quarta-feira, 28 de maio de 2014

De Kiev a Bogotá, eleitores levaram é um chocolate

27/5/2014, Coups de dent n. 144 [Ayman El Kayman, Mordida n° 144]
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Eleições na Europa - 2014
No mesmo domingo, votaram os eleitores ucranianos, colombianos e da União Europeia. Nesse começo de semana, é a vez dos egípcios se achegarem às urnas. De Kiev a Bogotá, passando por Bucareste, Toulouse, Manchester, Rovaniemi, Kaunas, Wuppertal, Port-Saïd e Gizé, essa efervescência eleitoral não trouxe nem trará nenhuma verdadeira surpresa. No Egito, o marechalíssimo SiSSi com certeza papará uma eleição-trapaça-burla-mistificação, cuja única função é aplicar um verniz de legalidade ao seu golpe de estado contra presidente eleito. Na Colômbia, onde 6 de cada 10 eleitores não saíram de casa para meter o pedacinho de papel no buraquinho da urna, saberemos dia 15 de junho quem vencerá o segundo turno, se Santos, aluno e sucessor do U(bu)ribe, ou Zuluaga, chamado “Z”, também aluno do U(bu)ribe.

Colômbia 2014; Venceram os votos em branco!
Mas consideremos, para começar, os dois vencedores mais espetaculares das euro-eleições: na França, Marine-la-Azul; na Grécia, Alexis-el-cor-de-rosa. O Front National tornou-se o “primeiro partido de França” e Syriza, o “primeiro partido de Grécia”. Surfando o mesmo desgosto da política de desastre dos euroburocratas, essas duas forças políticas oferecem discursos muito divergentes: ao nacionalismo velhote tendência “poder branco” retravestido em neo-gaullismo pós-moderno da vaca-marina, opõe-se um internacionalismo socialista que se livrou dos vanguardismos, da ditadura do proletariado e da luta de classe contra classe, em resumo, uma variante rejuvenescida de social-democracia, da qual o velho Karl Marx deu a melhor definição histórica:

O caráter próprio da social-democracia resumia-se a ela exigir instituições republicanas como meio, não para eliminar os dois extremos, o capital e o salariato, mas para atenuar o antagonismo entre eles e transformá-lo em harmonia (O 18 Brumário de Louis-Napoléon Bonaparte, 1852).

De modo geral, um bom um terço dos eleitores da União Europeia – 56,89% deles não apareceram para votar – deram a entender, pelo voto, que estão fartos dessa tal Europa formatada em Bruxelas, Luxemburgo, Estrasburgo e Berlin. Nenhuma alternativa real a essa tal Europa jamais sairia, de qualquer modo, das urnas. Enquanto aguarda, a União Europeia será governada por democracia cristã/social-democracia, ou, como escreveu em manchete um jornal italiano, “o governo Angela Renzi”...


Volto ao que me agita mais que tudo, já há algum tempo: a eleição presidencial na santa Ucrânia. Imaginem que a eleição foi precedida, na véspera, por uma missa na catedral de Santa Sofia de Kiev, à qual assistiu o conjunto do governo de fato, brotado do putsch de fevereiro. Domingo pela manhã, Angie, François e Vladimir tiveram conversinha a três pelo telefone, e se puseram de acordo o suficiente para se declararem “interessados em que a eleição presidencial na Ucrânia transcorra de maneira calma e pacífica” e quanto “à necessidade de intensificar as discussões entre representantes da Rússia, da União Europeia e da Ucrânia com vistas a resolver os problemas relacionados ao setor de energia’. Esses problemas podem resumir-se como segue: a Ucrânia deve à Rússia uma dívida-pepino de cerca de 3,5 bilhões de dólares, de fatura não quitada por gás russo devidamente entregue. Os russos estão cansados de esperar e ameaçam: se Kiev não comparecer ao caixa, fecham-se as torneiras dos gasodutos. Se forem fechadas, o risco é que os ucranianos puxem para eles mesmos o gás russo destinado ao resto da Europa que passa pelo território ucraniano. Em outras palavras, finlandeses, suecos, alemães, húngaros, austríacos e vários outros correm o risco de gelar no próximo inverno, se a coisa não for acertada rapidamente. Razão a mais para pôr “o homem certo” no trono em Kiev.

