
comigo: eu sei ganhar dinheiro!”);
− “viver honestamente” (“combaterei a
corrupção”);
− “viver em segurança” (“se queres paz,
prepara a guerra”), “os dias de excessivo pacifismo são passado”, “a adesão à
EU nos dará proteção”.
Taí, tudo
explicado! Simpl(ista)es e eficaz.
Poroshenko, o rei do cocolate |
Petro Alexeïevitch Poroshenko nasceu em 1965 na oblast [região, província] de
Odessa. O pai, Alexeï Ivanovitch, engenheiro agrônomo, nasceu em 1936 na
Bessarábia, então romena e hoje moldava, foi expulso do partido comunista e
condenado a cinco anos em “campo de reeducação” por “erros profissionais” e
“corrupção”, sentença que adiante foi cancelada pela Corte Suprema da Moldávia.
Formado em Economia Internacional em 1989, Pietrô começou o próprio negócio em
1990-1991, quando tomou posse como diretor-geral adjunto da associação de
pequenas e médias empresas e pôs a importar favas de cacau. Mergulhou fundo na
selva em que se converteu a Ucrânia, depois da dissolução da União Soviética.
Menos de dez anos mais tarde, já era homem de peso, à frente de um império
diversificado que ia de bombons-balas-chocolatinhos, a estaleiros, passando
pela televisão (Canal 5… Mas... Essa história é velha!), pelo rádio, pela
indústria-imprensa impressa e pela indústria automobilística. Como outros, na
ex-URSS, ele soube aproveitar-se das privatizações mafiosas.
O eixo
central de seu império de Poroshenko é “Roshen” (de Po-Roshen-ko),
seu grupo industrial de confeitaria, criado a partir da recuperação da… Fábrica
de Doces “Karl Marx”, de Kiev. [1] Hoje, o grupo possui três
outras fábricas na Ucrânia, uma na Rússia e uma na Lituânia.
A Fábrica “Karl Marx” no início dos anos 1970... |
... E 40 anos depois |
O homem que
um jornal francês (Le Monde para não dar nomes) qualificou, com muito
acerto, de “espertalhão e oportunista”, teve paralelamente um percurso político
tipicamente pós-soviético, mudando de partido como se muda de camisa. Passou
por pelo menos quatro partidos, desde o início do século. Foi, sucessivamente,
homem de três presidentes, Koutchma, Youshenko e Yanukovitch. Petro é cristão
ortodoxo [2] fervoroso, sem crises ou estados d’alma. O que é bom para o
business é bom para a Ucrânia. Foi quem financiou a “revolução laranja”
de 2004 – que promoveu incansavelmente pelo Canal 5 – como também financiou o
movimento “Euromaidan” de dezembro de 2013 a fevereiro de 2014. Seu pior inimigo é
terrível Yulia, da qual foi aliado nos tempos heroicos quando sonhavam com
repintar a Ucrânia de cor-de-laranja. Mas na sequência parece que deu jeito
para descartá-la ou, pelo menos marginalizá-la, talvez definitivamente (não sou
profeta, mas, desses cossacos, espero qualquer coisa).
Poroshenko e a religião... |
O que, pois,
fará Pedro I da Ucrânia, depois de entronizado? Tem milhões suficientes (bom...
se não ele, papai Alexeï, que faz o testa de ferro e assina todos os papéis da holding
poroshenquiana UKRPROMINVEST) para pagar a conta de gás atrasada que a Rússia
está cobrando, mas nem pensa em fazer tal coisa. Vai inaugurar uma linha de
navegação entre o Eixo do Bem VBBPLW e os primos em Moscou, que ele conhece bem
e que o conhecem bem. Vai certamente se aproximar de Bruxelas, mas não chegará
a requisitar a adesão à União Europeia – no máximo, uma associação elástica;
nem adesão à OTAN – da qual foi empenhado promotor há tempos. E porá toda sua
espertalhonice a serviço de fazer pazes com a Rússia. Eu tenderia a crer que vai
tentar propor alguma coisa “federal” para acalmar o pessoal do “oriente”, da Novorossiya,
os mesmos que a “mídia” do Eixo do Bem tanto se empenha em chamar, contra todas
as evidências, de “os separatistas”. Em resumo, bombonzinhos-balinhas-docinhos
para todo mundo! (Sem esquecer dos coletes à prova de bala, como Porô já vez
durante a campanha eleitoral no leste).