A principal serventia da eleição presidencial na Ucrânia sempre foi santificar o putsch de fevereiro contra o presidente eleito Yanukovitch, “virando legalmente” a página do golpe, com a bênção do Eixo do Bem VBBPLW (Varsóvia-Berlim-Bruxelas-Paris-Londres-Washington). Conscientes do caráter ilegal do regime provisório imposto em Kiev, os doidos e doidas “ocidentais” precisam urgentemente repintar a fachada com as belas cores da democracia eleitoral. E para que o Kremlin engula a pílula, é preciso pôr “o homem certo no lugar certo”. Ao longo dos meses de março e abril, elaborou-se um consenso: nem falar de Yulia, matadora neurótica; nem de Klitschko, boxeador brutamontes, para a presidência. Para o boxeador brutamontes, arranjou-se um prêmio de consolação: será prefeito de Kiev. Não conseguiria ser pior que “Schwarzie”, governador da Califórnia. Os gângsteres Yarosh e Tiagnibok tiveram, claro, de ficar de fora, porque não são gente que se apresente. Yatseniouk? Meio branquelo demais e, pior, com grave handicap: é judeu. Difícil imaginar que os ucranianos elegeriam presidente, um judeu. Só restou Poroshenko. Ganhou, longe, dos 17 demais candidatos, que absolutamente não ameaçaram sua eleição. É que o rei do chocolate tinha tudo para agradar todo mundo, ou quase, ou, pelo menos, para agradar aos que contam, pelo mundo. E desde o anúncio da vitória dele, todos se dizem contentes, de Rasmussen-o-Viking (OTAN) a Vlad, o Ogre do Kremlin.

Poroshenko, mais que oligarca, é plutocrata, no sentido que a palavra tem no dicionário:

Diz-se de quem a riqueza torna poderoso, politicamente influente.

O próprio plutocrata dizia, em 2004 :

Oligarca não é quem tem dinheiro, mas quem utiliza as próprias relações políticas para eliminar a concorrência.

Sem dúvida, Don Petro é, mais, o contrário:

Quem utiliza a própria força de ataque financeiro para eliminar concorrentes políticos.

Poroshenko em campanha
Slogan eleitoral: Chiti po-nowomu, “Viver de um modo novo”. Dito de outro modo, nada de “mudar a vida”, mas “mudar de vida”. Programa simples, que se declina como: 

“Viver livre” (“desde o primeiro ano de minha presidência, os ucranianos poderão viajar livremente para a União Europeia, sem visto”, promessa lançada por Guy Verhofstadt, o candidato liberal belga à presidência da Comissão Europeia e grande influência no coração da besta que ele mesmo chama “O Império”, aos manifestantes da praça Maidan, na noite de 20/2/2014);
"viver confortavelmente” (“Contem comigo: eu sei ganhar dinheiro!”);
“viver honestamente” (“combaterei a corrupção”);
“viver em segurança” (“se queres paz, prepara a guerra”), “os dias de excessivo pacifismo são passado”, “a adesão à EU nos dará proteção”.

Taí, tudo explicado! Simpl(ista)es e eficaz.

Poroshenko, o rei do cocolate
Petro Alexeïevitch Poroshenko nasceu em 1965 na oblast [região, província] de Odessa. O pai, Alexeï Ivanovitch, engenheiro agrônomo, nasceu em 1936 na Bessarábia, então romena e hoje moldava, foi expulso do partido comunista e condenado a cinco anos em “campo de reeducação” por “erros profissionais” e “corrupção”, sentença que adiante foi cancelada pela Corte Suprema da Moldávia. Formado em Economia Internacional em 1989, Pietrô começou o próprio negócio em 1990-1991, quando tomou posse como diretor-geral adjunto da associação de pequenas e médias empresas e pôs a importar favas de cacau. Mergulhou fundo na selva em que se converteu a Ucrânia, depois da dissolução da União Soviética. Menos de dez anos mais tarde, já era homem de peso, à frente de um império diversificado que ia de bombons-balas-chocolatinhos, a estaleiros, passando pela televisão (Canal 5… Mas... Essa história é velha!), pelo rádio, pela indústria-imprensa impressa e pela indústria automobilística. Como outros, na ex-URSS, ele soube aproveitar-se das privatizações mafiosas.

O eixo central de seu império de Poroshenko é “Roshen” (de Po-Roshen-ko), seu grupo industrial de confeitaria, criado a partir da recuperação da… Fábrica de Doces “Karl Marx”, de Kiev. [1] Hoje, o grupo possui três outras fábricas na Ucrânia, uma na Rússia e uma na Lituânia.

A Fábrica “Karl Marx” no início dos anos 1970... 

... E 40 anos depois 
O homem que um jornal francês (Le Monde para não dar nomes) qualificou, com muito acerto, de “espertalhão e oportunista”, teve paralelamente um percurso político tipicamente pós-soviético, mudando de partido como se muda de camisa. Passou por pelo menos quatro partidos, desde o início do século. Foi, sucessivamente, homem de três presidentes, Koutchma, Youshenko e Yanukovitch. Petro é cristão ortodoxo [2] fervoroso, sem crises ou estados d’alma. O que é bom para o business é bom para a Ucrânia. Foi quem financiou a “revolução laranja” de 2004 – que promoveu incansavelmente pelo Canal 5 – como também financiou o movimento “Euromaidan” de dezembro de 2013 a fevereiro de 2014. Seu pior inimigo é terrível Yulia, da qual foi aliado nos tempos heroicos quando sonhavam com repintar a Ucrânia de cor-de-laranja. Mas na sequência parece que deu jeito para descartá-la ou, pelo menos marginalizá-la, talvez definitivamente (não sou profeta, mas, desses cossacos, espero qualquer coisa).

Poroshenko e a religião...
O que, pois, fará Pedro I da Ucrânia, depois de entronizado? Tem milhões suficientes (bom... se não ele, papai Alexeï, que faz o testa de ferro e assina todos os papéis da holding poroshenquiana UKRPROMINVEST) para pagar a conta de gás atrasada que a Rússia está cobrando, mas nem pensa em fazer tal coisa. Vai inaugurar uma linha de navegação entre o Eixo do Bem VBBPLW e os primos em Moscou, que ele conhece bem e que o conhecem bem. Vai certamente se aproximar de Bruxelas, mas não chegará a requisitar a adesão à União Europeia – no máximo, uma associação elástica; nem adesão à OTAN – da qual foi empenhado promotor há tempos. E porá toda sua espertalhonice a serviço de fazer pazes com a Rússia. Eu tenderia a crer que vai tentar propor alguma coisa “federal” para acalmar o pessoal do “oriente”, da Novorossiya, os mesmos que a “mídia” do Eixo do Bem tanto se empenha em chamar, contra todas as evidências, de “os separatistas”. Em resumo, bombonzinhos-balinhas-docinhos para todo mundo! (Sem esquecer dos coletes à prova de bala, como Porô já vez durante a campanha eleitoral no leste).

Os ucranianos podem dizer, com Chabrol, спасибі за шоколад [Spassibi za shokolad), “Obrigado pelo chocolate. [3] Com arsênico, claro”.

O chocolate!
Ayman Crocodilovítch, El Crocão, Grande Timoneiro dos Zaliguêitores e nostálgico de chocolates Karl Marx [imagem]

De presente, algumas belas fotos!

O modesto complexo de datchas [casas de campo, de fim de semana] de Porochenko, batizado “Solidariedade” (Solidarnost, nome do partido do qual Porô foi presidente efêmero, de julho a novembro de 2000, o qual, depois, foi convertido em Partido das Regiões) é localizado em Kozin, no quarteirão chique de Koncha-Zaspa, no sul de Kiev, zona de monastérios, hospitais e datchas do Estado herdadas da era soviética, em terreno de 4,7 hectares que pertence à antiga fábrica Karl Marx de chocolates. O conjunto é constituído de duas mansões-palácios, duas casas para hóspedes (como se diz em neoucraniano), uma igreja, um porto para lazer, com custo global avaliado em 17,5 milhões de dólares. Praticamente uma bagatela.

A mansão principal

Mansão secundária

Casa de hóspedes 1

Casa de hóspedes 2

Nada como ter sua própria igreja...

E seu banheiro individual...

E, o super bônus, a célebre Fonte Roshen, “única na Ucrânia, a maior fonte flutuante da Europa e, segundo os especialistas, uma das dez-mais espetaculares fontes do planeta” (diz a massa, não invento nada), que Don Petrô I inaugurou em 2011 em sua cidade, que é seu feudo, Vinnitsa. É móle ou ké mais?

A FONTE das fontes!

O hiper-bônus, essa outra bela foto, tirada da página La Règle Du Jeu, do célebre oligofilósofo germano-grisalho-colarinho desabotoado, e legendada com modéstia: “BHL [Bernard Henri-Lévy] & Piotr Porochenko. Campanha presidencial de 2014 na região de Dniepropetrovsk”.  

Bernard Henry-Lévy pega carona no jato de Porô

Mas, mesmo assim... BOA SEMANA! Que a força do espírito esteja com vocês!

Até a semana kevém.



Notas dos tradutores

[1] Charlie Marx and the Chocolate Factory [Carlinhos Marx e a Fábrica de Chocolate] é filme de 2009, que investiga o elo que liga a produção de chocolate numa confeitaria em Kiev e a teoria política. A fábrica de doces foi chamada “Karl Marx” em 1923, em homenagem ao teórico da economia política, antes de ser modernizada, depois privatizada no início dos anos 1990. Mas continua a produzir artigos como o Bolo Kievsky, que data da era soviética, e que é símbolo da cidade. Feito com imagens de arquivos e reconstituições – o diretor e equipe foram impedidos de entrar na fábrica – o filme investiga o deslizamento, sobretudo semântico, do falar da burocracia soviética até o jargão corporativo do neocapitalismo. A seguir vê-se trecho (grande) do filme, com legendas em inglês:  


[2] Em 27/5/2014, redecastorphoto: Ucrânia: Mas... em que dará isso tudo?!, que traduzimos de Moon of Alabama , lê-se: “O problema de Poroshenko não é ele ser judeu, mas ele ser o pior tipo de oligarca bandido”. Essa frase gerou vários comentários, de leitores que corrigiam a informação e nos diziam que Poroshenko não é judeu. Não é, mesmo. Nem nos pareceu que MoA tivesse dito que fosse. Por isso, não achamos necessário “corrigir” coisa alguma. Agora, apareceu a oportunidade de esclarecer o que houvesse a esclarecer: dado que Porô. não é judeu, É CLARO que o problema dele não é ser judeu, mas ele ser bandido, como MoA escreveu.

[3] Merci pour le chocolat, filme de Chabrol, 2000. Filme completo a seguir:


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