Os ucranianos
podem dizer, com Chabrol, спасибі за шоколад [Spassibi za shokolad), “Obrigado
pelo chocolate. [3] Com arsênico,
claro”.
O chocolate! |
Ayman
Crocodilovítch, El Crocão, Grande Timoneiro dos Zaliguêitores e nostálgico de
chocolates Karl Marx [imagem]
De presente,
algumas belas fotos!
O modesto
complexo de datchas [casas de campo, de fim de semana] de Porochenko,
batizado “Solidariedade” (Solidarnost, nome do partido do qual Porô foi
presidente efêmero, de julho a novembro de 2000, o qual, depois, foi convertido
em Partido das Regiões) é localizado em Kozin, no quarteirão chique de
Koncha-Zaspa, no sul de Kiev, zona de monastérios, hospitais e datchas do
Estado herdadas da era soviética, em terreno de 4,7 hectares que
pertence à antiga fábrica Karl Marx de chocolates. O conjunto é constituído de
duas mansões-palácios, duas casas para hóspedes (como se diz em neoucraniano),
uma igreja, um porto para lazer, com custo global avaliado em 17,5 milhões de
dólares. Praticamente uma bagatela.
A mansão principal |
Mansão secundária |
Casa de hóspedes 1 |
Casa de hóspedes 2 |
Nada como ter sua própria igreja... |
E seu banheiro individual... |
E, o super
bônus, a célebre Fonte Roshen, “única na Ucrânia, a maior fonte flutuante da
Europa e, segundo os especialistas, uma das dez-mais espetaculares fontes do
planeta” (diz a massa, não invento nada), que Don Petrô I inaugurou em 2011 em
sua cidade, que é seu feudo, Vinnitsa. É móle ou ké mais?
A FONTE das fontes! |
O
hiper-bônus, essa outra bela foto, tirada da página La Règle Du Jeu, do
célebre oligofilósofo germano-grisalho-colarinho desabotoado, e legendada com
modéstia: “BHL [Bernard Henri-Lévy] & Piotr Porochenko. Campanha
presidencial de 2014 na região de Dniepropetrovsk”.
Bernard Henry-Lévy pega carona no jato de Porô |
Mas, mesmo
assim... BOA SEMANA! Que a força do espírito esteja com vocês!
Até a semana
kevém.
Notas dos tradutores
[1] Charlie
Marx and the Chocolate Factory [Carlinhos Marx e a Fábrica de
Chocolate] é filme de 2009, que investiga o elo que liga a produção de
chocolate numa confeitaria em Kiev e a teoria política. A fábrica de doces foi
chamada “Karl Marx” em 1923, em homenagem ao teórico da economia política,
antes de ser modernizada, depois privatizada no início dos anos 1990. Mas
continua a produzir artigos como o Bolo Kievsky, que data da era soviética, e
que é símbolo da cidade. Feito com imagens de arquivos e reconstituições – o
diretor e equipe foram impedidos de entrar na fábrica – o filme investiga o
deslizamento, sobretudo semântico, do falar da burocracia soviética até o
jargão corporativo do neocapitalismo. A seguir vê-se trecho (grande) do filme,
com legendas em inglês:
[2] Em 27/5/2014, redecastorphoto: “Ucrânia:
Mas... em que dará isso tudo?!”, que traduzimos de Moon of Alabama ,
lê-se: “O problema de Poroshenko não é ele ser judeu, mas ele ser o pior tipo
de oligarca bandido”. Essa frase gerou vários comentários, de leitores que
corrigiam a informação e nos diziam que Poroshenko não é judeu. Não é, mesmo.
Nem nos pareceu que MoA tivesse dito que fosse. Por isso, não achamos
necessário “corrigir” coisa alguma. Agora, apareceu a oportunidade de
esclarecer o que houvesse a esclarecer: dado que Porô. não é judeu, É CLARO que
o problema dele não é ser judeu, mas ele ser bandido, como MoA escreveu.
[3] Merci pour le chocolat,
filme de Chabrol, 2000. Filme completo a seguir:
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.